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SENADO APROVA MP QUE ALTERA REGRAS PARA RENOVAÇÃO DE CONCESSÕES DE RÁDIO E TV

Acordo na comissão mista que analisou a matéria incluiu rádios comunitárias no texto. Medida provisória impõe modificação a artigos do Código Brasileiro de Telecomunicações

O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira, dia 7, a Medida Provisória (MP) 747/2016, que altera as regras de concessões de radiodifusão. O texto permite a regularização das concessões que estão vencidas e possibilita a essas emissoras regularizarem a situação junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no prazo de 90 dias, contados a partir da data de edição da MP.

A medida provisória estabelece que as emissoras com a concessão em dia podem solicitar a renovação durante os 12 meses anteriores ao vencimento. Se o prazo acabar e a emissora não tiver feito o pedido, o Ministério das Comunicações faz um aviso à emissora e abre prazo de 90 dias para que ela se manifeste.

Segundo o governo, a edição da MP foi necessária devido ao acúmulo de pedidos de extinção de concessão que o Executivo deveria enviar ao Congresso pela falta de manifestação do interesse na renovação por parte das emissoras.

Durante o trâmite na comissão mista que analisou a MP, foram incluídas no texto as rádios comunitárias, que podem fazer o pedido de renovação até dois meses antes do término do prazo da validade da licença. Vencido esse limite sem o pedido, a emissora também é notificada.

A votação foi simbólica e aconteceu após um acordo para manter o artigo que trata da renovação da outorga das rádios comunitárias. Alguns senadores que defendem que o projeto abarque as rádios comunitárias estavam preocupados com a possibilidade de veto presidencial no caso dessas rádios ficarem em artigo separado das comerciais, porém o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), garantiu que um acordo foi feito com o governo para que isso não ocorra.

O senador Paulo Rocha (PT-PA) lembrou que, durante as reuniões da comissão mista que analisou a MP, houve o comprometimento do senador Romero Jucá (PMDB-PE), que representava o governo naquele momento, de que ainda em março seria constituído um grupo de trabalho perante o Ministério das Comunicações, com a presença também de parlamentares da oposição, para que ocorressem discussões com técnicos da área para consolidar avanços na legislação específica para as rádios comunitárias.

“Então, se há esse compromisso do líder do governo de criar um grupo de trabalho para consolidar uma legislação para as rádios comunitárias, que, sem dúvida nenhuma, cumprem um papel muito importante na democratização dos meios de comunicação, mas também na consolidação de uma democracia com participação mais popular, com mais participação do povo organizado, votamos sim [pela aprovação da MP 747/2016]”, afirmou Rocha.

A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) expressou indignação pelo governo ter enviado a MP sem abarcar as rádios comunitárias. “É inaceitável que o governo tenha mandado uma medida provisória para esta Casa garantindo as rádios comerciais e TVs comerciais que perderam o prazo de renovação de suas outorgas, e não tenha estendido esse mesmo tratamento para as rádios comunitárias”.

“Em boa hora, a comissão especial que tratou da matéria está corrigindo isso.  Senadora Lúcia Vânia fez aqui a leitura da emenda. A emenda é muito clara, no sentido de nos dar garantia de que não haverá veto parcial. Portanto, que o governo federal, espero, realmente sancione a matéria, dando às rádios comunitárias de todo o país o mesmo tratamento”, continuou ela.

Rádios comunitárias

O texto aprovado concede às rádios comunitárias 30 dias para se manifestarem sobre o interesse em renovar, contados a partir de notificação. Essa notificação é feita caso a entidade autorizada a funcionar como rádio comunitária não se manifeste no prazo legal, entre um ano e até dois meses antes do término da vigência da outorga.

Caso a rádio não responda à notificação, deverá correr o processo de perda da outorga. Se houver resposta, dentro do prazo, solicitando a renovação, a rádio será multada segundo regras do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962). Em todas as situações, também estará autorizada a funcionar em caráter precário até a resolução da pendência. Aplicam-se a essas rádios também as regras de renovação cujo pedido tenha sido entregue fora do prazo legal, inclusive aquelas com parecer pela extinção, desde que ainda não votado pelo Congresso Nacional.

Licença provisória

Pelo texto, as emissoras de rádio e TV poderão funcionar em “caráter precário”, caso a concessão tenha vencido antes da decisão sobre o pedido de renovação. Ou seja, a emissora terá uma licença provisória de funcionamento até a definição da renovação da outorga pelo Ministério das Comunicações e pelo Congresso Nacional. Atualmente, as concessões de radiodifusão têm a duração de 10 anos, no caso das rádios, e de 15 anos, no caso das TVs.

Brasileiros na gestão

De acordo com a Constituição, compete ao governo outorgar e renovar as concessões. Cabe ao Congresso examinar a decisão do Executivo. O ato de outorga ou renovação somente produz efeito legal após deliberação da Câmara e do Senado. A MP retira do texto do Código Brasileiro de Telecomunicações a necessidade de as emissoras cumprirem todas as obrigações legais e contratuais e manterem “idoneidade técnica, financeira e moral, atendido o interesse público” para a renovação.

A MP também estende às autorizações a determinação de que pelo menos 70% do capital total e do capital votante pertençam, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que deverão exercer obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecer o conteúdo da programação. Redação semelhante já constava do código, mas se direciona às concessionárias e permissionárias.

Transferência

A MP 747 possibilita ainda que pedidos de transferência direta de outorga (que ocorre quando a emissora muda de controle e de razão social) possam ser analisados e aprovados mesmo nos casos em que o pedido de renovação ainda esteja tramitando. Nesse caso, a transferência só será deferida após concluída a instrução do processo de renovação no Ministério das Comunicações — antes, portanto, da decisão do Congresso.

Condições contratuais

O texto modifica ainda a legislação para atualizá-la quanto a restrições vinculadas a questões de segurança nacional. Também tira do Código Brasileiro de Telecomunicações a necessidade de cumprimento de condições contratuais como prova de idoneidade moral, demonstração dos recursos técnicos e financeiros e indicação dos responsáveis pela orientação intelectual e administrativa da entidade.

Também saem da lei as restrições ao emprego de técnicos estrangeiros e a necessidade de registrar em junta comercial a composição do capital social. O texto que veio da Câmara incluiu, porém, a obrigação de as empresas pleiteantes de concessão ou permissão de radiodifusão apresentarem declaração de que nenhum dos dirigentes e sócios é condenado em decisão transitada em julgado por crimes que impliquem enquadramento na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 64/1990).

Isenção de sanções

Ainda de acordo com a MP 747, as alterações contratuais ou estatutárias poderão ser encaminhadas ao Executivo dentro de 60 dias, com toda a documentação que comprovar o atendimento à legislação em vigor, isentando-as de sanções previstas no Código Brasileiro de Telecomunicações. Na profissão de radialista, a medida prevê que a descrição das funções nas quais ele pode atuar deve considerar as ocupações relacionadas à digitalização das emissoras, a novas tecnologias, aos equipamentos e aos meios de informação e comunicação.

Como foi modificada no Congresso Nacional, a matéria segue agora para a sanção da Presidência da República.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado

Governo suspendeu renovação das rádios comunitárias durante processo de transição de AM para FM das rádios comerciais

Movimento Nacional de Rádios Comunitárias denuncia que tecnologia internacional usada pelo governo neste processo não contempla o funcionamento de um segmento social de comunicação no Brasil, garantido pela Constituição Federal

O coordenador do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), Jerry Oliveira, denuncia que o governo suspendeu a renovação de cerca de 1200 rádios comunitárias durante o processo de migração das rádios AM para FM. “Destas, cerca de 900 entregaram a documentação no prazo para renovação, e muitas tiveram suas concessões não renovadas, negadas por uma política de criminalização das rádios comunitárias”, afirma.

Oliveira aponta que o processo de mudança das rádios da faixa de AM para a de FM suspendeu todos os processos de novas rádios que poderiam ser autorizadas através do Plano Nacional de Outorga. O decreto assinado em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff vem sendo utilizado pelo atual governo como argumento para a não renovação de contratos das rádios comunitárias, que já operam em FM.

“O objetivo é claro, eles querem limpar o espectro, mas não para atender às demandas dos segmentos de rádio, e sim para garantir o aumento de potências e do número de frequências para emissoras comerciais. Isso vai congestionar o espectro e impedir a complementaridade dos sistemas”, destaca o coordenador do MNRC. Para ele, é uma forma clara e objetiva de impedir qualquer avanço das demandas das rádios comunitárias, como o aumento de potência e o aumento do número de canais. Ou seja, a postura do governo resultaria na privatização total do espectro.

Oliveira destaca que a proposta do governo de digitalização da radiodifusão também visa atender aos interesses do modelo americano digital de rádio, cuja tecnologia se baseia no sistema Iboc (In Band On Channel, em inglês), ou HD rádio (High Definition Radio, em inglês), desenvolvido pelo consórcio americano Ibiquity e que não opera na faixa AM. “A transferência de faixas com uso de tecnologia americana coloca em risco a soberania da comunicação no Brasil e não contempla um sistema social de comunicação, pois essa tecnologia foi criada a partir de uma realidade de mercado que não corresponde à brasileira”, denuncia. Trata-se de um sistema com tecnologia fechada e que coloca em risco a soberania da comunicação do país, pois será entregue um “espectro, um bem público, para o setor privado”.

O encerramento da onda de radiodifusão AM acaba não só com a comunicação entre as comunidades ribeirinhas, mas também com a comunicação do Brasil em nível internacional. “É uma questão política que deve ser analisada com muita calma”, diz Oliveira. Para longos alcances, normalmente utiliza-se a faixa AM ou a de Ondas Curtas (OC).

Governo ignora a Constituição

Criada em 1998, a Lei 9.612 regulamenta o exercício das rádios comunitárias no Brasil. Mas esse segmento da comunicação, que veio para preencher o espaço previsto na Constituição Federal de complementaridade dos sistemas público, estatal e privado de comunicação, tem encontrando séries dificuldades para desempenhar seu papel, boa parte delas impostas justamente pelo Estado, que deveria zelar pelo correto funcionamento deste sistema tripartite.

O princípio da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de radiodifusão, contido no art. 223 da Constituição, exige um modelo de serviços de radiodifusão que vai além do clássico. A Constituição impõe a complementaridade entre os setores para criar harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Desta forma, deveria-se garantir o equilíbrio adequado entre campos de comunicação social com funções diferenciadas, para evitar distorções arbitrárias no processo de comunicação social.

Desde antes da criação da Lei 9.612, o Estado brasileiro vem promovendo uma patrulha contra a comunicação comunitária e popular. Além de um marco legal que limita os direitos desse tipo de comunicação, a prática da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Polícia Federal são costumeiramente abusivas e desrespeitosas com a democracia. “Essa situação só vem piorando, como a publicação de portarias e decretos assinados pelo ex-ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que só aumentaram e restringiram ainda mais as atividades das rádios comunitárias”, frisa Oliveira.

Segundo ele, o cenário atual continua desfavorável, mas o MNRC pretende construir possibilidades de resistência, como a ocupação de emissoras e o não reconhecimento das cassações. “Precisamos ocupar esses latifúndios e vamos resistir com muita luta”, garante.

Movimentos Sociais e Rádios Comunitárias

Jerry Oliveira também reforça a importância de unificar a pauta de todas entidades ligadas à radiodifusão comunitária. “Precisamos discutir e cobrar a complementaridade do sistema e a regionalização da comunicação”.

Ele deseja o reconhecimento, por parte dos grupos e organizações de esquerda, das rádios comunitárias como um movimento social, e não apenas como uma mídia. “Essa invisibilidade fez com que a despolitização fosse uma marca, e é aí que outras pessoas se aproveitam e se apropriam das rádios. Esse é um espaço de conscientização e disputa da comunidade, e não pode estar nas mãos de interesses que não sejam ‘comunitários’ ”, adverte.

Oliveira chama os outros movimentos sociais a reconhecerem e se somarem à luta das rádios comunitárias. “Quando a gente entra na discussão da democratização da comunicação, [notamos que] a rádio comunitária é mais invisível do que se pode imaginar. Nós estamos fazendo um esforço danado para dizer o que está acontecendo, mas as pessoas estão priorizando outras discussões”.

Para o coordenador do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, estas emissoras fortalecem outras bandeiras de luta sociais a partir do diálogo que pode e deve ser mobilizado a partir das associações comunitárias. “Precisamos formar uma rede de resistência”, enfatiza Oliveira.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Prefeitura de SP sanciona lei de incentivo a rádios comunitárias

Prefeito Haddad propõe que parte do orçamento de publicidade seja destinado às emissoras com o intuito de democratizar a comunicação

Com a sanção da Lei 16.572/2016 e sua respectiva publicação no Diário Oficial, em 19 de novembro, a cidade de São Paulo instituiu a primeira lei brasileira de política de incentivo às rádios comunitárias. Nesta quinta-feira, 24, o prefeito Fernando Haddad esteve reunido com representantes de diversas emissoras comunitárias para anunciar a novidade.

Ainda em julho passado, o prefeito esteve com representantes do setor para declarar sua intenção de criar uma lei em benefício à comunicação comunitária. Na ocasião, o prefeito destacou que a ideia era destinar parte do orçamento de publicidade às rádios comunitárias da cidade. A prefeitura possui um orçamento de R$ 100 milhões destinado à publicidade. “Temos que criar um plano pró-diversidade e liberdade da comunicação. Até mesmo o liberalismo é contra o oligopólio (midiático)”, afirmou ele na ocasião.

O plano foi elaborado em conjunto com o movimento de rádios comunitárias. O projeto foi apresentado pelo então vereador José Américo em 2011 e atualizado este ano, com apoio do vereador Antônio Donato, ambos do Partido dos Trabalhadores. A política municipal de fomento ao serviço de radiodifusão comunitária prevê a destinação de um orçamento mínimo de R$ 10 milhões aos projetos do setor (10% do valor total). São Paulo possui hoje mais de 30 veículos comunitários, localizados em diversas regiões da cidade.

A Lei 16.572/2016 representa um marco na comunicação comunitária. Haddad acredita que a iniciativa de São Paulo possa estimular outros agentes públicos a tomar iniciativas semelhantes. O prefeito considera que a política de incentivo às rádios comunitárias vai tornar a comunicação da cidade mais plural.

Para Marilene Araújo, advogada do Movimento das Rádios Comunitárias, a inciativa “vem fortalecer e reconhecer o papel das emissoras comunitárias”. Também os comunicadores comunitários receberam a lei como uma “grande vitória” do setor, pois viabiliza a pluralidade de informação no município. “Há um bloqueio midiático gigante. O fortalecimento da comunicação comunitária e alternativa amplia as possibilidades de acesso ao contraditório”, aponta Ana Flávia Marx, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé.

Sobre o projeto

No programa de fomento a rádios comunitárias instituído pela Lei 16.572/2016, as rádios poderão apresentar projetos para financiamento de atividades de produção de conteúdo local e ações culturais. O texto legal busca reconhecer o papel desses serviços nas comunidades e procura garantir a sustentabilidade da programação de tais emissoras.

Todos os anos serão escolhidos até 40 projetos entre os inscritos. Cada rádio poderá inscrever até dois pedidos de financiamento, que poderão contemplar recursos humanos, material de consumo, equipamentos, locação, manutenção e administração de espaço, obras, reformas, produção da programação da rádio comunitária, transportes, material gráfico e publicações, divulgação, fotos, gravações e outros suportes de divulgação, pesquisa e documentação.

Os planos de trabalho deverão ter duração de no máximo um ano e orçamento de até R$ 250 mil. Os candidatos ao fomento serão selecionados por uma comissão julgadora formada por quatro representantes da Secretaria Municipal de Cultura e três representantes das rádios, que serão escolhidos por votação. Serão valorizados planos de ação continuada que não se restrinjam a um evento ou uma obra, além do interesse cultural das propostas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Definidas comissões que farão análise das medidas sobre EBC e concessão de rádios e TVs

As comissões mistas encarregadas de analisar e emitir parecer sobre as Medidas Provisórias (MPs) 744/2016, que estabelece mudanças na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e 747/2016, que altera o processo de concessão de rádios e TVs, foram instaladas e elegeram seus presidentes e relatores na quarta-feira, dia 19 de outubro.

A MP 744/2016 prevê a extinção do Conselho Curador da EBC. Assim, a empresa passaria a ser administrada por um Conselho de Administração e por uma Diretoria-Executiva, mantendo em sua estrutura ainda um Conselho Fiscal. A medida também dá uma nova composição ao Conselho de Administração da empresa, reduzindo a Diretoria-Executiva em dois diretores, e estabelece que todos os membros serão nomeados e exonerados pelo Presidente da República.

Risco ao caráter público da EBC
A Medida Provisória nº 744 altera a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que criou a empresa. O Conselho Curador extinto pela MP é uma das principais conquistas da sociedade civil organizada com atuação no campo da comunicação. Afinal, uma gestão democrática só se estabelece de fato se houver um modelo de gestão com participação social – o que foi conquistado pelo Conselho Curador.

Outro retrocesso trazido pela MP 744 é o fim do mandato de diretor-presidente, que, pelo modelo previsto na lei, só poderia ser destituído por dois votos de desconfiança do Conselho Curador. Essa alteração faz com que o comando da empresa fique refém de nomeações e exonerações por parte da Presidência da República. A MP acaba por alterar o artigo da lei que reafirma a autonomia do sistema público de radiodifusão em relação ao governo federal para definir a produção, programação e distribuição de conteúdo.

Medida favorece aparelhamento
Segundo Jonas Valente, coordenador de formação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF e jornalista concursado da TV Brasil, com o discurso de “atacar o partidarismo e o aparelhamento pelo governo”, o atual governo federal retira os principais mecanismos que justamente protegiam a empresa – com todos os seus defeitos e limites – deste citado partidarismo e aparelhamento pelos governos de plantão.

“A MP escancara o que o governo Temer queria: extirpar o diretor-presidente indicado na época de Dilma Rousseff, acabar com a participação social na empresa e atacar os instrumentos concretos que configuravam o seu caráter público. Ou seja, na prática, a MP abre a porteira para a EBC voltar a fazer comunicação governamental”, lamenta.

Violações à Constituição Federal
A MP é mal vista por todos os segmentos sociais que defendem a democratização da comunicação, pelas entidades sindicais das categorias que atuam na EBC (jornalistas e radialistas) e pela Comissão de Empregados da empresa. No começo do mês, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, também se posicionou sobre a medida, dizendo que ela “traz violações formais e materiais à Constituição Federal”, e encaminhou para o Congresso Nacional nota técnica sobre o tema.

A Comissão que irá analisar a MP 744 será presidida pelo deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT), tendo o senador Paulo Rocha (PT-PA) como vice-presidente. Foram designados como relator o senador Lasier Martins (PDT-RS), e como relatora-revisora a deputada federal Angela Albino (PCdoB-SC). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 47 à Medida Provisória 744, que agora segue com a relatoria.

Mudanças na concessão de rádios e TVS
A MP 747/2016, por sua vez, altera o processo de concessão de rádios e TVs, determinando que interessados em renovar a concessão ou a permissão devem apresentar requerimento nos 12 meses anteriores ao término do respectivo prazo da outorga. As entidades que não fizerem o pedido de renovação no tempo previsto serão notificadas para que se manifestem em até 90 dias. Também será possível regularizar permissões que já estejam vencidas. Estas determinações “afrouxam” os deveres dos concessionários que prestam serviço por meio de uma concessão pública.

Na prática, a medida concede anistia ampla e geral às emissoras que estavam com suas concessões vencidas ou que não tinham solicitado a renovação no prazo legal. Quase a metade das emissoras de rádio de todo o país estão nesta situação, além de um grande número de emissoras de TV.

Discriminação às rádios comunitárias
Assim como a outra medida citada acima, também a MP 747 recebe duras críticas das entidades que defendem a democratização da comunicação. Isso porque ela discrimina a comunicação pública, anistiando outorgas privadas e permitindo que todas obtenham a renovação, mas deixando de fora as rádios comunitárias que também estão com a autorização vencida ou prestes a vencer.

O fato da MP 747 ignorar as rádios comunitárias que também precisam ter suas autorizações renovadas não é casual. O governo de Michel Temer deixou de lançar dezenas de editais previstos para a criação de novas emissoras comunitárias, prejudicando estas comunidades e impedindo as rádios de fazer publicidade.

A comissão mista da MP 747/2016 será presidida pelo senador Cidinho Santos (PR-MT), tendo como vice a deputada Gorete Pereira (PR). O relatório será elaborado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) e a relatora-revisora será a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 41 emendas à medida provisória, que tem como prazo final de funcionamento o dia 1º de dezembro, podendo ser prorrogado por mais 60 dias. A matéria segue neste momento com a relatoria.

O que são as medidas provisórias?
Medida provisória é um instrumento com força de lei elaborado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, cujo prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. O documento legal produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para sua transformação definitiva em lei.

Depois de aprovada na Câmara e no Senado, a MP (ou o projeto de lei de conversão, se houver modificação do texto original) é enviada à Presidência da República para sanção. O presidente tem a prerrogativa de vetar o texto de forma parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso Nacional.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

“Boa parte da mídia abdicou de fazer jornalismo para fazer oposição política”

Pesquisador há décadas sobre o papel social da mídia, o professor aposentado da Universidade de Brasília Venício Lima é autor de vários livros sobre o assunto e segue refletindo sobre o comportamento dos veículos de comunicação, a necessidade de regulação do setor e o papel da comunicação alternativa e pública.

Brasil de Fato – Temos visto uma cobertura cada vez mais parecida, especialmente da política, nos veículos da mídia hegemônica. Apesar de pequenas diferenças de linha editorial, parece haver uma homogeneização no tratamento de alguns temas, como na questão da crise e da operação Lava Jato. Como você avalia esse comportamento?

Venício Lima – Na verdade, não acho que constitui uma novidade. Há muitos anos, em livro que publiquei com o Kucinski [“Diálogos da perplexidade: reflexões críticas sobre a mídia”], comentamos essa questão da posição homogênea da grande mídia. É a ideia de que a grande mídia funciona como se tivesse um supraeditor, como se as principais notícias, a pauta, a narrativa, fossem cotidianamente editados por um super editor, que dá a elas o mesmo enquadramento. Isso é tão verdadeiro que às vezes as mesmas palavras aparecem reiteradamente, para os mesmos assuntos, para a mesma pauta, em diferentes veículos. Isso não é uma novidade, e expressa apenas o fato sabido e conhecido de que os oligopólios privados de mídia no Brasil têm interesses comuns e defendem basicamente as mesmas propostas e são contra as mesmas propostas, projetos e políticas.

A que você atribui essa recente inflexão em alguns veículos, como a Folha e o Globo, na questão do golpe ou impecheament contra a presidenta?

V.L. – É uma questão delicada. Os grandes oligopólios no Brasil têm, sobretudo o grupo Globo, historicamente conseguido se adaptar às conjunturas e preservar seu interesse. E, correspondente a isso, o Estado brasileiro também historicamente não tem sido capaz de fazer prevalecer a natureza de serviço público, sobretudo na radiodifusão. Um observador como eu, sem acesso a fontes privilegiadas, sem vínculos com partidos ou nada do tipo, me valho da minha experiência e dos dados públicos. O que se sabe agora é que houve uma reunião do secretário de comunicação da presidência com os controladores do grupo Globo e, por ocasião de uma homenagem à Globo no Senado, uma reunião com executivo do grupo e nove senadores do PT. Depois desses encontros, de fato observa-se uma inflexão na cobertura política e um posicionamento diferente com relação ao impeachment da presidente. O que não se sabe é se houve – e muito provavelmente houve – algum tipo de entendimento, de acordo. Como foi feito no passado, com outros governos, em outras situações. O Estado brasileiro e qualquer grupo que temporariamente controlam sua máquina têm sido incapazes de fazer prevalecer políticas de interesse público e negociam com esses meios, que se tornam cada vez mais poderosos e mais capazes de fazer valer seus interesses. Depois saberemos melhor do que se trata. Vi especulações em relação à atribuição das frequências, utilização do chamado 4G, questões tecnológicas que o Estado tem poder, disputa entre os velhos grupos e operadoras… teremos que ver se se confirma a inflexão e saberemos o que foi negociado. Mas certamente alguma coisa foi negociada.

Na sua avaliação, por que os governos do PT não avançaram na questão da regulação do mercado de comunicação?

V.L. – Essa pergunta tem que ser feita aos governos do PT. Eu não consigo compreender. Houve momentos em que se acreditava que os governos petistas iam pelo menos propor uma atualização da legislação, a regulação dos artigos que estão na Constituição, que fossem encaminhar projetos ao Congresso. Isso ocorreu em diversos países da América Latina em que projetos democráticos chegaram ao poder, mas nada disso aconteceu no Brasil. Tenho dito que esses governos caíram numa armadilha de acreditar que seria possível que os oligopólios de mídia apoiassem um projeto político, com repercussão na economia, que beneficiasse as classes populares, que promovesse a inclusão. Há informações seguras que durante muito tempo figuras importantes nos governos petistas acreditavam que era possível trazer o apoio desses oligopólios para a execução dessas políticas. Assim, a negociação com eles, as verbas publicitárias, empréstimos etc, deveriam ser a prioridade da política de comunicação do governo. Em detrimento da construção de um sistema público de comunicação, como, aliás, manda a Constituição. Ao cair nessa armadilha, perderam-se as oportunidades históricas de se fazer o que era necessário fazer e que não foi feito.

A partir da pressão da sociedade e também dada a virulência desses meios hegemônicos contra o governo do PT, você acredita que há possibilidade de avanço na regulação neste segundo mandato da Dilma?

V.L. – De novo, quem tem que responder são os agentes públicos do governo, ou a própria presidente. Posso dar uma reposta de observador que tem décadas que acompanha essas questões. Sou pessimista. Não vejo no momento atual de crise política e de diluição completa da sustentação parlamentar do governo possibilidades de avanço. As condições são adversas para que se implemente algo nessa área. É interessante observar que o discurso de regulação econômica da mídia, que fez parte da campanha eleitoral, que foi vocalizado diversas vezes pelo ministro das comunicações, desapareceu. Não se fala mais nisso. Além disso, até mesmo medidas que poderiam e podem ser tomadas por diferentes setores do governo, que independem de aprovação parlamentar, não têm sido tomadas. Como, por exemplo, a revisão de critérios das verbas oficias de publicidade e a fiscalização de arrendamento de emissoras. Coisas que fazem parte do papel do Ministério das Comunicações, em alguns casos, ou podem ser de decisão política da presidência, medidas que poderiam ser tomadas independentes de aprovação do parlamento, que é sabida e declaradamente de oposição ao governo.

Você escreveu que não temos no país uma “narrativa pública alternativa”. Na sua avaliação, como os veículos comunitários, sindicais e populares poderiam avançar para pautar a pluralidade de vozes e visões de mundo?

V.L. – Tem uma questão histórica, na mídia alternativa brasileira, incluindo as TVs e rádios comunitárias, a mídia sindical, o sistema público de um modo geral, que é a dificuldade de unificar sua narrativa. Há avanços, mas são ainda muito tímidos em relação ao que seria necessário. Eu considero absolutamente crítica a necessidade de apoio do governo ao sistema público de comunicação. A Empresa Brasil de Comunicação, EBC, tem, a duras penas, tentado produzir uma alternativa de qualidade à mídia comercial. Mas é muito difícil, porque a forma como a EBC está regulamentada depende de recursos não só do governo, mas de contribuição à radiodifusão pública, que inclusive vem sendo questionado na Justiça. É uma situação financeira difícil. E mesmo a empresa conseguindo, em seus diferentes veículos, produzir programas de boa qualidade, é difícil quebrar a inércia da audiência, que há décadas é dominada pela mídia comercial. A mídia pública não consegue ser divulgada fora dela própria e fica reduzida à sua pequena audiência. Acho que esta é das possibilidades que devem ser apoiadas. Inclusive uma coisa que esquecemos é que as pessoas que acreditam na necessidade de uma mídia alternativa à comercial devem apoiar a TV pública assistindo sua televisão e ouvindo suas emissoras de rádio.

Ao mesmo tempo em que assistimos ao fortalecimento da mídia comercial, aumenta o número de demissões e se discute o futuro do jornalismo. O que se desenha para o cenário da comunicação hoje?

V.L. – Essa não é uma peculiaridade brasileira. É algo que está acontecendo na sociedade contemporânea e decorre de uma transição tecnológica, cujos resultados não sabemos ainda. Há uma nova geração surgindo que não terá os mesmos hábitos de consumo de mídia e isso já está claro, sobretudo no Brasil. E isso tem implicação para modelos de negócio. Mas sou daqueles que não compartilho o entusiasmo, muitas vezes acrítico, com relação ao acesso à informação que as novas tecnologias possibilitam. Os dados que temos no Brasil e no mundo confirmam que, apesar da transição e das mudanças de plataforma tecnológica, os grandes produtores de conteúdo continuam os velhos grupos da mídia tradicional. Pesquisas confirmam e isso é visto junto a segmentos que acessam a internet, blogs e sites: os mais citados são da velha mídia. Esse quadro se repete nas redes sociais, às quais 90% das pessoas que acessam a internet estão vinculadas. Importante destacar que essas redes não são produtoras de conteúdo, elas distribuem conteúdo e facilitam a interação. E o conteúdo distribuído vem em grande medida dessa velha mídia.

Do ponto de vista da força de trabalho, tenho defendido há anos que as novas tecnologias não implicam na desqualificação da mão de obra. Ao contrário, ela tem ter que ser mais qualificada para sobreviver no mercado de distribuição de conteúdo. Essa geração, embora embevecida com as redes, vai precisar de informação de qualidade. Eu não posso ser exemplo, já tenho meus 70 anos, mas sou seletivo no dinheiro que gasto para receber informação. Boa parte da mídia brasileira não me interessa porque abdicou de fazer jornalismo para fazer oposição política. Quero informação para compreender o mundo e me ajudar a tomar posições. Não quero generalizar minha posição, mas me parece que será preciso uma qualificação da força de trabalho para produzir informação de qualidade. Isso já está ficando claro em alguns países do mundo. Mas ninguém tem bola de cristal. Estamos claramente vivendo um momento de transição, que não é só no Brasil.

Como você vê iniciativas como o jornal Brasil de Fato, que chega aos dois anos em Minas Gerais?

V.L. – Absolutamente fundamentais. Eu como indivíduo estou numa tentativa de lançamento de um jornal popular aqui em Brasília, como forma de furar o bloqueio da mídia comercial. É muito importante não esperar que a grande mídia venha a ser aliada para projetos que beneficiem classes subalternas, nem aqui, nem em lugar nenhum. O Brasil é exceção na América Latina porque não conseguiu ter, nem na mídia impressa, nem eletrônica, uma alternativa à mídia comercial. Outros países têm essa construção, como Argentina, México, Bolívia. Acho fundamental, apoio como posso e cumprimento grupos que conseguem, com todas as dificuldades, produzir de alguma forma uma imprensa alternativa.

Entrevista concedida a Joana Tavares, publicada em Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br