A classificação indicativa e a censura da grande mídia

Durante quase três anos o Ministério da Justiça do governo Lula discutiu o tema da classificação indicativa da programação de televisão. Neste período, ocorreram reuniões com várias entidades (inclusive aquelas que representam os radiodifusores), audiências públicas nas principais cidades do país, um seminário internacional em Brasília e uma consulta pública que recebeu 11 mil manifestações. Também foi contratada a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) para realizar uma pesquisa sobre a realidade de vários países, como Suécia, Chile, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e Canadá, entre outros.

Ao final de todo este processo, foi publicada a Portaria 264 que dispõe sobre os novos critérios para a classificação indicativa da televisão aberta (não são incluídos os canais por assinatura). Também foi publicado um manual que ajuda a entender o funcionamento das novas regras.

De acordo com a Portaria do Ministério da Justiça nenhum programa terá sua veiculação proibida. Ele será, apenas, classificado para ser exibido a partir de um determinado horário, conforme o tipo de impacto que possa causar em crianças e adolescentes. Não sofrerão os efeitos da classificação os programas jornalísticos e noticiosos, aqueles feitos ao vivo e a publicidade.

A medida visa cumprir dois dispositivos constitucionais.

O artigo 220, no seu parágrafo 3, item II, diz que compete à Lei Federal: "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente ".

O artigo 221 dispõe sobre algumas obrigações da TV brasileira, tais como "preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas" e "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".

Já o artigo 227 diz que é dever da família, da sociedade e do Estado colocar a criança e o adolescente a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Portanto, com a portaria, o governo está, apenas, cumprindo o que determina a nossa Constituição Federal.
O problema é que vivemos uma realidade onde a grande mídia se considera à margem da lei. O que é ainda pior no caso das TVs abertas que necessitam fazer uso de um bem público e finito (o espectro eletromagnético) e operam mediante concessões públicas.

Vejamos:

O já citado artigo 221 da Constituição Federal fala que as TVs são obrigadas a promover a cultura nacional e regional, a estimular a produção independente e a ter conteúdos produzidos localmente (culturais, artísticos e jornalísticos). O artigo 223 afirma que é proibido o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação e que deveriam existir veículos de comunicação pública não-estatal.

Ainda na Constituição, parlamentares são proibidos de ter relação com empresas concessionárias de serviços públicos (como as rádios e TVs abertas).

Nada disso existe, não é verdade?

Como o hábito do cachimbo faz a boca torta, os donos da grande mídia se acostumaram com a realidade de que nenhuma lei os atinge. Bastou, então, o governo cumprir suas obrigações constitucionais para surgirem as acusações de censura.
Foi exatamente a mesma coisa que aconteceu quando o governo tentou implantar no Brasil uma agência reguladora (a Ancinav) responsável por todo o conteúdo audiovisual (e não apenas pelo cinema), como já ocorre em quase todos os países ditos desenvolvidos.

Até a estratégia adotada é a mesma. De repente, toda a grande mídia passa a trazer entrevistas com artistas e diretores famosos (curiosamente, empregados destes mesmos veículos) que afirmam que o governo Lula quer transformar isso aqui em uma União Soviética. Claro que não são entrevistados os membros do governo responsáveis pela Portaria ou as diversas entidades da sociedade civil que participaram do processo de elaboração das novas regras de classificação indicativa.

Ou seja, para acusar o governo de pretender fazer censura, a grande mídia exercita a mais descarada… censura!
O que pouca gente tem dito é que esse debate também envolve uma questão financeira. Com a classificação indicativa as TVs terão que respeitar os fusos horários do país. Atualmente, e durante o horário de verão, a novela das 21h é exibida no Acre às 18h. Permitir que a programação se adeqüe ao horário local implica em custos para as emissoras. E em nome de não reduzir seus vultosos lucros, as TVs querem simplesmente descumprir o que determina a Constituição.

Agora, cabe ao cidadão brasileiro se informar melhor sobre o conteúdo da proposta do governo (www.mj.gov.br/classificacao) e responder a uma questão bem simples. São os (poucos) donos das emissoras de TV (e seus prepostos) os únicos que possuem o direito de definir o que, e em que horário, será transmitido através do espectro eletromagnético (que nos pertence!) para toda a população brasileira e em especial os nossos filhos? Ou a sociedade civil e as instituições democraticamente eleitas também têm o direito, e o dever, de participar deste processo?

Sample Image

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *