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FrenteCom será coordenada por parlamentares e movimentos sociais

“Sem mídia democrática não há democracia” é o tema da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que acontece entre estes dias 14 e 21 de outubro em todas as regiões do país. O slogan, longe de ser apenas frase de efeito, também norteou os discursos de parlamentares e representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil durante a cerimônia de relançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom), realizada nesta quinta (15/10), no Salão Nobre da Câmara dos Deputados.

Lançada em 2011, a FrenteCom foi a primeira formada por parlamentares e representantes da sociedade civil e tem como objetivo promover, acompanhar e defender iniciativas que ampliem o exercício dos direitos humanos à liberade de expressão e à comunicação. Coordenadora da frente, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) destacou a relevância da parceria com os movimentos sociais numa conjuntura favorável ao conservadorismo político e social e sugeriu que a coordenação passe a ser exercida em parceria com os movimentos sociais.

Erundina lembrou que os meios de comunicação reproduzem valores, conceitos e ideologias. Para ela, a democratização dos meios é condição indispensável para que não promovam “um pensamento único, de só um segmento da sociedade, extremamente minoritário”. A deputada citou a Argentina como exemplo a ser seguido pelo Brasil. Segundo ela, o país vizinho “teve a ousadia e a coragem de ter uma lei de mídia moderna e democrática”.

Erundina afirmou, ainda, que a FrenteCom é “filhote” da Conferência Nacional de Comunicação. “Lamentavelmente, o governo não tem considerado as centenas de resoluções que resultaram da Confecom e nem a Frente, que tem sido fortalecida pela sociedade civil”, afirmou.

Renata Mielli, secretária-geral do FNDC, ressaltou que a entidade considera a FrenteCom uma conquista indispensável para a luta pela democratização da comunicação e para a própria democracia. “Sem mídia democrática não existe sociedade democrática e o que vivemos hoje no Brasil é reflexo dessa situação, onde segmentos inteiros da sociedade são invisibilizados pelos meios de comunicação; posições culturais, sociais, políticas e econômicas desaparecem do debate público e só aparece uma única voz, que é da elite econômica, que não está preocupada com interesse público e que, em função de um debate político insano, propaga preconceito, ódio e intolerância na sociedade”.

Bia Barbosa, representante do Intervozes e coordenadora de Comunicação do FNDC, destacou que a democratização do setor tem dois obstáculos principais hoje no país: ações de órgãos dos três poderes constitucionais e de entes privados que limitam o exercício da liberdade de expressão e a ausência de regulação e políticas públicas que o promovam.

Jean Wyllys, deputado federal pelo PSol do Rio e membro da FrenteCom desde sua fundação, mencionou a apropriação de espaços nas grades de programação de emissoras de rádio e TV por pastores e igrejas evangélicas como reflexo da falta de regulação do setor. “Não estou dizendo que são todos os evangélicos, mas muitos utilizam esses espaços para atacar a comunidade LGBT e as religiões de matriz africana”.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que a democratização da comunicação é uma dívida do Estado com a sociedade brasileira. Para ela, esse tema, junto com o dos direitos sexuais e reprodutivos, tem o maior muro no Congresso Nacional, por isso não consegue avançar. “Propus uma lei que regionaliza a programação da TV aberta, que tramitou durante 23 anos e agora foi arquivado”, exemplificou. Para ela, o grande desafio da FrenteCom é falar “para fora”.

Para Mario Jefferson Leite Mello, diretor da Frente Nacional pela Valorização das TVs Comunitárias, “só vamos ter democratização quando a ABERT [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV] deixar de ter um feudo dentro do Ministério das Comunicações”.

Escrito por Redação
para FNDC 

Comunicações: moeda de troca evidencia falta de política

Por Jonas Valente*

Na última sexta-feira (2/10), a Presidenta Dilma Rousseff anunciou o que chamou de “reforma administrativa”, conjunto de medidas que teve como novidade uma reforma ministerial para reduzir pastas, ampliar a presença do PMDB na Esplanada e acomodar aliados. Entrou na lista de oferta a partidos da base o Ministério das Comunicações.

Ricardo Berzoini, até então no comando da área, foi colocado em uma turbinada Secretaria de Governo, que passa a reunir funções da Secretaria-Geral e da Secretaria de Relações Institucionais. O seu posto foi oferecido ao PDT, que escolheu o líder do partido na Câmara e deputado federal André Figueiredo (CE) para ocupar a pasta.

O uso do Minicom (como também é conhecido o Ministério pelos agentes do setor) como moeda de troca não é novo na história dos governos pós redemocratização. Mas após a gestão de um quadro forte do PT na pasta como Berzoini, que chegou com promessas de avanços, a retomada desse caráter para a pasta sinaliza novo retrocesso no setor.

O PDT volta a dirigir o órgão depois de 11 anos. O partido foi o primeiro a ocupar a vaga no governo Lula, em 2003, com o então deputado Miro Teixeira, que recentemente integrou o bonde de migrações para a Rede, de Marina Silva.

Teixeira teve mandato apagado na pasta, com algumas exceções, como o decreto que fixava diretrizes para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Em 2004, deu lugar a Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que também não disse a que veio e foi substituído pelo então senador Hélio Costa (PMDB-MG).

Costa imprimiu a agenda dos radiodifusores no Minicom, implantando o sistema de TV Digital nos moldes do que as Organizações Globo queriam, represando a entrada de novas emissoras no espectro e minando o aproveitamento de potencialidades como a interatividade que a nova tecnologia poderia trazer. Costa permaneceu na pasta praticamente todo o segundo mandato de Lula, saindo no fim para concorrer ao governo de Minas.

No primeiro governo Dilma, se o Ministério não foi usado para acomodar outros partidos, serviu de abrigo para um nome chave que teve de deixar pastas do núcleo do governo: Paulo Bernardo. A gestão do paranaense, que havia ocupado o Ministério do Planejamento, foi marcada pelo abandono de duas agendas ensaiadas no último ano do governo Lula:

1. A elaboração de um anteprojeto de novo marco regulatório das comunicações, iniciada por um grupo de trabalho então comandado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins,

2. O Plano Nacional de Banda Larga, a partir da Telebrás e do uso da infraestrutura de fibra sob controle do governo e das estatais.

O resultado do grupo de Martins foi colocado em uma gaveta e fechado a sete chaves. No segundo caso, o Ministério não só não deu continuidade aos planos de Lula de tirar o Brasil do atraso na oferta de banda larga como implementou políticas na linha do que os empresários defendiam: desonerações e recursos públicos para que as operadoras fizessem o básico, ou seja, investissem na oferta do serviço à população. A negociação para a venda de um “plano popular”, que alavancaria os acessos, foi um fracasso, e a ampliação do acesso se deveu ao crescimento da telefonia móvel 3G e 4G.

No segundo governo Dilma, sopraram, se não ventos, brisas de mudança. Ricardo Berzoini também era um quadro do núcleo político do PT, mas mais próximo aos movimentos sociais. Passou a, ao menos, apresentar publicamente a importância de um novo marco regulatório para a radiodifusão, que tirasse do papel os princípios previstos para o setor na Constituição Federal.

Mas nada se concretizou, e a agenda parece enterrada em meio ao cenário de crise política. Medidas que não dependem de mudanças legais (como a fiscalização e a punição de emissoras que violam a lei em diversos aspectos) também não foram implementadas. O programa “Banda Larga para Todos”, espécie de PNBL 2.0, também não prosperou e entrou nos cortes orçamentários. Nem mesmo o diálogo com as organizações da sociedade civil ocorreu dentro do que se esperava.

Incógnita

A chegada de André Figueiredo ao Ministério das Comunicações sinaliza um retrocesso, com a volta do uso da pasta como moeda de troca para a chamada governabilidade. Também repete a lógica de entregar o Ministério a quadros sem conhecimento da área. A falta total de contato do deputado com o tema instaura ainda um clima de incógnita quanto ao seu mandato.

As condições, definitivamente, não são boas. Um governo acuado, um PMDB cada vez mais empoderado e os grupos de comunicação operando como lideranças políticas do processo de desgaste são uma mistura temerária para uma agenda progressista. Soma-se a isso a movimentação do governo, incluindo aí a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para tentar destruir, do setor de telecom, a lógica de obrigações de universalização, continuidade e controle tarifário criada após as privatizações nos anos 90 – com a possibilidade da entrega de mais de R$ 100 bilhões em bens do então Sistema Telebrás às concessionárias de telefonia fixa. O cenário não é animador.

Isso, no entanto, não justifica negar a necessidade de uma agenda neglicenciada nos últimos 13 anos. Sem uma atuação firme, as operadoras de telecomunicação seguem oferecendo serviços caros, inacessíveis e de baixa qualidade.

Sem um marco regulatório democrático e moderno para a radiodifusão, a democracia brasileira segue refém do poder político dos grandes grupos de comunicação e a população continua tendo acesso a uma programação centrada no eixo Rio-São Paulo e marcada por constantes violações de direitos humanos (neste sentido, a sociedade civil tem dado contribuição fundamental para o debate por meio do Projeto de Iniciativa Popular da Lei da Mídia Democrática).

Por isso, mesmo em momento de crise, é urgente e necessária uma agenda que tire o Ministério das Comunicações do imobilismo. O simples cumprimento dos dispositivos constitucionais e da legislação já seria um avanço importante, como no caso do respeito aos limites de anúncios publicitários, percentuais mínimos de conteúdos educativos e jornalísticos, proibição do controle de emissoras por políticos e punição por abusos na programação.

Da mesma forma, também se mostram essenciais o fortalecimento da comunicação pública e da Empresa Brasil de Comunicação e a desburocratização, descriminalização e o fortalecimento das rádios comunitárias. Nas telecomunciações, o cenário de cortes não pode sepultar a urgência de medidas robustas que garantam acesso barato, universal e de qualidade à banda larga. As tarefas não são poucas nem simples, mas o novo ministro André Figueiredo aceitou encará-las. Vamos ver se conseguirá cumpri-las.

* Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela UnB e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

‘SEM PLURALIDADE NA MÍDIA, NÃO HÁ LIBERDADE DE EXPRESSÃO’, AFIRMAM DEBATEDORES

A urgência de democratizar a comunicação no Brasil foi tema de debate na abertura do Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas, nesta sexta-feira (18), em São Paulo. Por videoconferência, Edison Lanza, Relator Especial para Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), defendeu que diversidade e pluralidade nos meios de comunicação é uma condição fundamental para a garantir a liberdade de expressão.

Ciente da ausência de regulação do setor no Brasil – o advogado e jornalista esteve em Brasília recentemente, reunindo-se com autoridades políticas e entidades da sociedade civil – Lanza criticou a concentração dos meios de comunicação e o falso argumento de que regulação é censura, o que já se tornou uma espécie de ‘mantra’ dos grandes empresários do setor. “Monopólios e oligopólios atentam contra a democracia e a liberdade de expressão”, disse. “É obrigação do Estado garantir este direito a partir da regulação do sistema de comunicação”.

Segundo ele, os governos não devem intervir no que se produz, mas sim facilitar e construir políticas públicas para garantir que haja diversidade de vozes nos meios. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, explica Lanza, é papel do Estado impedir uma excessiva concentração de meios por grupos privados, o que atenta contra a diversidade de fontes e opiniões. “É fundamental que haja intervenção em um mercado com tendência ao monopólio”, acrescenta.

Os organismos que implementem essas regulações, conforme explica o relator da OEA, têm de gozar de autonomia e independência, tanto do ponto de vista político quanto em relação ao poder econômico. “Estes órgãos não devem ser instrumentos para calar vozes ou beneficiar interesses privados”, pontua.

Mídia brasileira ‘corrompe’ opinião pública

Referência em estudos de mídia e democracia no Brasil, Venício Lima avalia que a urgência em se democratizar a comunicação no país diz respeito a findar um processo sistemático de corrupção da opinião pública. “Se a corrupção ¨C palavra preferida dos grandes meios ¨C é a prevalência de interesses privados e ilegitimos sobre interesses públicos, o que a mídia brasileira é corromper a opinião pública”, diz.

“A própria elite política da América Latina identificou, em uma pesquisa feita há dez anos, que os meios de comunicação são um dos principais obstáculos para a consolidação da democracia no continente”, sublinha o professor. “Se houve alguma alteração nesse panorama, é de que a situação se agravou”.

As condições para que os meios cumpram o papel de formar uma opinião pública democrática não ocorre no Brasil, na opinião do estudioso. “Em primeiro lugar, a legislação está desatualizada”, aponta. “Além disso, até hoje os princípios previstos na Constituição de 1988 [dentre eles a proibição do monopólio e do oligopólio no setor] seguem sem regulamentação”.

Segundo Venício, uma simples folheada nas manchetes dos grandes jornais, em um único dia, escancaram a falta de diversidade e pluralidade. “A narrativa da mídia é tão homogênea que é como se houvesse um super editor que editasse as notícias de todos os meios”, critica. “É essa a impressão que você terá se ler diariamente os grandes jornais, todos com as mesmas pautas e narrativas”.

O único remédio, de acordo com ele, é cobrar do Poder Executivo que saia da armadilha na qual o próprio governo caiu. “Os governos dos últimos 12 anos acreditaram, equivocadamente, que poderia ser feita uma aliança com os oligopólios midiáticos”, afirma. “Por isso, perdemos oportunidades históricas de se fazerem mudanças fundamentais, de fazer o mínimio para sanar os problemas que nos colocam na situação crítica de hoje”.

O Ministério das Comunicações foi representado por Emiliano José, histórico militante pela democratização da comunicação que ocupa o cargo de Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica. Segundo ele, existe a clareza, no MiniCom, de que o debate sobre a regulação é fundamental para o avanço da democracia no país. “O ministro Ricardo Berzoini tem dito que está disposto a desenvolver esse debate, assumindo o compromisso de intensificar esse processo”.

De acordo com Emiliano José, a luta pela democratização da mídia é árdua e, infelizmente, esbarra no cenário político desfavorável ao governo. “Imaginar que haverá alguma proposta concreta de regulação do setor é uma contradição”, admite. “Sabemos a composição e como funciona esse Congresso, e nenhum governo pode prescindir do Congresso”, disse, lamentando a conjuntura desfavorável.

“É bastante difícil separar meu papel no Ministério e meu histórico na luta por uma mídia democrática, causa a qual me dedico há décadas”, diz. “Como militante”, Emiliano opina que a mídia não está ao lado do povo brasileiro. “O suicídio de Vargas, em 1954, quando já estava praticamente consumado um golpe contra ele, vanguardeado pela imprensa, tem relação íntima com o bombardeio midiático sobre a presidenta Dilma”, avalia. “É inegável que os meios têm empreendido um gigantesco esforço golpista”.

O parlamentar listou iniciativas que o Ministério das Comunicações tem tomado. Além do Canal da Educação e do Canal da Cidadania, que fomentam canais educativos e públicos, Emiliano José cita também o Plano Nacional de Outorga de Rádios Comunitárias, que deve desburocratizar o processo de outorgas. “É preciso cavar espaços para amenizar o problema do monopólio. Não se trata de excluir vozes, mas ampliá-las”.

Escrito por Felipe Bianchi
para Barão de Itararé

A violência que cala toda a sociedade

Por Helena Martins*

O assassinato da repórter Alison Parker e do cinegrafista Adam Ward, jornalistas de uma TV afiliada à rede norte-americana CBS, na quarta-feira 26, enquanto faziam uma entrevista ao vivo, chocou o mundo. Mostrou a vulnerabilidade humana, bem como a perversidade de quem, friamente, dispara contra outros humanos sem se esquecer de registrar cada segundo com uma câmera. Afinal, no império da imagem, um “caso” como esse não poderia passar despercebido.

Mas a brutalidade do que ocorreu, cujas circunstâncias ainda não foram totalmente esclarecidas, pode ter a força de suscitar o debate sobre o cotidiano de violência ao qual é submetida a pessoa que trabalha com comunicação.

Tensões, ameaças, conflitos e mesmo mortes são mais comuns do que imaginamos. E os motivos que geram essas situações envolvem, na maior parte dos casos, a defesa do interesse público, a investigação e a denúncia daqueles que controlam o poder – e, muitas vezes, também os meios de comunicação, numa associação que tem sido apontada, no Brasil, como coronelismo midiático.

Também na última quarta, em uma audiência pública que tratou sobre o tema na Assembleia Legislativa do Ceará, o presidente da Associação de Imprensa do Sertão Central do estado, Wanderley Barbosa, foi claro ao relacionar as questões. De acordo com ele, conforme consta na reportagem do jornal O Povo: “No Interior, o rádio é um meio de comunicação muito poderoso e tudo que se fala tem repercussão. A grande maioria das emissoras pertence a políticos, e o radialista está no meio dessa história de rivalidade”.

A audiência foi motivada pelo assassinato do radialista Gleydson Carvalho no estúdio da Rádio FM Liberdade, em Camocim (CE), enquanto trabalhava, no dia 6 de agosto. Na mesma data, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos), Edison Lanza, estava no Brasil a convite de organizações, entre elas o Intervozes, para debater a garantia dos direitos no País. Ao saber do ocorrido, a relatoria manifestou preocupação com a situação. No Ceará, apenas este ano, quatro radialistas foram assassinados.

Todas as mortes ocorreram em cidades do interior e envolveram discussões políticas, conforme apuração dos órgãos competentes. No caso de Gleydson, a denúncia do Ministério Público é clara. Ela cita como motivo o “desprezível sentimento de intolerância às concepções diferentes e críticas feitas à gestão de Martinópole por mais virulentas que fossem”.

Esse tipo de crime mostra a perpetuação da lógica de resolução de conflitos com a imposição do poder pela força. Fica claro, portanto, que, além de calar uma voz, a violência extrema é utilizada para calar a dissidência, o debate, a livre opinião. E as violações não atingem apenas um indivíduo, mas toda a sociedade que, ou acaba privada do acesso à informação, ou recebe apenas aquilo que não gerará incômodo, muito menos abalará as estruturas do poder.

Essa cultura perversa coloca o Brasil em terceiro lugar na lista de países onde o exercício da profissão de jornalista é mais perigoso na América Latina, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras. Os números são alarmantes.

Já o relatório do Grupo de Trabalho “Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil” do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), hoje Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), mostra que entre 2009 e 2014 ocorreram pelo menos 321 casos de violações de direitos. As situações são diversas e envolvem agressões, ameaças de morte, atentado a veículo de comunicação, assédio moral, cerceamento da atividade profissional, detenção arbitrária, hostilização, perseguição, sequestro e assassinatos – que chegaram a 18 no período citado.

Importante salientar que o “envolvimento de autoridades e policiais locais na violência contra comunicadores é uma das evidências mais importantes apreendidas dos depoimentos apresentados” ao grupo, de acordo com o relatório. A essa conclusão também chegou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que contabilizou 190 casos de detenção ou violência contra jornalistas em protestos ocorridos entre maio de 2013 e junho de 2014. Do total, 88% dos casos foram provocados por policiais. Em quase metade dos casos (44%), a violência foi intencional.

É fato que, assim como outras muitas violências que vemos cotidianamente, essa é difícil de ser enfrentada por se tratar de um problema estrutural, organicamente relacionado à arquitetura de poder político e econômico historicamente constituída em nosso País. Não obstante, é preciso desenvolver medidas para romper com essa lógica e assegurar o direito à liberdade de expressão, à comunicação e à vida dessas pessoas. E o pontapé inicial disso é tirar os casos de agressão da invisibilidade.

Nesse sentido, as organizações que participaram do Grupo de Trabalho “Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil” apontaram a necessidade de constituição do Observatório da Violência contra Comunicadores. O órgão, segundo a proposta apresentada pelo grupo, deveria ser consolidado por meio de cooperação com o Sistema ONU, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Sua gestão deveria ser feita por meio de um Comitê Gestor tripartite, composto por organizações da sociedade civil que atuem na área de combate à violência contra comunicadores, setores do Estado considerados estratégicos para o tema e o Sistema ONU. A proposta é que o observatório conte com unidade de recebimento de casos, sistema de indicadores e, a fim de desenvolver medidas efetivas, mecanismos de proteção. Hoje, a demanda está sendo discutida pelo CNDH e deve voltar à tona com o início dos trabalhos da Comissão sobre Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão do conselho, a qual foi criada recentemente.

Além disso, outras medidas podem ser efetivadas por diversos sujeitos – das empresas de comunicação ao Estado brasileiro. A adoção de equipamentos de proteção, a criação de linhas específicas para comunicadores em programas que objetivam proteger defensores de direitos e a elaboração de um protocolo padronizado de atuação das forças de segurança pública no âmbito das manifestações sobre aplicação do princípio da não violência em circunstâncias como manifestações e eventos públicos são algumas delas. Urge tratá-las com prioridade e envolver a sociedade na luta pela vida e contra todas as formas de violência.

*Helena Martins é jornalista e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Relator da OEA defende novo marco regulatório para a comunicação no Brasil

Por Bia Barbosa*

Na última semana, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos), o uruguaio Edison Lanza, esteve no Brasil. Além de participar de dois seminários promovidos por organizações da sociedade civil – entre elas o Intervozes –, Lanza teve uma importante agenda de reuniões com o governo federal e com os movimentos sociais. O objetivo: contribuir para destravar a agenda de construção de um novo marco regulatório para as comunicações no país.

Em suas palestras e entrevistas, assim como nas audiências com os ministros Juca Ferreira (Cultura), Edinho Silva (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) e Ricardo Berzoini (Comunicações – foto), Lanza reafirmou a necessidade dos Estados contarem com leis, mecanismos e órgãos independentes de regulação que sejam capazes de garantir a diversidade e o pluralismo nos meios de comunicações e o exercício da liberdade de expressão pelo conjunto da população.

“O Brasil postergou a adoção de medidas concretas. Pelas denúncias que recebemos da sociedade civil, o País tem um sistema muito concentrado, sobretudo na TV aberta. Há muitas rádios controladas por políticos e o setor comunitário permanece excluído. A legislação para as rádios comunitárias é deficitária, pois impõe limites de alcance e restringe o financiamento pela publicidade”, declarou o relator à Carta Capital. Para Lanza, a concentração da propriedade dos meios no Brasil e na região, somada à ausência de sistemas públicos de comunicação fortalecidos, “tem implicações no processo democrático, pois um dos pressupostos da democracia é o pluralismo político, a diversidade de vozes. Há uma clara necessidade de incluir mais atores”, afirmou.

Em seminário na Universidade de Brasília, Lanza destacou que o país perdeu algumas oportunidades para democratizar o setor. Ele relatou que, desde 1985, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que os oligopólios atuam contra a liberdade de expressão. E que a Declaração de Princípios sobre o tema, aprovada pela Comissão, desde o ano 2000 afirma que os Estados tem obrigação de limitar a concentração dos meios. “Se isso tivesse sido aplicado, teríamos outro quadro”, disse.

A relatoria aproveitou para lembrar, uma vez mais, que a liberdade de expressão é condição para o exercício de outros direitos; porém, não é um direito absoluto, que pode ser limitado pelo que está previsto no direito internacional. “Ter um sistema plural de comunicação no país é uma dessas previsões, assim como a proteção de crianças e adolescentes e a incitação ao ódio. É falso entender qualquer regulação como censura. A discussão depende de como se constrói a proposição de regulação e como se considera os padrões internacionais”, explicou.

E acrescentou: “Este é um processo que deve ser feito com participação popular. Se o Brasil construiu de maneira tão exemplar o Marco Civil da Internet, por que não consegue fazer o mesmo para atualizar o marco da radiodifusão?”, questionou Edison Lanza.

O retorno do governo

A pergunta acima foi feita, em formato de sugestão, ao governo federal. Com o ministro Edinho Silva, Lanza tratou da importância do fortalecimento dos meios públicos, de seu desenho institucional – que precisa ter autonomia em relação ao governo, incluindo a forma como são escolhidos os dirigentes das emissoras públicas de comunicação – e da necessidade das verbas públicas de publicidade serem distribuídas também com base em critérios de estímulo à diversidade e à pluralidade. Edinho se comprometeu a analisar um estudo da Unesco, indicado pelo relator, sobre padrões internacionais de sustentabilidade da mídia, além da lei sobre publicidade oficial recentemente aprovada pelo Uruguai, considerada um bom modelo.

Do ministro Berzoini, Edison Lanza soube que o governo pretende trabalhar com uma articulação dos ministérios da Cultura, Comunicações, Secretaria de Comunicação Social e Secretaria Geral da Presidência da República para construir “a opinião” da gestão Dilma sobre “a questão da comunicação”. A proposta já havia sido feita ao ministro pelo FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), no início do ano. Incrivelmente, o governo como um todo parece não estar convencido de que parte significativa da crise que enfrenta é porque se acovardou, nos últimos 12 anos, a alterar a estrutura do sistema midiático brasileiro…

Berzoini é um dos poucos que tem consciência sobre isso. Para ele, uma abordagem internacional, como a da Relatoria da OEA para a Liberdade de Expressão, pode ajudar o governo a fazer o debate sobre um novo marco regulatório para o setor no Brasil. O MiniCom está organizando, para novembro, um evento internacional para ouvir especialistas e experiências de outros países sobre regulação dos meios. Edison Lanza pode voltar ao país na ocasião.

Até lá, espera um convite do governo brasileiro para uma missão oficial ao Brasil, o que lhe permitiria viajar pelo território durante alguns dias e elaborar um informe mais global sobre a garantia – ou não – da liberdade de expressão no país. Enquanto isso não acontece, as organizações da sociedade civil e movimentos que se reuniram com o relator se comprometeram a manter a Comissão Interamericana de Direitos Humanos bem informada sobre os desafios enfrentados por aqui. E eles não são poucos.

* Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e integrante da Coordenação do Intervozes.  

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.