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Em SP, lei e decisões judiciais calam funcionários

O artigo 5º da Constituição Federal prevê que todo cidadão brasileiro dispõe, como seu direito inalienável, liberdade de expressão isenta de qualquer tipo de sanção ou repreensão. É evidente que em um país desigual como o Brasil esta liberdade esteja sempre em questão. Mas no caso do estado de São Paulo, pelo menos, quem questiona este direito é a própria legislação. Trata-se da Lei 10.261/1968, o chamado Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo.

Resquício da ditadura militar que privou os funcionários paulistas de opinião e participação política por décadas, o estatuto hoje é utilizado, sobretudo, como meio de coerção do funcionalismo, não obstante sua evidente inconstitucionalidade reiterada por diversos juristas. “Ao funcionário (…) é proibido referir-se depreciativamente, em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da Administração”, é o que informa o artigo 242 do Estatuto, ainda em vigor, surpreendentemente.

Pouco se fala a respeito da lei. O governo paulista jura que não a aplica e que ela não teria efetividade. No entanto, o Executivo estadual também nunca se esmerou na revogação da extemporânea peça legislativa e parece pouco atento aos relatos das ONGs dedicadas à defesa da liberdade de expressão. Agora, mais um capítulo desta história de censura velada está sendo escrito com a greve da Polícia Civil do estado, que produziu pelo menos dois casos de supostos abusos por parte do governo José Serra: a proibição de veiculação de um anúncio dos sindicatos na TV e a cassação do blog de um delegado.

Para os professores da rede pública estadual a situação é ainda mais presente. Segundo as ONGs Ação Educativa e Artigo 19, acumulam-se os casos de assédio moral usando os termos da 10.621 como instrumento de pressão. Os relatos são corroborados por depoimentos de jornalistas que descrevem as dificuldades que encontram para entrevistar as professoras e professores, o que traz conseqüências, inclusive, para a própria formação do senso crítico do docente.

Polícia censurada

As violações à liberdade de expressão têm sido mais ostensivas nos últimos meses por parte do Governo Serra em resposta à greve dos policiais civis do estado. O movimento, que durou 59 dias e buscou reposição de perdas salariais, tentou, de várias maneiras, furar a blindagem midiática ao presidenciável José Serra. A Polícia Civil paulista é a nona mais mal paga do país, atrás de Sergipe e Alagoas, por exemplo, e estava há 14 anos sem reajuste.

A iniciativa mais ousada foi comprar uma inserção nos intervalos comerciais, em horário nobre, das redes Record, Bandeirantes e Globo. O comercial mostrava os policiais batendo à porta do governador sem, no entanto, serem atendidos. Nas duas primeiras emissoras o comercial foi veiculado, mas na véspera da inserção na Rede Globo uma ação do governo do Estado foi acatada pelo juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública, Rodrigo de Oliveira Carvalho, proibindo que a peça fosse ao ar sob a alegação de que causaria “temor e insegurança na população.”

Único abrigo do movimento grevista, a internet também se tornou alvo da Justiça com a retirada do ar, no último dia 23 de outubro, do blog “Flit Paralisante”, mantido pelo delegado Roberto Conde Guerra. A página tornou-se referência para os policiais em greve por conta das críticas contundentes à política de segurança pública do governo tucano. O juiz de Direito Davi Capelatto, do Departamento de Inquéritos Policiais, ainda reiterou por três vezes sua decisão, exigindo que o Google atentasse para os novos blogs que o delegado insistia em colocar no ar. Para se ter uma idéia da veemência com que a decisão foi tomada, o juiz dá um prazo de duas horas para a execução da sentença.

“Infelizmente, o direito de comunicar está prejudicado em São Paulo”, afirma o presidente do Sindicato dos Investigadores de Policia João Batista Rebouças.

Punição à opinião

É também de um policial civil a descrição mais impressionante de perseguição a um funcionário público que se arriscou a emitir sua opinião em um grande veículo de comunicação. Em outubro de 2007, quando da publicação de um polêmico artigo do apresentador Luciano Huck na “Folha de S. Paulo”, que então se queixava da polícia pelo roubo do seu relógio Rolex em um semáforo na capital paulista, o investigador Roger Franchini fez questão de emitir seu ponto de vista sobre a situação da segurança pública em São Paulo.

“Os policiais que estão na linha de frente do combate ao crime (todos os que não são delegados ou oficiais da PM), sabemos onde está o 'rolex roubado' do Luciano Huck (…) Mas não vou trocar tiro com bandidos recebendo um salário base de R$ 568,29 ao mês”, afirmou Franchini no “Painel do Leitor” da “Folha” na época. Acusava ainda o governo do PSDB por manter a polícia paulista “na miséria há 14 anos.”

A ironia do investigador foi interpretada pelo jornal e pela Corregedoria da Polícia Civil como uma admissão de culpa, o que resultou em um inquérito contra o investigador. Mandado para uma delegacia distante, sofreu processo administrativo e, por fim, pediu sua exoneração. “Eu fiz criticas por me sentir ofendido e ironizei o artigo dele (Huck) de forma democrática”, afirma Franchini. [1]

O investigador conta que tinha conhecimento da Lei dos Funcionários Públicos e também do Estatuto dos Policiais Civis, que conta com restrições semelhantes, mas que não se preocupou porque “ninguém nunca foi processado por isso”. Franchini, então, é o primeiro de vários que ainda podem sofrer as mesmas retaliações.

Intimidação a professores

“Não identificamos nenhum caso de punição citando a lei especificamente”, conta Mariângela Graciano, coordenadora do programa Observatório da Educação, da Ação Educativa. “Acontece que ela, por não ter sido revogada, é usada como mecanismo de ameaça, uma forma de cercear e intimidar.” Esta tem sido a prática mais comum, pelo menos entre os professores.

De fato, não existem muitos casos de processos administrativos baseados no artigo 242. Todas as organizações que têm acompanhado essa questão fazem questão de ressaltar que a sua eficácia está no constrangimento que ela causa aos servidores, que vivem sob constante ameaça por seus superiores, o quais, por sua vez, detêm cargos comissionados e precisam “zelar” pela boa imagem das instituições.

Paula Martins, da Artigo 19, define como “sutil” o assédio moral a que estão submetidos os funcionários paulistas. “Temos casos em que não houve procedimento administrativo ou advertência, mas sim uma ação mais sutil, como transferências e ameaças. A existência da legislação tem gerado medo de represálias.” O risco de transferências para lugares distantes de suas casas serve não apenas como aviso, mas também, se efetivada, como uma forma de exílio para aqueles que “falaram demais”.

Para Maria Isabel Azevedo de Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), a legislação vigente em São Paulo contradiz o momento histórico de “avanço da democracia”. “A categoria dos professores está adoecida. Todo dia eles enfrentam salas de aula lotadas, sofrem com stress, perda da voz, tendinite, e são constrangidos a não se manifestar.”

“A lei é um entrave, mas sabemos que os professores não se manifestam apenas por causa disso. Existe um clima de desvalorização geral do magistério”, concorda Mariângela.

Movimento por liberdade de expressão

A Apeoesp, a Ação Educativa e a Artigo 19 prometem ações no sentido de rever a legislação e afirmar o direito à liberdade de expressão dos servidores públicos. “O desafio agora é nacionalizar a campanha”, afirma Mariângela. “É preciso disponibilizar informações para a comunidade local e paralelamente fazer um trabalho de mobilização na Câmara federal. O relator da ONU também solicitou informações ao Brasil sobre essa questão.”

Paula Martins admite que existe uma dificuldade em quantificar os casos, mas conta que está se iniciando um projeto de monitoramento em parceria com os sindicatos. “A liberdade de expressão está garantida na Constituição. Diante de tantas medidas autoritárias deste governo temos que nos juntar por esse direito”, convida Maria Isabel.

A Apeoesp, Artigo 19 e Ação Educativa criaram um blog para receber denúncias feitas por funcionários públicos: http://falaeducadorfalaeducadora.livreacesso.net/

A possibilidade de a legislação vigente transformar-se em instrumento de intimidação do funcionalismo público existe também em outros estados. Segundo levantamento da Ação Educativa, em 18 estados, o Estatuto dos Funcionários Públicos impede que professores e outros servidores dêem entrevistas. Além de São Paulo, a organização encontrou leis semelhantes no Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe.

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[1] A informação sobre o processo que levou a pedido de exoneração foi corrigida em 15/1/2009, a pedido do entrevistado Roger Franchini.

Lei de imprensa vai apagar rescaldos ditatoriais, diz nova relatora da OEA

A partir desta quarta-feira (15), a juíza colombiana Catalina Botero assume o cargo de relatora especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em entrevista ao Estadão, ela afirmou que confia que o governo Lula construirá uma lei de imprensa que apague os “rescaldos ditatoriais”.

“Estou certa de que a lei de imprensa terá um recorte que irá apagar do cenário jurídico esses rescaldos ditatoriais. Cabe ao congresso derrubar essas leis, que invertem completamente o significado da liberdade de expressão”, diz.

O comentário foi feito em referência ao acesso à informação. Em sua opinião, “é preciso uma lei que expresse de maneira clara e precisa que determinada informação é reservada” e os juízes devem aplicar o Direito Internacional para obrigar os Estados a abandonarem “a postura do secretismo”.

Catalina também criticou as punições que os jornalistas ainda sofrem no Brasil. Mesmo concordando que a atividade jornalística deve ser punida se causar danos, deve-se estabelecer limites para que não se “desestimule o exercício crítico”.

A nova relatora também comentou os casos de censura aos veículos da imprensa brasileira que foram censurados por publicar entrevistas com pré-candidatos: “Não acredito em leis contra a liberdade de expressão em ano eleitoral. Pode ser muito perigoso. Eu acredito na auto-regulamentação dos meios”.

Senado analisa PL que revoga Lei de Imprensa

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) está analisando Projeto de Lei (PL) criado pela senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) que revoga a Lei de Imprensa e dispõe artigos para a regulação jurídica para casos de “abuso da liberdade de expressão”. O projeto foi encaminhado à CCJ no dia 07/10.

Apesar de garantir o direito ao sigilo da fonte, o PL busca restringir o vazamento de informações. O valor das indenizações em caso de publicação de material obtido sem autorização judicial ou que estejam em segredo de justiça pode ser multiplicado por 50. Segundo o artigo 3º do PL, “A reprodução de material obtido com autorização judicial, mas em segredo de justiça, constitui abuso do direito de informar”.

“A imprensa precisa ser absolutamente livre e transparente, mas tem que responder pelo que faz”, diz Serys.

O projeto também prevê mudanças nos casos de crimes contra a honra. Os casos de injúria e difamação cometidos no âmbito da imprensa serão descriminalizados. Os jornalistas somente poderão ser processados criminalmente caso a informação não atenda ao interesse público. Os casos de calúnia continuam na alçada criminal.

De acordo com a senadora, a motivação para a criação do PL foi a discussão em torno do assunto criada pela decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender alguns artigos da Lei de Imprensa.

“A Lei de Imprensa é antiqüíssima, superada e com muitos problemas. Boa parte dela já foi suspensa pelo Supremo. Se o poder que tem que fazer lei não faz, eles fazem”, afirma Serys.

Veja a íntegra do projeto aqui .

Advocacia Geral da União defende Lei de Imprensa

Nesta semana, a Advocacia Geral da União (AGU) encaminhou um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo que trechos da Lei de Imprensa – suspensos desde fevereiro – voltem a ser válidos.

Para a AGU, os artigos 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa, que tratam dos crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) e estabelecem penas mais duras para jornalistas do que as previstas no Código Penal para qualquer cidadão comum, devem ser mantidos.

O argumento apresentado no parecer pelo advogado Sergio Tapety é que a "resposta" do Estado deve ser proporcional ao "ato lesivo", levando-se em conta o "alcance" de violações praticadas pela imprensa.

"A intenção do legislador, ao tratar de forma específica os crimes contra a honra, praticados por meio da imprensa, foi dar ao Estado o poder de impor sanções mais severas àqueles que praticam esses delitos, uma vez que a violação ao referido bem jurídico através da imprensa tem um alcance e efeitos mais amplos que potencializam o dano acarretado à vítima", alegou o advogado.

Para ele, um exemplo é a hipótese de crime de calúnia praticado por meio de um jornal de circulação nacional: "neste caso, a potencialização do dano à honra da vítima é muito maior, sendo necessária uma resposta sancionatória do Estado proporcional ao ato lesivo, com vistas a prevenir e a reprimir a prática de tal crime".

Os ministros do STF vão examinar o parecer quando forem decidir se a Lei de Imprensa deve ser revogada.

As informações são do G1

Justiça proíbe Stédile de se manifestar sobre a Vale

Uma sentença proferida pela juíza Patrícia Rodriguez Whately, da 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro, proibiu o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, de se manifestar contra a privatização da Vale. Embora o texto da sentença não impeça expressamente qualquer manifestação de opinião de Stédile, a decisão o proíbe, preventivamente, “de incitar a prática de atos violentos contra as instalações da Vale”.

Como o texto não explicita o que configura esta “incitação da prática de atos violentos”, a medida foi recebida como um cerceamento prévio da liberdade de expressão do dirigente camponês. A Justiça carioca prevê uma multa de R$ 5 mil caso Stédile seja considerado responsável por manifestações políticas nas instalações da Vale.

O MST já entrou com um pedido de anulação da liminar, e divulgou uma moção “pelo direito universal de manifestação e contra a privatização da estatal Vale do Rio Doce”. Tanto a defesa de Stédile quanto a moção foram entregues no dia 8 de abril, com um pequeno ato na porta da 41ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Mesmo divulgada em pouco tempo, a carta recebeu adesão de inúmeros representantes de movimentos sociais, parlamentares, artistas, e figuras internacionais, como o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) manifestou preocupação com o cerceamento à liberdade de expressão. “Nós temos condenado com veemência este comportamento que tem tomado conta do Judiciário brasileiro de fazer censura prévia. Este tipo de comportamento fere a Constituição brasileira. O Judiciário acaba exacerbando suas prerrogativas, ao esquecer que nós vivemos em uma democracia e agir como se o País estivesse sob um regime de exceção”, afirmou José Carlos Torves, dirigente da Fenaj.

A diretora do Sindicato Nacional de Docentes de Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) Cristina Miranda lembrou que inúmeros movimentos sociais participam, ao lado do MST, das mobilizações contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Cristina lembra que o plebiscito popular sobre a privatização da Vale, realizado em 2007, contou com a participação de mais de três milhões de brasileiros, e a enorme maioria se posicionou contrária à privatização.

Neste sentido, ela acredita que a medida judicial representa um ataque aos movimentos sociais. “Consideramos que a criminalização do MST e de seu dirigente João Pedro Stédile, assim como de qualquer movimento, é um método que atenta contra a democracia. Manifestamos assim toda a nossa solidariedade aos companheiros do MST, pois consideramos que a liberdade de expressão e manifestação é um direito que deve ser assegurado”, afirma Cristina