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Reconquistar rádios para a comunidade é desafio no DF

Brasília é conhecida por ser palco de grandes debates sobre as questões nacionais, dada a sua condição de capital do país. Muitas vezes, a profusão de eventos e discussões sobre temas nacionais ofusca a situação daquelas áreas nos limites do Distrito Federal – os bolsões de pobreza concentrados nas chamadas “cidades-satélite” – marcadas pela extrema desigualdade em relação às ricas e desenvolvidas áreas nobres do Plano Piloto.

Mas entre os dias 17 e 20, o assunto da vez foi o local. A 5 quilômetros da Esplanada dos Ministérios, profissionais, estudantes e entidades envolvidas com a área da comunicação se reuniram para discutir os rumos da mídia comunitária no DF. O evento foi promovido pela TV Cidade Livre, o canal comunitário de Brasília, e marcou o 11o aniversário do veículo.

Na avaliação de entidades atuantes na área, atualmente o principal desafio do setor na cidade é retomar as emissoras autorizadas para uma função efetivamente comunitária. Segundo José Sotter, coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a maioria das estações outorgadas são controladas por grupos religiosos ou por pequenos empresários, restando poucas com perfil efetivamente comunitário.

De acordo com o Sistema de Controle de Radiodifusão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), há hoje 24 rádios comunitárias outorgadas no DF, sendo 19 em funcionamento. O coordenador da Abraço calcula que, deste total, não passam de cinco as que cumprem efetivamente os objetivos e finalidades de prover informação e cultura à comunidade de maneira plural e participativa.

“No DF, passamos por uma situação diferenciada em relação ao resto do país. Não sei se é porque estamos no 'quintal do Minicom', mas temos tido um processo mais difícil em relação às outorgas. Isso nos levou a ter aqui mais rádios de baixa potência do que realmente comunitárias”, analisa. O resultado é a existência de emissoras funcionando em templos evangélicos, concedidas a produtoras de shows da cidade para divulgação de festivais e até mesmo sendo usadas explicitamente como meios comerciais.

A Lei 9.612/98, que instituiu o serviço de rádio comunitária, prevê o direito de todos os cidadãos de se manifestarem na emissora e garante o direito de participação das entidades localizadas na área atendida em um Conselho Comunitário com a função de fiscalizar e opinar sobre a programação do veículo.

No entanto, como não há histórico de fechamento de rádios comunitárias por parte da Anatel em razão do desvirtuamento de sua função, o principal desafio na avaliação da Abraço é ocupar as associações mantenedoras das rádios e transformar 'por dentro' o perfil de cada uma delas. “Por conta da falta de fiscalização e punição, é mais fácil conscientizar a comunidade a ocupar as emissoras através da lei que está aí do que trabalhar para poder cassar uma autorização”, diz Sotter.

Para isso, o caminho buscado tem sido articular movimentos sociais e organizações populares do Distrito Federal, que têm dedicado pouco apoio a este tipo de experiência de mídia. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) do DF, que já esteve envolvida com uma associação candidata a uma autorização, agora retoma suas atividades de rádio com uma emissora, disponível ainda somente pela internet [acesse aqui].

TV sem recursos

Já o canal comunitário de Brasília, a TV Cidade Livre, é reconhecido pelo perfil comunitário, próximo às associações, sindicatos e organizações do DF e voltado à cobertura e produção de programas sobre as questões da cidade. O problema não é legitimidade, mas a falta de recursos para manter suas atividades.

Distribuído pelo sinal da operadora de cabo Net Brasília, a TV depende das doações mensais de seus associados, uma vez que a legislação proíbe à veiculação de publicidade. Mas apesar de o canal ter no se quadro de sócios 30 organizações, menos de 30% mantêm as contribuições em dia. “Há uma restrição dos governos de não colocarem dinheiro na mídia comunitária. Mesmo na sociedade civil ainda carecemos de apoio”, diz o coordenador da TV Cidade Livre, Paulo Miranda.

Uma das saídas seria o financiamento público, mas para isso é preciso enfrentar limitações de âmbito nacional e local. Em nível Federal, ainda não há uma política estabelecida de fomento à comunicação comunitária. No plano local, a Lei Orgânica do Distrito Federal estabelece em seu Artigo 260 ser “responsabilidade do Poder Público a promoção da cultura regional e o estímulo à produção independente que objetive sua divulgação”. Porém, como a diretriz nunca foi regulamentada em lei, até hoje o estímulo à produção regional e independente, onde se encaixam as emissoras comunitárias, continua como letra morta.

Segundo Paulo Miranda, além da sustentabilidade, outro grande desafio do canal comunitário é conseguir espaço no sinal aberto. Relegados à televisão paga, estas emissoras vêm lutando para que o Canal da Cidadania, previsto no decreto que definiu as diretrizes para a TV Digital Terrestre (5.820/06), seja dado ou abra espaço às atuais canais comunitários do cabo. No entanto, tanto os novos recursos quanto a transmissão em sinal aberto colocam-se como possibilidades distantes pela resistência existente no Estado a este tipo de comunicação.

Documento internacional evidencia contradições brasileiras

A Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) divulgou no último dia 5 de maio documento que pretende estabelecer novos parâmetros para a elaboração, aprovação e implementação de leis sobre radiodifusão comunitária. A Declaração de Princípios para Marcos Regulatórios sobre Radiodifusão Comunitária [clique aqui] foi construída a partir de uma pesquisa sobre melhores práticas nas legislações sobre radiodifusão, que se debruçou sobre o marco regulatório de 26 países nos cinco continentes. Se existem países que podem estar próximos ou almejam efetivar esses princípios, o Brasil, definitivamente, não está entre eles. Pelo menos esta é a opinião da seção brasileira da Amarc.

Se compararmos ponto a ponto o documento da entidade com o que facilmente se constata na realidade brasileira, não será difícil chegar a tal conclusão. A Amarc define três diferentes modalidades de radiodifusão, a pública/estatal, a comercial e a social/sem fins lucrativos, onde se incluiriam as rádios e TVs comunitárias. Como sabemos, para além da segunda pouca coisa existe no Brasil. Acesso a tecnologias, reserva de espectro, organismo regulatórios independentes e transparência nas concessões de outorgas também são elementos ausentes na paisagem da radiodifusão tupiniquim.

O documento da entidade procura atribuir uma base regulatória para o cumprimento de umas das recomendações da "Declaração sobre Diversidade na Radiodifusão" elaborada em dezembro de 2007 pelo Relator Especial de Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão. Ele reúne 14 princípios elaborados a partir de padrões internacionais de direitos humanos subsidiados pela ONU, onde se afirma que a radiodifusão comunitária deve ter acesso incondicional à publicidade e recursos técnicos e procedimentos eqüitativos e simples para a obtenção de licenças.

Para Gustavo Gómez, diretor do Programa de Legislações e Direito à Comunicação da Amarc – América Latina e Caribe (Amarc-ALC), o Brasil é um paradigma no desrespeito ao direito à comunicação, sobretudo em relação à radiodifusão comunitária. “Se tomarmos os “Princípios” como uma referência internacional e um indicador do grau de vigência da liberdade de expressão em nossos países, o Brasil é um dos países que mais se afasta de seu cumprimento, apesar de ter uma Lei de Radiodifusão Comunitária desde 1998”, afirma, concluindo que o simples reconhecimento legal não é suficiente. “Sua legislação é discriminatória e exclui a maioria da população brasileira de ter acesso aos meios de comunicação em igualdade de oportunidades”.

País modelo

Sofia Hammoe, da Amarc-Brasil, é veemente ao afirmar que o caso brasileiro está longe dos parâmetros internacionais e, mais ainda, dos princípios destacados pela entidade. “Na verdade, todos os 14 pontos estão muito distantes. Quase tudo está em conflito. Existe uma parcialidade tanto nos marcos quanto nas políticas públicas”. A coordenadora da entidade acha ainda que, se tivesse que escolher a questão mais preocupante, o que não é simples, as questões técnicas e o acesso a recursos seriam destacados. Afinal, como lembra Sofia, “estas também são questões políticas”.

A conjuntura brasileira, quando se trata da radiodifusão, é aparentemente favorável. Desde 1995, os governos FHC e Lula têm se mostrados simpáticos e abertos a causa das rádios e TVs comunitárias. No entanto, pouca coisa mudou na prática. Para Sofia, os sucessivos governos ficam apenas “no discurso”. Por isso, ela acredita que é mais eficaz no momento a luta em âmbito internacional. “Apresentamos o caso brasileiro na OEA (Organização dos Estados Americanos) e lá tivemos uma audiência com o governo. Mas ainda faltam várias etapas até se chegar a uma denúncia formal”.

Gustavo Gómez lembra ainda da influência do poder econômico e da omissão brasileira em relação aos tratados internacionais. “As rádios comunitárias nem sequer estão protegidos contra as interferências dos meios comerciais, mesmo quando contam com autorização, violando princípios internacionais básicos da gestão do espectro firmados pelo Brasil nos marcos da UIT (União Internacional de Telecomunicações)”, afirma o diretor da Amarc-ALC.

Sofia acredita que só com a organização da sociedade brasileira haverá avanço na questão da radiodifusão comunitária. “A sociedade também tem que contribuir para a efetivação desses 14 pontos. O ideal seria que o cidadão pudesse fiscalizar o cumprimento de seu direito à comunicação, mas ainda falta muito”, completa.

Políticas de fomento à comunicação comunitária é tema de pesquisa

Políticas de fomento à comunicação comunitária foram objetos de pesquisa de mestrado em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo. A autora, Laura Conde Tresca, garante que, para democratizar a comunicação, não basta mexer nas concessões (radiodifusão). É preciso, afirma, haver políticas específicas que contemplem a radiodifusão comunitária. O estudo baseou-se no estudo de caso de cinco prefeituras brasileiras.

O serviço de Radiodifusão Comunitária no Brasil nasceu oficialmente em 1998, sob a Lei 9.612, e foi regulamentada pelo Decreto 2.615, no mesmo ano. Contudo, a história é bem mais antiga e cheia de controvérsias. Alguns textos remetem há 40 anos, outros à década de 1930, a existência desses veículos. O que permanece, nesse cenário, são as dificuldades de manutenção dessa modalidade de comunicação social, carentes de políticas que as tronem viáveis economicamente, mantendo suas características junto à comunidade.

As rádios comunitárias (radicom) no Brasil são tidas como "alternativas para as vozes deixadas de lado pela grande mídia". Isso porque atuam, segundo Laura Conde Tresca, "no local em que a vida acontece". Laura é cientista social e jornalista. Ela defendeu essa premissa em sua dissertação de mestrado: "Políticas Locais de Fomento à Comunicação Comunitária", defendida no ultimo dia 24 de abril, na Universidade Metodista de São Paulo.

Políticas de fomento à comunicação são muito mais amplas que as outorgas, de acordo com Laura Tresca. Ela afirma que pode ser um equívoco pensar em democratizar a comunicação somente ampliando ou modificando a política de concessões de rádio e televisão. "Do que adianta uma política de distribuição em massa de canais comunitários sem preparar as associações para uma gestão democrática? questiona. E complementa: Não é raro encontrarmos histórias de rádios comunitárias que fecharam não por causa ação da Polícia Federal, mas porque não sobreviveram às transições internas de alternância de poder.

Para desenvolver o trabalho que começou a pesquisar durante a graduação, Laura tomou como referencial as prefeituras de Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre (RS) e Recife (PE) nas gestões de 2001 a 2006. Laura destaca, em suas considerações, que políticas locais de fomento à comunicação comunitária começam a ser implantadas e que o debate sobre municipalização ou regularização das rádios comunitárias ou rádios de poste esteve presente em todas as capitais onde foram realizados os estudos de casos.

“Além da possibilidade de outorgas de radiodifusão, noto outras motivações para o poder público local fomentar a comunicação comunitária como a ampliação dos direitos de cidadania: resposta às demandas dos movimentos locais de luta pela democratização organizados; reconhecimento dos meios de comunicação populares, comunitários e alternativos como instrumentos de comunicação eficazes; manutenção de práticas de governo anteriores e o envolvimento dos gestores das políticas públicas com os movimentos locais de luta pela democratização”, apresenta.

A jornalista aponta que políticas de fomento à comunicação comunitária começam a ser implantadas em âmbito municipal, mas ainda de forma incipiente e pouco articuladas. “Avalio que seria um grande avanço a proposição de um Projeto de Emenda Constitucional municipalizando as autorizações de funcionamento das rádios comunitárias. É no local que a vida acontece, com isso, as pessoas se envolveriam mais nos debates de democratização da comunicação, analisa.

Laura revela que espera publicar um trecho de sua dissertação, o item "Proposta e sugestões para planejar e executar um plano local de políticas públicas de fomento à comunicação comunitária".

Participaram da banca o professor Valério Cruz Brittos (da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS), o professor Adolpho Queiroz (da Universidade Metodista) e a professora Cicilia Peruzzo, orientadora.

Prefeito ameaça fechar rádio comunitária em Salinas

A liberdade de imprensa está ameaçada em Salinas, município de 37 mil habitantes, no Norte de Minas, a 674 km de Belo Horizonte, famoso pela produção de cachaça. A divulgação de uma notícia sobre notas fiscais superfaturadas em 355%, encontradas na prestação de contas de 2007, denunciada por um professor local à Câmara Municipal, levou o prefeito José Antônio Prates (PTB) a protagonizar sexta-feira (09/05) um violento ataque à liberdade de expressão e de informação contra a Rádio Sal FM.

Acompanhado da advogada Cristiane Maria Ribeiro; do secretário de Obras, João Elísio; de três policiais militares e do delegado Jaime Gomes da Costa, da Polícia Civil, o prefeito – Zé Prates – , como é mais conhecido, foi até a emissora. Durante a investida, o prefeito quis fazer com que, na marra, os microfones da rádio fossem abertos para que ele pudesse dar explicações à população sobre as acusações que lhe são imputadas e que deram causa à abertura de processo de cassação do seu mandato pela Câmara Municipal. Caso contrário, ameaçou processar os responsáveis pela rádio e até fechar a emissora.

O presidente da rádio, Miguel Bernabé Freire, informou que vai denunciar o caso ao Ministério Público. Segundo ele, tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil se recusaram a lavrar boletim de ocorrência solicitado pela emissora sobre o acontecido, alegando que dependem da Prefeitura de Salinas para funcionar. É a Prefeitura que paga as despesas de manutenção de veículos das duas corporações no município, fornece combustível e custeia materiais de higiene e limpeza da delegacia e do quartel.

A ira do prefeito Zé Prates se deve a uma entrevista que a emissora divulgou no dia 6 de maio com o professor Welshman Gustavo Pinheiro, autor da denúncia encaminhada à Câmara Municipal de Salinas, sobre o uso de notas superfaturadas. A denúncia, acompanhada de vários documentos, foi aceita por oito votos a zero e uma Comissão Processante foi formada para dar início ao processo de cassação do prefeito.

O professor, autor da denúncia, também maneja na Justiça de Salinas uma Ação Popular, através do advogado Geraldo Flávio de Macedo Soares, destinada a anular a suposta aquisição de 50 banners (faixas) feita pela Prefeitura junto à empresa Grafimoc, de Montes Claros, pelo preço de R$ 6.750,00. Orçamentos feitos junto a diversas empresas do ramo indicam que os banners podiam ter sido adquiridos por R$ 1.500,00 a R$ 1.900,00. De acordo com a nota fiscal encontrada na contabilidade da prefeitura, cada banner saiu para a Prefeitura de Salinas por R$ 135,00, quando o custo unitário normalmente seria de R$ 30,00 a R$ 38,00, de acordo orçamentos realizados em outras empresas.

A Rádio Sal FM estava trabalhando com as portas fechadas no dia 9 de maio, quando o Cabo Edison, da Polícia Militar, chegou a uma janela da emissora que dá para a Avenida Floripes Crispim, no bairro Panorama, chamando pelo nome o presidente da emissora. Quando abriu a porta para o Cabo, Bernabé Freire se deparou com o prefeito Zé Prates, acompanhado da advogada Cristiane Maria Ribeiro; do secretário de Obras, João Elísio, três policiais militares e o delegado de Polícia Civil, Jaime Gomes Costa.

Bernabé conta que, já no interior da emissora, onde adentrou sem autorização judicial, o prefeito partiu para a ameaça. Acusou a emissora de tê-lo caluniado e afirmou que se a rádio quisesse continuar funcionando, teria que deixá-lo falar aos moradores naquele exato instante, caso contrário faria tudo para fechá-la.

Maurília Alves Ramires, diretora da Rádio Sal FM conta que esta foi a quarta investida do prefeito Zé Prates contra a emissora, mas a primeira em que ele utilizou-se das Polícias Civil e Militar como e escudo e forma de pressão. ?Das outras vezes ele veio com seis advogados da Prefeitura e todo o secretariado?, ela diz.

OUTRO LADO

O delegado Jaime Gomes da Costa confirma que esteve na emissora de rádio, mas diz que só compareceu ao local porque foi enganado pelo prefeito.  "Recebi um telefonema dele (prefeito) dizendo que estava sendo ameaçado pelo pessoal da rádio, daí fui até lá", explicou. Quando chegou ao local o delegado percebeu que não era isso o que de fato estava ocorrendo.

Por ordem do prefeito, a Polícia Militar lavrou um boletim de ocorrência contendo apenas a versão dele sobre os fatos. Porém, se recusou a lavrar outro boletim sobre a investida e as ameaças de Zé Prates contra a emissora e seus responsáveis. A confusão só se dissipou porque uma aglomeração de populares começou a se formar para ver o que estava acontecendo. Ao perceber que os responsáveis pela rádio chamaram um fotógrafo para registrar o fato, o prefeito bateu em retirada com a advogada e o secretário que o acompanhavam.

Divulgação precária de edital é causa de baixa adesão

Encerrado em 3 de março o prazo para inscrição de entidades interessadas em prover o serviço de radiodifusão comunitária previsto em Aviso de Habilitação (uma espécie de edital) publicado pelo Ministério das Comunicações em dezembro de 2007, uma conclusão preliminar é possível: mesmo após a prorrogação do prazo por mais 45 dias (foram 90 no total) a adesão ao aviso foi baixa, mesmo se computadas as entidades destes locais já cadastradas há anos e que foram automaticamente incluídas na lista. Pesquisa feita pelo Observatório do Direito à Comunicação a partir de dados do ministério aponta que das 950 localidades em todo o Brasil onde foram disponibilizados canais para rádios comunitárias, em aproximadamente 47% (ou 450 localidades) não houve uma única associação interessada.

Ao todo, 751 entidades foram inscritas, sendo que em muitas cidades existe grande concorrência pelo único canal disponível. Até o final do processo, quando toda a documentação tiver sido analisada pelo Minicom e as entidades receberem a certificação de que realmente podem prestar o serviço, o número de entidades habilitadas deve diminuir drasticamente, o mesmo acontecendo com o número de localidades que devem ter pelo menos uma associação apta a receber a autorização. Muitas dessas associações, por exemplo, não devem conseguir reunir a papelada necessária. Outras, por terem sido inscritas há anos e agora automaticamente cadastradas, possivelmente nem existem mais.

A resposta à baixa procura não é difícil de ser encontrada. A divulgação do Aviso 06/2007 se deu de duas maneiras: a publicação no Diário Oficial da União e na página do Minicom na internet. E justamente a maioria das localidades atualmente habilitadas não tem acesso à internet, e o DOU, como se sabe, não está entre as publicações mais lidas do país. Como esperar, então, que as entidades tivessem conhecimento do aviso em, por exemplo, Ipixuna, no interior do Amazonas?

Segundo o Ministério das Comunicações, as localidades situadas no Estado de São Paulo tiveram um procedimento diferente, e as associações destes locais que fizeram o pedido de autorização antes do Aviso 06/2007 não foram automaticamente cadastradas. O Minicom afirma, entretanto, que enviou carta a todas estas entidades para que pudessem manifestar interesse no aviso atual.

Comunicação ineficiente

Entre as associações que representam rádios comunitárias, não há dúvidas de que a divulgação exígua impede que muitas entidades participem do processo. Além disso, reclamam do prazo para inscrição e sustentam que o aviso deve ser permanente. O Ministério das Comunicações assume que a divulgação é insuficiente, mas diz que conta com a ajuda das organizações da sociedade civil para ampliar sua capacidade de chegar às cidades mais distantes. Mas o consenso para por aí.

José Luís Sóter, secretário-geral da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) é incisivo nas críticas ao Minicom. Para ele, se o ministério não dá publicidade ao aviso, não é por ineficiência, mas, deliberadamente, porque atribui facilidades às rádios ligadas a políticos e igrejas. “Não tem como as comunidades mais afastadas terem acesso ao aviso. Não há desinteresse, mas desinformação”. Sofia Hammoe, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), faz coro com Sóter e condena a divulgação. “É claro que, sem a divulgação adequada, a adesão será baixa”.

O Ministério das Comunicações alega dificuldades em atingir as localidades mais distantes e defende a gestão do ministro Hélio Costa. A assessoria de imprensa do Minicom afirma que nunca houve tantos avisos de habilitação como agora, e cita justamente os abusos de políticos e igrejas como um dos fatores a dificultar a ação do ministério. “Realmente ainda há poucos funcionários. Estamos fazendo o máximo, colocando mais gente pra trabalhar. Antes, não existia nem arquivos das rádios. Agora organizamos isso”, diz a assessoria do Minicom.

Casos especiais

Dois estados chamam especialmente a atenção quando observada a adesão ao Aviso 06 e o histórico recente. Enquanto em São Paulo se estende a polêmica sobre a atuação das supostas rádios piratas, Sergipe se destaca por uma surpreendente adesão em 100% das localidades habilitadas.

O caso paulista é citado pelo Minicom como exemplo de má conduta das rádios. O ministério sugere que, por conta das “piratas”, o processo acaba sendo mais demorado. “Queremos apenas que quem não esteja legalizado o faça. Temos provas de que estas rádios interferem em aeroportos. É algo que não pode acontecer”, afirma. O estado, inclusive, foi o único onde os antigos cadastros não foram automaticamente renovados.

Sergipe, por sua vez, único estado onde o Aviso 06/2007 foi respondido em todas as cidades é, para Sóter, responsabilidade da atuação da Abraço. “Sergipe é um caso específico, tem muita atividade do movimento lá. Foi a Abraço quem tomou a iniciativa de levar a informação para as comunidades. Já em outros casos, nem a associação soube”.