Depois de afirmar por diversas vezes que o mercado jornalístico não pode sofrer regulação externa, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) parece que agora quer mesmo tomar uma atitude mais concreta em relação ao assunto. Tanto que em 19 de agosto, no 8º Congresso da ANJ, a entidade anunciou a criação de um conselho de autorregulamentação para definir regras próprias para a prática do jornalismo. A presidente da ANJ, Judith Brito, acredita que até o fim deste ano o órgão esteja pronto.
Há décadas sem avanços na regulação, a mudança para um cenário com maior controle social – se a autorregulação acontecer – não é desejo de todos os grupos do setor. Demonstra isso fala de Sidnei Basile, vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril, como noticiado em matéria do Estado de S. Paulo (Jornais veem entraves para criar conselho de autorregulamentação, 21/08). "Precisamos de menos tribunais de ética e de mais práticas de uma cultura de convivência de boa fé", afirmou. Para a advogada Taís Gasparian, segundo a mesma matéria, a autorregulação proposta pela ANJ é difícil e complicada, mas parece ser a única saída. "Deveria ser adotada por toda a mídia. Só assim a imprensa vai conseguir se proteger de regulamentações que venham de fora".
O professor Venício Lima, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília, acredita que devemos saudar a iniciativa dos empresários, por reconhecerem a necessidade de alguma regulação, apesar da opção da autorregulamentação ser falha: “O que os estudiosos da área de regulação e comunicação sustentam – e não são brasileiros nem suspeitos de serem autoritários, sendo liberais americanos estabelecidos – , é que além de ser iniciativa com atraso secular, ela absolutamente não resolve as questões de regulação. Ela pode eventualmente se completar à regulação, que no caso brasileiro não existe”, observa o professor.
Em artigo escrito para o Observatório da Imprensa (O passado é nosso futuro, 11/05), Venício Lima cita artigo de Angela J. Campbell, professora titular do Georgetown University Law Center, onde ela chega à conclusão de que a "autorregulamentação raramente cumpre o que promete, embora em alguns casos, tenha sido bem sucedida como um suplemento à regulação do governo”.
Para o jornal Folha de S.Paulo, a criação de tal conselho é uma forma de evitar qualquer controle social sobre as empresas. “A criação do conselho de autorregulamentação dos jornais proposta pela diretoria da ANJ tem apoio dos principais grupos de mídia impressa do país e é considerada um modo de evitar qualquer controle externo.” (Criação de conselho de autorregulamentação tem apoio de grupos de mídia, de 20/08).
O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schroder, acredita que qualquer tipo de regulação e enquadramento no setor é importante. Porém, Schroder avalia que a regulação do setor não tem ligação com o conselho que poderá ser criado pela ANJ. Comparou a iniciativa com o fim das leis de trânsito tradicionais, como se a autoconsciência de cada motorista fosse suficiente para controlar o tráfego.
Quanto às deliberações da Confecom, a qual a iniciativa da ANJ tenta se opor, elas serão encaminhadas independente da vontade dos donos das mídias, acredita Celso. “A livre expressão é um bem que todos temos que preservar, com cuidado, contra o desejo de que alguns controlem a comunicação à revelia da sociedade”, afirma o presidente da Fenaj.
Confecom
A convergência tecnológica e a rápida mudança que a área da comunicação passou nos últimos tempos é vista não só como um avanço, mas também como uma ameaça aos modos tradicionais de se fazer mídia e se comunicar. “A percepção da necessidade de regulação está fazendo reagir o oligopólio das comunicações. Por meio da negação das propostas da Confecom, e agora com a autorregulamentação”, explica o professor Venício.
Para o presidente da Fenaj, o oligopólio está aos poucos reconhecendo a necessidade de uma nova legislação para as comunicações: “A Confecom foi prova disso: setores empresariais mais elaborados percebem que mesmo para eles desregulamentação pode ser uma ameaça” diz Celso Schroder. Se há algum consenso da Confecom, seria a aprovação do Conselho de Comunicação Social. “A Confecom disse que não aceita mais na tese de que comunicação não pode e não deve ser tratada como tema público”.
Quanto à campanha contra resoluções tiradas na Conferência ano passado que essa mídia tem encabeçado, o professor Venício Lima diz se tratar de uma estratégia pública de luta: “Tenho a impressão que essa intolerância em relação à expressão controle social da mídia se tornou estratégia pública de luta contra qualquer regulação. Não tem esclarecimento na população do que está sendo discutido. É confundida com obsessão, censura”.
Previsões
No entanto, as previsões para a democratização da comunicação para o futuro de Venício e Celso não são pessimistas. Principalmente em se confirmando a vitória de Dilma. “Ela tem compromisso moral com os resultados da Confecom. Embora tenha havido recuo do primeiro programa que foi apresentado ao TSE, com relação a essa área de telecomunicações, se tratavam de medidas programáticas relativas a princípios constitucionais”, opina Venício.
Para Schroder, as resoluções da Confecom já deveriam ter começado nesse governo, há seis meses, desde o fim da Conferência. Apesar disso, sua expectativa é que se dê conseqüência às resoluções.