Fórum de TVs Públicas X Ministro-Radiodifusor

As vitórias dos radiodifusores privados nas disputas sobre a criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e a implantação da TV digital aberta fizeram com que o Ministério da Cultura adotasse uma estratégia mais pragmática de tentar incidir, apenas, sobre a regulação das televisões "não-comerciais".

Foi com essa proposta em mente que o Ministério da Cultura, em parceria com a Radiobrás e a Casa Civil, decidiu organizar o Fórum de TVs Públicas. Deste fórum fazem parte TVs estatais (Radiobrás, TV Câmara, TV Senado, TV Justiça, as TVs das assembléias legislativas e das câmaras de vereadores), TVs educativas, canais universitários e canais comunitários, além de algumas entidades da sociedade civil que atuam com o tema da comunicação.

Essa gama de atores é, por si só, um problema para o Fórum de TVs Públicas.

Algumas emissoras (em especial as legislativas) são assumidamente estatais e assim desejam continuar. Outras estatais oscilam para se tornar cada vez mais governamentais, como é o caso da TV Cultura sob a gestão tucana. Enquanto a Radiobrás já manifestou o desejo de se transformar em uma espécie de BBC brasileira, tornando-se independente do governo de plantão.

Entre as TVs Educativas encontramos emissoras estatais (muitas marcadas pela interferência direta dos governantes), outras privadas e várias em mãos de políticos. Isso porque a outorga de emissoras educativas não passa pelo Congresso Nacional e os seguidos ministros da Comunicação as tem usado como moeda de troca política.

Nas TVs universitárias estão instituições públicas de ensino superior, confessionais e privadas. Estas últimas, em sua maioria, têm a perspectiva apenas de fazer o marketing de seus cursos.

Os canais comunitários são, em tese, os que melhor expressam o conceito de público não-estatal. Isso porque são totalmente independentes do Estado (e, principalmente, dos governos) e possuem gestão eleita. Na prática, contudo, a maioria sofre com a falta de recursos e com enormes conflitos internos que põem à prova a prática da gestão democrática.

Por fim, a necessária abertura do Fórum para a participação de entidades da sociedade civil impõe o debate sobre quais entidades devem ser convidadas a participar. O que, em última instância, tem relação direta com a própria natureza do Fórum: quem convida, quem define a pauta, quem toma decisões? Ou seja, teremos um fórum realmente público ou, de fato, estatal?

Todos estes conflitos devem soar não como um problema insolúvel, mas como o grande desafio que enfrentaremos na primeira vez em nossa história em que se reunirão todas as TVs não-comerciais existentes no Brasil.

Também teremos que tentar responder questões como o uso (ou não) de publicidade, outras fontes de recursos, como garantir a independência frente aos governos, acesso ao espectro e gestão democrática, entre outros temas.

Cabe lembrar que nossa Constituição, no artigo 223, define a complementaridade entre os sistemas privado, estatal e público. Contudo, não existe regulação que defina direitos e deveres de emissoras estatais e públicas, nem que garanta que estas emissoras possam ocupar um espaço proporcional no espectro eletromagnético e não fiquem relegadas a pequenos feudos, diante da hegemonia dos meios comerciais.

Todas estas questões ganham ainda maior importância com a implantação da TV digital aberta. Agora, um único canal de televisão pode comportar diversas programações simultâneas e o conteúdo admite diversos graus de interatividade. Como garantir que não haja maior concentração do espectro nas mãos das atuais emissoras comerciais e que a interatividade não seja usada apenas para vendas on-line?

 

O ministro-radiodifusor
Preocupado com essa reunião inédita dos canais não-comerciais, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, optou por apresentar uma outra proposta, diferente daquela do Fórum de TVs Públicas. Cabe lembrar que Costa foi empregado das Organizações Globo durante anos, é dono de uma rádio comercial em Barbacena e que seu suplente no Senado (que financiou parte considerável de sua campanha eleitoral) é o dono da retransmissora da Bandeirantes em Goiânia e do SBT em parte de Minas Gerais.

Sob o falso nome de TV pública, Hélio Costa propõe que o governo aporte R$ 250 milhões na criação de uma rede de televisão estatal. Com isso, Costa entra em choque, inclusive, com a iniciativa da Radiobrás de se tornar uma emissora pública e não estatal.

Com isso, busca gerar confusão e atritos internos às vésperas da realização do Fórum de TVs Públicas. E responde aos interesses dos radiodifusores privados, que não gostariam de ver nascer meios de comunicação públicos não-estatais que disputem audiência e, principalmente, tragam uma nova concepção de conteúdo audiovisual, para além da lógica de mercado.


E agora?
Com a confusão criada pelo ministro-radiodifusor, o Fórum de TVs Públicas foi adiado para uma data não definida em maio.
Ao mesmo tempo, o presidente Lula nomeou o jornalista Franklin Martins para assumir a gestão das verbas publicitárias estatais e, também, da Radiobrás e da Fundação Roquete Pinto. Até o momento, não se sabe o que Martins pensa sobre a confusão artificialmente criada entre emissoras estatais e públicas e nem como pretende se comportar em relação ao Fórum de TVs Públicas.

Tampouco se sabe qual a posição do presidente Lula a respeito. Será que depois de quase 52 meses de governo, Lula terá a coragem de, pela primeira vez, enfrentar os interesses do oligopólio privado que controla dos meios de comunicação de massa no Brasil? Ou, mais uma vez, irá ceder às suas pressões?

 

> Gustavo Gindre é jornalista, membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes.

 

 

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