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O manual de guerrilha do “Globo”

Dia de domingo, vendagem ampliada, o "Globo" estampa no coração da primeira página ilustrações toscas de táticas de combate, acompanhadas da manchete: "Alemão usa manual de guerrilha feito por militar". Na manhã do dia seguinte, ontem, o secretário de Segurança Pública anunciou que o "manual" apreendido pela polícia comprovava a necessidade das investidas policiais contra o Complexo do Alemão.

Taí, não deixa de ser uma metáfora curiosa. Justifica-se a matança promovida pela polícia a partir de rabiscos rudimentares, que lembram o traçado de uma criança. Uma explicação infantil. Assim como infantil é esse joguinho feito entre Globo e governo do Estado, justo no momento em que os laudos comprovam que pessoas foram torturadas e executadas a sangue frio, inclusive com tiros pelas costas, no dia 27 de junho. Interessante…

Isso prova que os moradores, em quem o "Globo" nunca acredita, estavam falando a verdade. E a polícia estava mentindo. E o governo do Estado e seus burocratas estavam mentindo. Mas o "Globo" deu 95% do espaço para sustentar essas mentiras, nos dias seguintes à matança. E os outros 5% eram coisas do tipo: "moradores afirmam que teriam…", assim, sempre no futuro do pretérito, que é o jeito do jornal publicar uma informação em que não acredita ou que deseja desqualificar. Mas de repente os laudos com provas gravíssimas saem de cena e entra esse "manual de guerrilha".

Para completar o serviço, o "Globo" publica mais uma chamada na primeira página, onde se anuncia com espanto: "O manual 'ensina até como monitorar as frequencias de rádio da polícia'". Ora, ora, quanta hipocrisia… Qualquer foca sabe que os jornalões monitoram a freqüência da polícia. A ordem é ter sempre alguém na "escuta" e quando ouvir um "triplo uno", que significa homicídio, telefonar para a polícia, mentir dizendo que alguém ligou fazendo a denúncia, e pegar mais informações. Então que grande escândalo é esse? Vamos brincar de sensacionalismo também: "Jornalões monitoram freqüência da polícia". Aí na seqüência alguém telefone para a polícia federal, anuncia o "furo" e pergunta: "Ei, vocês não vão fazer nada?" Que tal?

No jornal de hoje, o tal manual de guerrilha continua rendendo. Manual, aliás, que a polícia já conhecia há dois anos. Mas de repente virou novidade pro "Globo". Hoje a chamada de capa, assustadíssima, avisa que o "chefe" do tráfico tem mais seguranças (38) que o presidente da República e quase o mesmo número de agentes (40) que protegem o maior tirano da história, George Bush.

Até quando o "Globo" vai usar esse manual? Até a polícia promover um novo massacre na favela, matando e ferindo pessoas que não tem nada a ver com o tráfico varejista? Se você aí quiser telefonar para o "Globo" para comunicar seu descontentamento com essa incitação ao crime, o telefone é (21) 2534-5000. Deixe um recado para Rodolfo Fernandes, o editor-chefe.

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RCTV fora do ar: um dia histórico para a humanidade

Com a RCTV, cai também boa parte da credibilidade das corporações de mídia em todo o mundo. Seja a CNN, que falsificou imagens de protestos; sejam as agências de notícias ligadas a Washington ou as emissoras privadas da América Latina, que apoiaram o golpe na Venezuela em 2002. No Brasil, o ímpeto contra Hugo Chávez já coleciona distorções, meias verdades e mentiras inteiras.  

Por exemplo, a primeira página da Folha de S. Paulo desta quarta-feira (30) registra que a concessão da RCTV foi "cassada" por Hugo Chávez. Não é verdade. A concessão terminou e não foi renovada; ela não foi cassada. A TV Globo, por sua vez, em praticamente todos os seus telejornais dá a entender que o governo venezuelano fechou a emissora arbitrariamente, comprometendo a liberdade de imprensa e a democracia. 

Os demais veículos corporativos seguem pelo mesmo caminho. Com alguma dificuldade, assumem que houve um golpe de Estado contra Chávez, em abril de 2002. Mas, do jeito que noticiam, fica parecendo que o golpe surgiu por geração espontânea. Não apontam responsáveis, embora os conheçam. Não revelam a participação da CIA, embora existam provas fartas. Não oferecem, sequer, a versão do outro lado, conforme ensinam seus próprios manuais de redação. Jamais divulgam que a não renovação de uma concessão de radiodifusão está amplamente respaldada pela Constituição da Venezuela que, assim como a brasileira, afirma que o espectro radioelétrico é um bem público, concedido a entes privados durante um tempo pré-determinado. Quem não cumpre a lei, como foi o caso da RCTV lá e é o caso de todas as emissoras privadas aqui, perde o direito sobre este bem público. 

Naquela sexta-feira, 11 de abril de 2002, Arnaldo Jabor comemorou o golpe contra Chávez atirando bananas para o alto, em seu comentário para o Jornal Nacional. A revista Veja também ficou satisfeita: "cai o presidente falastrão", disse sua edição daquele final de semana.  

Mas o que está por trás da atual campanha contra Hugo Chávez não é nem o presidente venezuelano em si. É também, mas vai além dele. Atravessa-o. O que está em jogo é o controle de um bem público que confere um poder nunca antes sonhado pelas elites. Hoje, na Era da Informação, o poder de produzir e transmitir imagens e palavras é a premissa básica para se alcançar todas as riquezas imagináveis.  

Aquilo que os exploradores de hoje perceberam há pelo menos cinqüenta anos, só recentemente os movimentos sociais começaram a entender. O ponto chave é: quem controla a subjetividade, controla a hegemonia. Os meios de comunicação de massa constituem a instituição com maior poder de produzir subjetividades. Através de suas mensagens, determinam formas de pensar, agir, sentir e viver de toda uma comunidade, região ou país.  

É por isso que as corporações de mídia, a serviço da exploração dos povos, articulam uma campanha sem precedentes contra Hugo Chávez. Porque ao não renovar a concessão de uma dessas corporações e, além disso, conceder seu controle a grupos populares, Chávez atinge substancialmente a fonte de poder daquelas corporações. Por isso o dia da não renovação da concessão da RCTV, 27 de maio de 2007, será lembrado como um grande avanço na história da humanidade. 

A TV Globo, que apoiou a ditadura que seqüestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros – repito, milhares de brasileiros – agora acusa Hugo Chávez de violar a liberdade de imprensa. A Folha de S. Paulo, que emprestou automóveis para órgão da repressão, agora acusa Chávez de agredir a democracia. Estão desesperados. Porque o governo venezuelano abriu um precedente perigosíssimo para as classes exploradoras, mas belíssimo para todos que acreditam numa humanidade mais humana.  

Neste mês de maio, vencem dezenas de outorgas de rádio e televisão no Brasil. São cinco da Globo, duas da Bandeirantes e uma da Record, sem contar as emissoras afiliadas. O levantamento foi feito pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e pode ser lido aqui. 

Em junho do ano passado, em plena Copa do Mundo, o presidente Lula assinou um decreto ilegal entregando novas concessões públicas de televisão digital para as mesmas empresas que já transmitem em sinal analógico. Se os movimentos sociais não quiserem continuar sendo massacrados pelas corporações de mídia, a hora de agir é agora. É preciso compreender a importância histórica desse momento e ir para as ruas. Movimento Negro, MST, MTST, Marcha das Mulheres, Estudantes acampados na USP e em outras universidades, professores, sindicatos, todos, sem exceção, precisam ir para as ruas e, mais que pressionar, precisam obrigar nossos representantes a não renovarem essas concessões e a anularem o decreto da televisão digital. 

O que está acontecendo na Venezuela não é um ato isolado. São as conseqüências da falência das políticas neoliberais, que concentram as riquezas em poucas mãos e distribuem a miséria para a maioria. É possível reverter esse quadro, como o governo venezuelano está mostrando. Até porque o fracasso desse modelo derruba também a credibilidade de seus interlocutores, ou seja, das corporações de mídia. E um dos momentos mais lindos da história humana é quando os oprimidos deixam de acreditar nas palavras dos exploradores e se levantam, sem medo, dispostos a enfrentá-los.

 

Active Image publicação autorizada, desde que citada a fonte original.

Jornalistas sofrem perseguições na TV Globo

Avenida das Nações Unidas 13.301. Este é o endereço do novo distrito empresarial da Marginal Pinheiros, onde se encontra o Hotel Grand Hyatt São Paulo, um dos mais luxuosos da cidade. Se você quiser dormir ali, terá que desembolsar no mínimo 600 reais. Por noite. Em compensação, dormirá ao lado de "importantes centros empresariais, comerciais e financeiros, além dos Shoppings Morumbi, Market Place e D&D", como informa a página oficial do hotel na internet. Há outras vantagens. Por exemplo, não é preciso se hospedar na suíte diplomática (R$ 1.600,00 por noite) para desfrutar dos magníficos travesseiros "king-size e edredons de pena de ganso, não alérgicos" ou da "roupa de cama 100% algodão egípcio". Eles estão em todos os apartamentos.  

Foi no Grand Hyatt que Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo, decidiu se reunir em meados de março com editores do Jornal Nacional. O encontro-almoço foi realizado no Restaurante japonês Kinu, onde o preço do rodízio por pessoa fica em R$ 60,00. Seu folheto afirma que o "restaurante Kinu oferece um ambiente em que predominam as cores e formas do oriente. Essa atmosfera de modernidade faz um contraponto com a cozinha de Yasuo Asai, chef japonês que procura reproduzir em suas criações a autenticidade da culinária japonesa tradicional. No Kinu, o sabor do Japão está presente nos sushis e sashimis, nos pratos quentes e também no menu de sobremesas, todas sugestões acompanhadas de uma carta de saquês única no país".  

Entre um sushi e outro, Kamel deixou claro que seu objetivo era desanuviar o clima. Sempre de maneira muito polida, afirmou que a TV Globo é uma empresa democrática, pluralista e que nunca iria fazer jogo partidário.  

O editor de economia do Jornal Nacional em SP, Marco Aurélio Mello, estava presente. Ele havia sido um dos jornalistas a se recusar a assinar o abaixo-assinado preparado por Kamel com o objetivo de negar que a Globo havia tentado influenciar o resultado das eleições. O jornalista, assim como outros que estiveram presentes à reunião, entendeu a atitude de Kamel como uma proposta de trégua. O diretor da Globo chegou a colocar seu endereço eletrônico à disposição da equipe e incentivou que escrevessem sempre que tivessem alguma reclamação.  

No dia 23 de março, Marco Aurélio tomou um susto. O chefe de jornalismo em São Paulo, Luiz Cláudio Latgé, avisou que ele estava demitido. Latgé teria dito que após uma avaliação interna de seu trabalho, concluiu-se que seu perfil não era mais compatível com a empresa. Funcionário da casa há 12 anos, Marco Aurélio Mello foi editor do Jornal Nacional durante quatro anos e do Jornal da Globo por outros três. Era ele quem ajudava a pautar Franklin Martins, que ficava em Brasília.  De acordo com um jornalista da TV Globo, que preferiu não se identificar, antes do primeiro turno das eleições presidenciais, Marco Aurélio havia comentado que tinha recebido a orientação de que deveria "pegar leve" com os indicadores econômicos que pudessem ser interpretados como pró-governo.  

Estado de choque
No dia seguinte à demissão, 24 de março, Marco Aurélio foi internado às pressas no Hospital Santa Casa de Vinhedo. Segundo um parente, ele estava em "estado de choque devido à crueldade da demissão". Para piorar a situação, sua esposa estava grávida de nove meses e teria o bebê em breve. Marco teve alta no mesmo dia, com a recomendação de manter repouso absoluto, sem se exaltar e sem se submeter a qualquer condição de estresse durante dez dias.  

Na segunda-feira, dia 26 de março, escrevi um correio eletrônico para o chefe de jornalismo da TV Globo em São Paulo com as seguintes perguntas: é verdade que o jornalista Marco Aurélio Mello foi demitido por "não se adequar ao perfil da empresa"? Se for verdade, qual seria o perfil da empresa? E se não for verdade, por qual motivo ele foi demitido? É verdade que o Aurélio era um dos jornalistas que não havia concordado em assinar o abaixo-assinado em defesa da cobertura das eleições? É verdade que há um clima de medo entre alguns jornalistas da TV Globo em São Paulo?  

Primeiro, recebi uma resposta automática: "Estarei fora a partir deste sábado, 24, e até a próxima sexta-feira, 30, num curso da Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte. Neste período, a Cris Piasentini responde pela Redação". Em seguida, recebi uma ligação da Central Globo de Comunicação. Uma moça muito gentil perguntou se eu havia solicitado informações sobre o Marco Aurélio e eu repeti as perguntas. Ela disse que a única informação que foi passada a ela é que o jornalista foi demitido devido a mudanças operacionais e remanejamento interno da equipe. Insisti um pouco e ela acabou dizendo que a demissão teria acontecido porque a empresa abriu novas vagas. Eu disse que era estranho, porque se a empresa estava contratando, não deveria haver razão para demissões.  

Cerca de uma hora depois, Luiz Cláudio Latgé respondeu genericamente às perguntas que eu havia enviado pelo correio eletrônico: "O clima é ótimo na Redação. O Aurélio não foi o único a não assinar o documento. Outros não assinaram e continuam trabalhando normalmente e contamos com eles. Na redação, o clima é positivo, diante dos novos desafios propostos a vários profissionais a quem, por seus méritos, foram confiadas novas missões na Redação".  

A versão de Latgé é contestada por mais de um funcionário da TV Globo de São Paulo. Estes insistem que há um clima de medo na Redação, sobretudo entre aqueles que se recusaram a assinar o abaixo-assinado em defesa da empresa. Há quem fale em "caça às bruxas". No mesmo dia em que Marco Aurélio era internado, seu pai, também jornalista, divulgou uma carta de solidariedade em seu blogue: "Um jornalista não pode se sujeitar a coação de assinar manifesto político, com o qual não concorda, ainda que perca sua vida. Daí a minha grande dúvida, nenhum emprego por mais valioso que seja, por mais amor que a ele se tenha, como você tinha, pode ser mais valioso que a própria vida, principal direito inalienável da pessoa humana. Parabéns pela sua atitude".  

Contextualizando
Tudo começou no dia 29 de setembro do ano passado. Na antevéspera das eleições presidenciais, um Boeing da Gol caiu e matou 154 pessoas. Foi o maior acidente da história da aviação brasileira. Entretanto, o Jornal Nacional não divulgou a notícia e reservou a maior parte de seu noticiário à cobertura eleitoral, sendo 8 minutos para as notícias sobre o então famoso Dossiê. O sentido das reportagens era claro: prejudicar a imagem do PT e favorecer a candidatura do PSDB.  

A revista CartaCapital (18/10/2006), em reportagem assinada por Raimundo Pereira Rodrigues, registrou com detalhes a manobra do Jornal Nacional. Raimundo conta que a TV Globo foi beneficiada pelo delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno, que preparou uma cópia exclusiva do CD que continha as fotos do dinheiro que seria usado para comprar o Dossiê e negociou a exibição do material no principal telejornal da Globo.  

Ali Kamel escreveu uma resposta, publicada como matéria paga em CartaCapital e divulgada pelo Observatório da Imprensa. Outros veículos eletrônicos cobriram amplamente a questão e entre 358 comentários de internautas, apenas 21 defendiam Kamel enquanto 337 o criticavam. Não satisfeito, o diretor-executivo de jornalismo da TV Globo fez circular um abaixo-assinado em defesa da cobertura da emissora entre os jornalistas da casa. Alguns se recusaram a assinar e outros solicitaram que seus nomes fossem retirados, após perceberem o uso político que poderia ser feito do documento.  

Fontes dentro da emissora revelam que no dia em que o abaixo-assinado circulou na redação de São Paulo, Marco Aurélio tomou a iniciativa de ligar para o chefe de redação, Mariano Boni, pedindo que o nome dele e de outros colegas fossem retirados. Boni, ao sair da sala, teria desabafado diante de um grupo de funcionários: "Quem não estiver contente que pegue o boné e vá para a TV Record".  

No dia 19 de dezembro do ano passado, Rodrigo Vianna, repórter especial da TV Globo durante doze anos, foi o primeiro a receber a notícia de que não teria seu contrato renovado. Em uma carta enviada aos colegas, Rodrigo afirmou que o clima estava insuportável. E denunciou que "Nunca, nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão centralizado, a tal ponto que os repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na cobertura política!". 

Sobre a cobertura das eleições, ele confirmou a manipulação dos chefes. "Intervenção minuciosa em nossos textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo, à distância, por um personagem quase mítico que paira sobre a Redação: "o fulano (e vocês sabem de quem estou falando) quer esse trecho; o fulano quer que mude essa palavra no texto". 

Luiz Cláudio Latgé veio a público responder a carta de Rodrigo. Em seu texto, ele tenta desqualificar o jornalista. Latgé escreve: "Lamento que [Rodrigo] tenha perdido o equilíbrio e tentado transformar um assunto funcional interno numa questão política, que jamais existiu. A confusão de idéias que o Rodrigo Vianna expressa deve ter razões pessoais e compromissos que não nos cabe julgar. Peço desculpas aos colegas pelos ataques e ofensas por ele dirigidos". Em entrevista exclusiva ao Fazendo Media, Rodrigo conta que foi obrigado a pular a catraca eletrônica para poder sair da empresa. "Parece coisa de senhor de engenho". Além disso, o ex-repórter da Globo conta dois episódios em que reportagens suas foram censuradas.  

No mesmo período, o comentarista Franklin Martins foi afastado da TV Globo. Durante o período eleitoral, o jornalista demonstrou equilíbrio em seus comentários e se recusou a repetir o coro da maioria dos comentaristas, na linha "o PT inventou a corrupção no Brasil". Antes de sair de férias, Franklin fora avisado que estava tudo bem, que ele poderia ir tranqüilo. Havia a preocupação com dois textos publicados contra ele por Diogo Mainardi, na revista Veja. Quando Franklin voltou, recebeu a notícia de que seu contrato não seria renovado. Em entrevista à Caros Amigos, ele descreveu o momento da seguinte maneira:  

"Ó, Franklin, nós fizemos uma pesquisa qualitativa muito grande, vários grupos aqui, todos os jornais, todos os telejornais, todos os âncoras, os comentaristas e tivemos uma surpresa: a sua imagem diante do telespectador é fraca". Eu olhei: "Como é que é?" "É, sua imagem é fraca." […] me estenderam um papelzinho que tinha uma foto minha e cinco tópicos do que a qualitativa tinha dito a meu respeito. A primeira era assim: "Alguns entrevistados não souberam dizer quem era". A outra dizia: "Fala sobre as coisas da política, as coisas de Brasília". Terceiro: "Dá menos opinião e mais informação" – o que considero um extraordinário reconhecimento do que eu quero fazer como profissional. Quarto: "Faz comentários muito equilibrados" – a mesma coisa. E eu digo: "Bom, e aí?" "E aí nós pensamos melhor, eu pensei melhor, e decidi não renovar o seu contrato." Eu digo: "Espera aí, conta outra!" "Não, não, é isso." "Ó, fulano (pede que não coloquemos o nome), eu saí de férias você dizendo que minha posição é consolidada; agora você diz que saiu numa pesquisa uma coisa assim, todo mundo vai achar evidentemente que tem alguma coisa a ver com o Diogo Mainardi. Tem alguma coisa a ver com isso?" "Eu sou peremptório, não tem nada a ver com isso." "Mas todo mundo vai achar que tem, e aí?" "Não, não." Aí eu olhei: "Então não há o que discutir, mas é o seguinte: tenho o Fatos e Versões pra gravar amanhã, como é que faz?" "Não, você não precisa gravar mais nada na TV Globo." "Está vendo, é alguma coisa diferente de a minha imagem estar fraca, porque, se minha imagem estivesse fraca, talvez você tivesse dito: 'Você não quer ficar na Globo News, fazer alguma coisa?' Não, alguma coisa aconteceu que eu não sei o que é e você não quer me dizer, e acho que devia me dizer." "Não, não." "Então está bom".  

Outro que não ratificou a posição da emissora foi o repórter Carlos Dornelles, que pediu para não cobrir política em 2006 porque já havia entrado em conflito com Ali Kamel, de acordo com funcionários da empresa. Em outubro, Dornelles concedeu uma entrevista no Rio Grande do Sul afirmando que "os barões da imprensa deveriam ser investigados". Em virtude de sua afirmação, ele teria sido chamado por Latgé para se explicar. Como não recuou, foi deslocado para o Globo Rural. Outro repórter teria dito para Latgé, na frente de outras pessoas, que a cobertura da Globo estava vergonhosa. Foi colocado na "geladeira".  

A emissora vem adotando basicamente duas táticas para remover de seus quadros os jornalistas que não concordam com sua linha editorial. Uma é a desqualificação pública via terceiros, seguida de uma justificativa do tipo "sua imagem não está boa junto ao público". A segunda tática é garantir ao demissionário que está tudo bem, que ele não será demitido. A pessoa se tranqüiliza, continua a produzir normalmente e se sente segura para mostrar sua maneira de pensar – o que certamente será observado pelos chefes. Após esse relaxamento, quando a notícia chega, a pessoa fica sem reação e não consegue articular uma defesa. Não é raro que entre em estado de choque e, conforme sua estrutura psicológica, pode cair em depressão. São raríssimas as atitudes como a de Rodrigo Vianna, que conseguiu colocar o pensamento em ordem e divulgar uma carta revelando as manipulações na cobertura eleitoral da TV Globo. Sua defesa, articulada, causou grande desgaste à imagem da emissora.  

Assim como em 1982, durante as eleições para o governo do RJ, e em 1989, para a presidência da República, a Rede Globo usou sua força política para influenciar o resultado de um processo eleitoral. O que na época foi denunciado por observadores externos, agora se confirma a partir da entrevista com Rodrigo Vianna, além de depoimentos de funcionários assustados e demissões de jornalistas que manifestaram sua discordância em relação à linha adotada pela Globo na cobertura eleitoral.  

As demissões podem até ser discutidas a partir do caráter privado da empresa. Mas este não é o único. A Globo não é apenas uma empresa privada. É uma empresa privada que opera uma concessão pública e, como tal, deve estar subordinada ao controle público. Além disso, a informação é um bem público e não pode sofrer clivagens de mercado ou ideológicas. Sobre as relações trabalhistas, cabe aos órgãos competentes – Ministério Público, Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho – verificar esses contratos de Pessoa Jurídica cada vez mais utilizados pelas emissoras privadas para fugir dos encargos trabalhistas. O poder público deve coibir e multar as empresas que fazem uso deste recurso, o que acaba mantendo os funcionários sob tensão a cada renovação de contrato.  

A questão trabalhista da TV Globo esbarra no problema central da televisão aberta brasileira. Trata-se da existência de um oligopólio composto por seis grupos privados que controlam todo o conteúdo produzido e distribuído num país com 190 milhões de pessoas. Além de contrariar o artigo 220 da Constituição Federal, é sabido que nenhum setor concentrado desta forma pode oferecer uma quantidade satisfatória de empregos ou estabilidade para os funcionários.  

Há também um outro aspecto a ser levado em consideração, que diz respeito ao caráter do setor. As empresas de comunicação não são como as indústrias de automóvel, ferro, carvão ou petróleo. Além de produzirem bens tangíveis, que podem ser comercializados (novelas, filmes, esportes, carnaval, etc.), esses artigos possuem um capital subjetivo poderosíssimo. Tão poderoso que conferem a seus detentores a responsabilidade por transmitir formas de sentir, pensar e viver a cada indivíduo e, conseqüentemente, lhes garante o poder de interferir em toda a sociedade. Assim, tanto é possível legitimar editorialmente genocídios quanto erradicar o analfabetismo. Só depende do uso que se faz dos meios de comunicação e, em especial, da televisão.  

Como disse Eugênio Bucci, no livro Brasil em tempo de TV, página 17: "O que temos hoje no Brasil, na era da globalização, é ainda o produto daquele velho projeto autoritário: a gente brasileira, condenada à desigualdade, com a pior distribuição de renda do mundo, é o país que vibra unido na integração imaginária: na Copa do Mundo, no final da novela, na morte do ídolo do automobilismo, na 'festa cívica' das eleições presidenciais. Não por acaso, todos esses momentos de confraternização são espetáculos de TV".

 

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Fórum de TVs Públicas X Ministro-Radiodifusor

As vitórias dos radiodifusores privados nas disputas sobre a criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e a implantação da TV digital aberta fizeram com que o Ministério da Cultura adotasse uma estratégia mais pragmática de tentar incidir, apenas, sobre a regulação das televisões "não-comerciais".

Foi com essa proposta em mente que o Ministério da Cultura, em parceria com a Radiobrás e a Casa Civil, decidiu organizar o Fórum de TVs Públicas. Deste fórum fazem parte TVs estatais (Radiobrás, TV Câmara, TV Senado, TV Justiça, as TVs das assembléias legislativas e das câmaras de vereadores), TVs educativas, canais universitários e canais comunitários, além de algumas entidades da sociedade civil que atuam com o tema da comunicação.

Essa gama de atores é, por si só, um problema para o Fórum de TVs Públicas.

Algumas emissoras (em especial as legislativas) são assumidamente estatais e assim desejam continuar. Outras estatais oscilam para se tornar cada vez mais governamentais, como é o caso da TV Cultura sob a gestão tucana. Enquanto a Radiobrás já manifestou o desejo de se transformar em uma espécie de BBC brasileira, tornando-se independente do governo de plantão.

Entre as TVs Educativas encontramos emissoras estatais (muitas marcadas pela interferência direta dos governantes), outras privadas e várias em mãos de políticos. Isso porque a outorga de emissoras educativas não passa pelo Congresso Nacional e os seguidos ministros da Comunicação as tem usado como moeda de troca política.

Nas TVs universitárias estão instituições públicas de ensino superior, confessionais e privadas. Estas últimas, em sua maioria, têm a perspectiva apenas de fazer o marketing de seus cursos.

Os canais comunitários são, em tese, os que melhor expressam o conceito de público não-estatal. Isso porque são totalmente independentes do Estado (e, principalmente, dos governos) e possuem gestão eleita. Na prática, contudo, a maioria sofre com a falta de recursos e com enormes conflitos internos que põem à prova a prática da gestão democrática.

Por fim, a necessária abertura do Fórum para a participação de entidades da sociedade civil impõe o debate sobre quais entidades devem ser convidadas a participar. O que, em última instância, tem relação direta com a própria natureza do Fórum: quem convida, quem define a pauta, quem toma decisões? Ou seja, teremos um fórum realmente público ou, de fato, estatal?

Todos estes conflitos devem soar não como um problema insolúvel, mas como o grande desafio que enfrentaremos na primeira vez em nossa história em que se reunirão todas as TVs não-comerciais existentes no Brasil.

Também teremos que tentar responder questões como o uso (ou não) de publicidade, outras fontes de recursos, como garantir a independência frente aos governos, acesso ao espectro e gestão democrática, entre outros temas.

Cabe lembrar que nossa Constituição, no artigo 223, define a complementaridade entre os sistemas privado, estatal e público. Contudo, não existe regulação que defina direitos e deveres de emissoras estatais e públicas, nem que garanta que estas emissoras possam ocupar um espaço proporcional no espectro eletromagnético e não fiquem relegadas a pequenos feudos, diante da hegemonia dos meios comerciais.

Todas estas questões ganham ainda maior importância com a implantação da TV digital aberta. Agora, um único canal de televisão pode comportar diversas programações simultâneas e o conteúdo admite diversos graus de interatividade. Como garantir que não haja maior concentração do espectro nas mãos das atuais emissoras comerciais e que a interatividade não seja usada apenas para vendas on-line?

 

O ministro-radiodifusor
Preocupado com essa reunião inédita dos canais não-comerciais, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, optou por apresentar uma outra proposta, diferente daquela do Fórum de TVs Públicas. Cabe lembrar que Costa foi empregado das Organizações Globo durante anos, é dono de uma rádio comercial em Barbacena e que seu suplente no Senado (que financiou parte considerável de sua campanha eleitoral) é o dono da retransmissora da Bandeirantes em Goiânia e do SBT em parte de Minas Gerais.

Sob o falso nome de TV pública, Hélio Costa propõe que o governo aporte R$ 250 milhões na criação de uma rede de televisão estatal. Com isso, Costa entra em choque, inclusive, com a iniciativa da Radiobrás de se tornar uma emissora pública e não estatal.

Com isso, busca gerar confusão e atritos internos às vésperas da realização do Fórum de TVs Públicas. E responde aos interesses dos radiodifusores privados, que não gostariam de ver nascer meios de comunicação públicos não-estatais que disputem audiência e, principalmente, tragam uma nova concepção de conteúdo audiovisual, para além da lógica de mercado.


E agora?
Com a confusão criada pelo ministro-radiodifusor, o Fórum de TVs Públicas foi adiado para uma data não definida em maio.
Ao mesmo tempo, o presidente Lula nomeou o jornalista Franklin Martins para assumir a gestão das verbas publicitárias estatais e, também, da Radiobrás e da Fundação Roquete Pinto. Até o momento, não se sabe o que Martins pensa sobre a confusão artificialmente criada entre emissoras estatais e públicas e nem como pretende se comportar em relação ao Fórum de TVs Públicas.

Tampouco se sabe qual a posição do presidente Lula a respeito. Será que depois de quase 52 meses de governo, Lula terá a coragem de, pela primeira vez, enfrentar os interesses do oligopólio privado que controla dos meios de comunicação de massa no Brasil? Ou, mais uma vez, irá ceder às suas pressões?

 

> Gustavo Gindre é jornalista, membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes.

 

 

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A classificação indicativa e a censura da grande mídia

Durante quase três anos o Ministério da Justiça do governo Lula discutiu o tema da classificação indicativa da programação de televisão. Neste período, ocorreram reuniões com várias entidades (inclusive aquelas que representam os radiodifusores), audiências públicas nas principais cidades do país, um seminário internacional em Brasília e uma consulta pública que recebeu 11 mil manifestações. Também foi contratada a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) para realizar uma pesquisa sobre a realidade de vários países, como Suécia, Chile, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e Canadá, entre outros.

Ao final de todo este processo, foi publicada a Portaria 264 que dispõe sobre os novos critérios para a classificação indicativa da televisão aberta (não são incluídos os canais por assinatura). Também foi publicado um manual que ajuda a entender o funcionamento das novas regras.

De acordo com a Portaria do Ministério da Justiça nenhum programa terá sua veiculação proibida. Ele será, apenas, classificado para ser exibido a partir de um determinado horário, conforme o tipo de impacto que possa causar em crianças e adolescentes. Não sofrerão os efeitos da classificação os programas jornalísticos e noticiosos, aqueles feitos ao vivo e a publicidade.

A medida visa cumprir dois dispositivos constitucionais.

O artigo 220, no seu parágrafo 3, item II, diz que compete à Lei Federal: "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente ".

O artigo 221 dispõe sobre algumas obrigações da TV brasileira, tais como "preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" e "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".

Já o artigo 227 diz que é dever da família, da sociedade e do Estado colocar a criança e o adolescente a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Portanto, com a portaria, o governo está, apenas, cumprindo o que determina a nossa Constituição Federal.
O problema é que vivemos uma realidade onde a grande mídia se considera à margem da lei. O que é ainda pior no caso das TVs abertas que necessitam fazer uso de um bem público e finito (o espectro eletromagnético) e operam mediante concessões públicas.

Vejamos:

O já citado artigo 221 da Constituição Federal fala que as TVs são obrigadas a promover a cultura nacional e regional, a estimular a produção independente e a ter conteúdos produzidos localmente (culturais, artísticos e jornalísticos). O artigo 223 afirma que é proibido o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação e que deveriam existir veículos de comunicação pública não-estatal.

Ainda na Constituição, parlamentares são proibidos de ter relação com empresas concessionárias de serviços públicos (como as rádios e TVs abertas).

Nada disso existe, não é verdade?

Como o hábito do cachimbo faz a boca torta, os donos da grande mídia se acostumaram com a realidade de que nenhuma lei os atinge. Bastou, então, o governo cumprir suas obrigações constitucionais para surgirem as acusações de censura.
Foi exatamente a mesma coisa que aconteceu quando o governo tentou implantar no Brasil uma agência reguladora (a Ancinav) responsável por todo o conteúdo audiovisual (e não apenas pelo cinema), como já ocorre em quase todos os países ditos desenvolvidos.

Até a estratégia adotada é a mesma. De repente, toda a grande mídia passa a trazer entrevistas com artistas e diretores famosos (curiosamente, empregados destes mesmos veículos) que afirmam que o governo Lula quer transformar isso aqui em uma União Soviética. Claro que não são entrevistados os membros do governo responsáveis pela Portaria ou as diversas entidades da sociedade civil que participaram do processo de elaboração das novas regras de classificação indicativa.

Ou seja, para acusar o governo de pretender fazer censura, a grande mídia exercita a mais descarada… censura!
O que pouca gente tem dito é que esse debate também envolve uma questão financeira. Com a classificação indicativa as TVs terão que respeitar os fusos horários do país. Atualmente, e durante o horário de verão, a novela das 21h é exibida no Acre às 18h. Permitir que a programação se adeqüe ao horário local implica em custos para as emissoras. E em nome de não reduzir seus vultosos lucros, as TVs querem simplesmente descumprir o que determina a Constituição.

Agora, cabe ao cidadão brasileiro se informar melhor sobre o conteúdo da proposta do governo (www.mj.gov.br/classificacao) e responder a uma questão bem simples. São os (poucos) donos das emissoras de TV (e seus prepostos) os únicos que possuem o direito de definir o que, e em que horário, será transmitido através do espectro eletromagnético (que nos pertence!) para toda a população brasileira e em especial os nossos filhos? Ou a sociedade civil e as instituições democraticamente eleitas também têm o direito, e o dever, de participar deste processo?

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