A afirmação acima mais parece o trecho de uma peça literária que nos remete aos períodos obscuros da ditadura militar brasileira. Seria uma comovente cena em que um dos "homens-dedo" se dá conta de seu verdadeiro papel na trama e busca sua própria redenção? Não, não se trata disso. A afirmação acima se refere a um fato real e, diga-se de passagem, grotesco, pobre e digno das interpretações cênicas dos tele-dramas mexicanos de quinta categoria. O fato a que me refiro descreve exatamente o que aconteceu no início da tarde do último dia 25 de setembro, em rede regional de televisão.
O personagem principal – não o único – da trama chama-se Eduardo Braga (PMDB), governador do Amazonas, que, diante das câmeras da TV A Crítica (mais recente afiliada da emissora do bispo), se derramou em lágrimas quando de sua "oportunidade de defesa" junto à população amazonense em relação a certo "dossiê" que andou circulando nas caixas de e-mail dos poucos que têm acesso à internet por estas bandas (indicadores de 2006 do Cetic apontam que apenas 6,15% das pessoas têm acesso à grande rede em toda a região Norte). "Em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade", já diziam. E é isso o que o Amazonas – e, sobretudo Manaus, a capital do estado – vive nesse momento.
Não se trata de uma guerra declarada, armada e com lados definidos. O que se vê por aqui pode ser taxado de "guerra midiática", sendo os veículos de comunicação da imprensa baré os grandes escudos de infantaria dos exércitos comandados, em cada lado, por generais sem nome. Aliás, não uma guerra. Sejamos precisos: guerrilha. As estratégias não são convencionais. Ou são? Perdoem a confusão nos termos, mas a esta altura já não sei dizer se o uso de rádios, TVs e impressos por parte de políticos com sérias pretensões de poder ainda pode ser encarada como "estratégia não convencional".
Antes de ir direto ao assunto, permitam-se uma breve contextualização.
Factóides "plantados?"
Vamos aos fatos. Estamos em reta final da campanha municipal e, há algum tempo, o jornal Amazonas Em Tempo, que até pouco tempo atrás estava prestes a falir, passou a usar suas capas matinais e agora bem desenhadas e enfeitadas para, supostamente, denunciar o que seriam mentiras de campanha do então prefeito e candidato à reeleição Serafim Correa (PSB). São coisas do tipo: "a verdade sobre isso", "a verdade sobre aquilo". Tudo muito bem escrito por jornalistas sem nome e devidamente acompanhados de artigos, editoriais e charges. Ou seja, toda a máquina "jornalística" do Em Tempo está debruçada sobre o que Otávio Raman, empresário dono do veículo (assim como da retransmissora local Rádio Transamérica Hits e da TV Manauara, repetidora do SBT em Manaus), acredita ser uma cruzada santa para "desmentir" o que o atual prefeito chama de "realizações da administração".
Isso poderia ser considerado apenas como "oposição ideológica" do jornal, não fosse sua postura tão afinada com um segundo candidato à prefeitura manauense, Omar Aziz (PMN), que não por acaso é vice-governador de Braga e, portanto, o protegido "número um" da máquina administrativa do Estado. Para quem não lembra ou não sabe, o Omar Aziz deste artigo é o mesmo Omar Aziz que ficou conhecido nacionalmente por pressionar parlamentares da Assembléia Legislativa do Amazonas a aprovar, na calada da noite, uma emenda constitucional que lhe garantiria aposentadoria vitalícia por apenas quatro anos de trabalho. Quando o caso foi divulgado (em notinhas) pelo jornal A Crítica, Omar logo tratou de usar de suas "boas relações" com a mídia e buscou abafar o caso. Só não obteve êxito completo porque foi grampeado pela Polícia Federal, que fazia a investigação de outro caso. O Em Tempo, vale ressaltar, parece ter esquecido de tudo.
Para se ter uma idéia do que hoje se tornou o Amazonas Em Tempo, basta refletir sobre a presença de um capitão da Polícia Militar no cargo de diretor-executivo do jornal (quaisquer semelhanças com peças literárias que nos remetem aos períodos obscuros da ditadura militar brasileira são apenas mera coincidência). Não seria óbvio imaginar que factóides pré-fabricados com objetivos específicos seriam "plantados" no jornal? Pois bem, isto parece ter acontecido também. Há poucos dias, o jornalista Mário Adolfo, que há anos trabalhou no referido jornal, teve um pequeno desentendimento com o editor, a chefe de reportagem e o PM. Em entrevista concedida ao meu blog, ele mesmo afirmou que passou anos para construir seu nome, e que não iria "pôr tudo a perder por causa de vinte dias de campanha".
Silêncio "estratégico?"
Mas nem tudo parece perdido neste circo da notícia. O jornal Diário do Amazonas, por sua vez, permanece irredutível em sua postura de enfrentar corajosamente o governo Braga. São capas e capas diárias com escândalos, denúncias, transcrições de gravações e "cópias" de documentos que atestam Eduardo Braga disso e daquilo. Apesar de tudo, tal posição é de desconfiar também. E muito. Qual a explicação mais plausível e sensata possível para que o vice-presidente do Diário, Cirilo Anunciação, e o ilustre senador tucano Arthur Virgílio Neto (PSDB) apareçam à 1h30 da manhã na casa de Omar Aziz – candidato a prefeito apoiado por Braga e que por sua vez é alvo predileto do jornal – portando um disco DVD com certo dossiê que acusa o governador de corrupção?
Omar disse que não houve tentativa alguma de extorsão. Arthur Virgílio e Cirilo Anunciação também garantiram isso. Seria discurso afinado? Seria silêncio "estratégico" para as próximas jogadas? O que há de fato por trás de toda esta estranha história? Talvez as próximas capas "espetaculosas" do Diário do Amazonas nos dêem algumas pistas. O mesmo do reacionário Em Tempo.
Acusações sérias e agressivas
Voltando ao dossiê enviado por e-mail para menos (bem menos) de 6,15% de toda a população da região Norte.
Tudo começou há cerca de um mês. Certo e-mail, supostamente assinado por Alexandre Fleming Neves de Melo, começou a circular nos correios eletrônicos de algumas pessoas na cidade de Manaus (eu mesmo recebi este spam umas três vezes). O conteúdo, bem hilário. Para ser sucinto, tudo não passa de insultos e "apelidos" nada amistosos a todos os candidatos a prefeito de Manaus e mais o governador do Estado: Serafim Correa (PSB), Francisco Praciano (PT), Ricardo Bessa (PSOL), Luiz Navarro (PCB), Amazonino Mendes (PTB) e Omar Aziz (PMN).
Com exceção de Braga, o governador, nenhuma das potenciais vítimas da mensagem se manifestou, pelo menos não publicamente. Já o governador, em uma atitude que já se tornou típica, conclamou uma coletiva de imprensa na manhã no dia 24 de setembro (o Diário do Amazonas, misteriosamente, não foi chamado) e, em tom dramático e com direito a vistosas lágrimas, leu a mensagem e as ofensas contra si, sua esposa (que estava ao seu lado) e sua filhas. Desnecessário? Sim. Inapropriado? Certamente. Inoportuno? Absolutamente!
Ora, o príncipe maquiavélico das terras das amazonas deve ter ficado realmente ofendido. Afinal, são acusações sérias e agressivas. Entretanto, não há nada ali que um "bom político" como Braga não possa usar em seu favor e em benefício eleitoral de seu candidato, Omar Aziz. E não demorou a que Braga se aproveitasse desse "presente".
Teriam mudado de idéia?
No dia seguinte, a Rede Calderaro de Comunicação – TV A Crítica e jornal A Crítica – abriram um espaço formidável para que o governador "respondesse" às acusações. Dessa forma, o ofendido governador pôde, diante das câmeras, usar todo o seu latim para fazer estardalhaço maior do que o do dia anterior e mais: "olho a olho", como ele mesmo fez questão de dizer, prometeu diante de todos que o "verdadeiro responsável pelo e-mail logo será descoberto". A pergunta que não quer calar agora é: e depois?
Não dá para negar, portanto, que Braga não seja inteligente. Longe disso. A inteligência dos censores da imprensa de hoje é maior – e muito – dos da época da ditadura. Além de ter a seus pés o Amazonas Em Tempo, Braga conseguiu o que, para os mais céticos, seria bem difícil: um espaço muito bem aproveitado em um programa da Rede Calderaro de Comunicação. Por que difícil? Porque foi exatamente esta emissora que, em 2006, foi literalmente fechada (censurada) pelo governador durante 24 horas, durante sua campanha à reeleição em resposta às críticas a sua administração.
E hoje? O que houve com a oposição declarada do grupo de comunicação que hoje abre espaço irrestrito para o "pobre e ofendido" governador? Eles teriam mudado de idéia? Não. Não sem razões, digamos concretas.
E mais uma vez, a meretriz vende seu corpo. Alguém já imagina o nome do cafetão?
* Mário Bentes é estudante do 6º período de Jornalismo em Manaus.