A iniciativa do Congresso Nacional de consolidar a legislação dos setores de telecomunicação e radiodifusão tem merecido uma atenção especial por parte de parlamentares e empresas nos últimos meses. Como toda proposta de consolidação, o projeto de lei 3.516/2008 não deveria alterar qualquer previsão legal existente hoje, mas apenas concentrar os dispositivos em uma única peça legal. No entanto, a omissão de um capítulo da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) na proposta apresentada pelo autor do projeto, deputado Bruno Rodrigues (PSDB-PE), tem preocupado as empresas.
No texto que foi aberto a comentários do público e demais parlamentares em outubro deste ano, Rodrigues não inclui as "Disposições Transitórias" da LGT. O problema é que neste capítulo da lei estão vários artigos importantes. Um desses artigos é o 207, peça-chave na derrota da proposta de separação funcional/empresarial que o ex-conselheiro Pedro Jaime Ziller tentou emplacar no novo Plano Geral de Outorgas (PGO). A interpretação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e das empresas é que este artigo permite a prestação, pelo mesmo CNPJ, do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e Serviço de Comunicação Multimídia (SCM).
Isso porque o texto dá tratamento diferenciado a serviços já prestados pelas concessionárias antes da privatização. A ressalva em questão seria para a prestação do Serviço de Rede e Transporte de Telecomunicações (SRTT), que mais tarde foi transformado em SCM.
Outro impacto da omissão deste capítulo da LGT é o desaparecimento do artigo 209, que trata da continuidade e compatibilização das regiões detalhadas no PGO. Para a Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), uma das que constatou essa ausência no projeto de Rodrigues, sem estes artigos o processo de consolidação das empresas de telecomunicações feito após a privatização pode ser fortemente afetado.
O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) engrossa o coro contra a retirada das disposições transitórias, alegando que, sem o artigo 207, outras passagens da LGT seriam prejudicadas assim como o modelo definido pelos legisladores na privatização. Os comentários tanto da Abrafix quanto do deputado Semeghini foram apresentados em meados de outubro, quando o texto estava aberto para contribuições da sociedade. O argumento final para a recomposição deste capítulo é que, dentro do processo legislativo, as consolidações não podem alterar a legislação vigente.
Nem a Abrafix nem Semeghini atentaram para uma outra omissão importante. Ao eliminar as disposições transitórias da LGT, a consolidação poderá deixar de fora o artigo 212, que remete para a Lei do Cabo a regulamentação deste setor da TV por assinatura.
Conceitos
Um outro item teria potencial para mexer na ordem dos serviços de telecomunicações, na opinião da Abrafix e de Semeghini. O autor trocou a palavra "concessionárias" por "operadoras de telecomunicações" na reprodução do artigo 15 da Lei do Cabo, que limita a participação das concessionárias no mercado de TV por assinatura. O entendimento é que, ao trocar os termos, a restrição estaria sendo ampliada a todas as operadoras de telecomunicações, independentemente se elas são concessionárias ou autorizadas.
Essa ponderação torna-se ainda mais importante quando se leva em conta que as regras do setor de TV por assinatura estão sendo alteradas pelo próprio Congresso Nacional em um movimento paralelo à consolidação das leis. A Abrafix fez questão de ponderar potencial choque entre a consolidação e outras iniciativas de atualização do marco legal do setor. "Cabe considerar que a lei que trata da interceptação telefônica e a lei do serviço de TV a Cabo, juntamente com outros dispositivos normativos do setor de telecomunicações e radiodifusão, estão sendo objeto de várias proposições legislativas, com algumas delas já em estado avançado de tramitação, o que fatalmente irá alterar o marco legal objeto da presente Consolidação", avisa a associação das teles fixas.
Mudanças
Mas nem todas as sugestões apresentadas visam a clareza da manutenção das regras em vigor. A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel), por exemplo, apresentou uma sugestão para "corrigir" uma "distorção" que haveria no texto da LGT. A associação pede que se deixe claro que a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) deve ser cobrada apenas no "primeiro" ato de licenciamento, deixando de fora, por conseqüência, a possibilidade de recolhimento das taxas nas renovações. Segundo a associação, este seria o espírito inicial dos legisladores e a regra teria sido distorcida na transição das leis vigentes durante o período estatal das telecomunicações para o novo marco pós-privatização (LGT).
Tramitação
Por enquanto, não há previsão se as mudanças sugeridas serão acatadas. Pela natureza da consolidação, é improvável que mudanças drásticas nos textos sejam aceitas, pois isso prejudicaria a legalidade da proposta. Como o Congresso se encaminha para o fim das atividades em 2008, o assunto deve ser melhor debatido apenas em 2009. Caso o projeto seja aprovado, todas as leis transportadas para a consolidação são revogadas, restando apenas um único documento com as regras para as telecomunicações e para a radiodifusão.