O setor de telecomunicações começa a preparar sua maior transformação estrutural desde a caótica implantação dos códigos de seleção de prestadora para chamadas de longa distância, há oito anos. As teles já arrumam a casa para a adoção da portabilidade numérica, mecanismo que permitirá ao cliente manter onúmero de telefone quando mudar de operadora e entrará plenamente em vigor em março de 2009.
A tarefa não é simples nem barata – tampouco conta com a simpatia das grandes operadoras. Entre serviços de consultoria e as muitas adaptações necessárias nas redes, as teles deverãogastar, juntas, entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, segundo estimativa das próprias companhias.
Prevista desde a criação da Lei Geral de Telecomunicações, a portabilidade ficou, durante anos, fora da pauta de prioridades da Anatel. Foi somente no início de 2007 que o órgão regulador publicou um regulamento para implantar o serviço.
O primeiro passo concreto foi dado no fim da semana passada. Após uma série de reuniões de um grupo de trabalho que inclui operadoras e representantes da Anatel, foi escolhida a Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações (ABR Telecom) como a entidade administradora da portabilidade.
Caberá a ela a tarefa de gerenciar a base de dados sobre os números telefônicos e as operadoras em que se encontram. A ABR funcionará como uma 'clearing', que também intermediará os custos de transferência do cliente de uma empresa para outra. Para isso, terá de contratar uma empresa que ofereça essa solução técnica. Uma das possíveis candidatas é a ClearTech, companhia que faz gerenciamento de contas para as teles. A ABR tem como principais associadas as maiores prestadoras de telefonia fixae móvel, e por isso o processo de escolha da entidade foi marcado por intenso debate entre as teles – as pequenas operadoras argumentaram que temem ficar sem representatividade no processo.
A portabilidade será implantada na telefonia fixa e na móvel. Nos dois casos, ela se aplicará nas ocasiões em que o cliente quiser manter seu número quando mudar de operadora dentro da mesma área geográfica. Isso significa que, nos municípios onde não houver mais de uma prestadora de serviços, ele não poderá migrar. De acordo com a Anatel, o recurso estará disponível para 52% da população brasileira. O assinante pagará uma taxa de transferência.
Para as operadoras, trata-se de uma enorme mudança em processos internos, sistemas de tecnologia da informação e infra-estrutura de redes. 'O que se quer é que a implementação seja muito segura para se evitar o que houve na época da adoção do código de seleção de prestadora, quando o país ficou sem serviços telefônicos por dois ou três dias', observa o diretor de regulamentação e estratégia da Oi, Alain Riviere. O executivo defende que os testes previstos para ser realizados entre maio eagosto de 2008 -comecem por cidades de porte médio para depois chegar às grandes capitais.
As datas parecem distantes, mas são consideradas exíguas pelas operadoras e pelos demais envolvidos no processo. 'Os prazos são insuficientes', afirma o consultor Ricardo Felinto, da Boucinhas & Campos + Soteconti Auditores Independentes.
A portabilidade tem sabor amargo para as grandes operadoras – além dos custos de implantação, elas terão de gastar mais para agradar seus clientes e evitar que eles migrem para a concorrência.
Alguns executivos, especialmente das empresas de celular, têm afirmado que a medida será inócua. O presidente da Vivo, Roberto Lima, disse em mais de uma ocasião que a portabilidade representará um aumento de custos desnecessário, pois os assinantes de telefonia móvel já costumam mudar de operadora, mesmo tendo de abrir mão do número.
Numa nota enviada ontem ao Valor, a Claro faz avaliação semelhante e acrescenta: 'A ligação poderá levar mais tempo para ser completada e, além disso, toda a infra-estrutura adequada para tal representará custos adicionais para as empresas'.
Mas, para Riviere, da Oi, a adoção da portabilidade vai na linha do que vem sendo feito em diversos países. 'É um benefício para o cliente', diz. 'O necessário é que se mantenha a competição entre plataformas [telefonia e de cabo, por exemplo].'
Uma sondagem feita pelo Yankee Group para a ClearTech em dezembro, nas cidades de São Paulo, Rio e Belo Horizonte, mostrou que 54% dos entrevistados não trocariam de operadora fixa mesmo podendo carregar o número. A Embratel e a Net seriam a opção de 60% dos que gostariam de migrar. Na telefonia, onde existe mais competição, 79% afirmaram que em nunca deixaram de mudar de operadora por causa do número do celular. Pouco mais da metade (52%) disse que não mudaria de prestadora mesmo se pudesse manter o número.
Segundo Luiz Cuza, presidente da Telcomp (associação das empresas que competem com as concessionárias de telefonia fixa), a portabilidade é bem-vinda, mas deveria ser acompanhada da desagregação de redes. Trata-se do mecanismo que permite que uma operadora use a infra-estrutura das teles locais para chegar à casa do cliente final. Isso não foi regulamentado pela Anatel.