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AGU tenta conter vitórias obtidas nos tribunais contra concessões de rádio e TV para políticos

A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações na figura de amicus curiae, se reuniram na última quarta-feira (26) com o ministro Gilmar Mendes. O PSOL e as entidades entregaram ao relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379 uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas nas ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Segundo Bráulio Araújo, advogado do PSol, a “ jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

Araújo menciona na petição que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

Influência indevida de políticos
Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”. Araújo ainda relata que decisões tomadas em outros tribunais também reforçam o entendimento de que a Constituição veda a celebração de contratos públicos, entre os quais se encontram as permissões e as concessões de radiodifusão, firmados entre a Administração Pública e pessoas jurídicas que tenham como sócios os políticos titulares de mandato eletivo.

Um exemplo disso seria o julgamento de apelação (nº 102.771.5/0-00) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu que, “em virtude das incompatibilidades negociais previstas pelos artigos 54, I, “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Brasileira, empresa que possui políticos titulares de mandato eletivo como sócios não pode participar de licitação pública, nem pode firmar ou manter contratos com a Administração”. Outro exemplo seria a decisão sobre apelação cível (nº 2006.011311-6) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que anulou um contrato administrativo celebrado pelo Poder Público com uma empresa que tinha deputado federal como sócio-cotista, em razão da proibição prevista no artigo 54 da Constituição. O tribunal condenou os responsáveis pela celebração do contrato pelo crime de improbidade administrativa, além de ordenar a devolução dos valores recebidos.

Tribunais apontam inconstitucionalidade
Bráulio Araújo rebate as alegações da AGU sobre as ADPFs 246 e 379, de que “a Constituição não proíbe que políticos sejam sócios de empresas de radiodifusão”. Para ele, os tribunais têm dado uma resposta firme a esse discurso: “a Constituição proíbe sim, de forma clara, a participação de políticos como sócios de empresas de radiodifusão”. Para ele, as decisões judiciais tomadas até o momento dialogam com as duas ADPFs e têm sim se posicionado contra a prática inconstitucional de participação de políticos como sócios de empresas de radiodifusão. “Ao combater essa inconstitucionalidade, essas decisões estão promovendo a segurança jurídica, e não o contrário, como sustenta a AGU. Não há direito adquirido com a manutenção de práticas inconstitucionais”, declara o advogado.

A petição entregue pelo Intervozes, Artigo 19 e Partido Socialismo e Liberdade ao ministro Gilmar Mendes relata que “a tutela jurisdicional ordinária é o único instrumento que vem sendo capaz de combater essa prática inconstitucional, ainda que com os limites inerentes aos processos ordinários”, e solicita que seja indeferida a medida cautelar requerida pela AGU por flagrante falta de base legal. Agora, cabe ao relator da ação pedir à presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia, uma data para o julgamento do tema pelo plenário do tribunal.

“Ficamos surpresos com essa atuação da AGU. Claramente é uma resposta do governo federal a um pedido de deputados que começaram a ser condenados nas ações que o Ministério Público Federal moveu em seus estados de origem e que agora pretendem usar o STF para manter seus privilégios ilegais”, analisa Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, que esteve na reunião com o ministro Gilmar Mendes. O Intervozes é uma das organizações que formalizou uma representação, junto ao MPF em diferentes estados, contra o controle de emissoras de rádio e TV por políticos. “Em vez de coibir essa inconstitucionalidade, por meio do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, que outorga as licenças e tem o dever de fiscalizar o setor, o governo federal age para impedir que a Justiça atue no âmbito dos estados para barrar as ilegalidades. É uma vergonha. Esperamos que o Supremo não impeça os processos em andamento em todo o país e que julgue rapidamente as ADPFs, que já estão na Corte há bastante tempo”, conclui Bia.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Definidas comissões que farão análise das medidas sobre EBC e concessão de rádios e TVs

As comissões mistas encarregadas de analisar e emitir parecer sobre as Medidas Provisórias (MPs) 744/2016, que estabelece mudanças na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e 747/2016, que altera o processo de concessão de rádios e TVs, foram instaladas e elegeram seus presidentes e relatores na quarta-feira, dia 19 de outubro.

A MP 744/2016 prevê a extinção do Conselho Curador da EBC. Assim, a empresa passaria a ser administrada por um Conselho de Administração e por uma Diretoria-Executiva, mantendo em sua estrutura ainda um Conselho Fiscal. A medida também dá uma nova composição ao Conselho de Administração da empresa, reduzindo a Diretoria-Executiva em dois diretores, e estabelece que todos os membros serão nomeados e exonerados pelo Presidente da República.

Risco ao caráter público da EBC
A Medida Provisória nº 744 altera a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que criou a empresa. O Conselho Curador extinto pela MP é uma das principais conquistas da sociedade civil organizada com atuação no campo da comunicação. Afinal, uma gestão democrática só se estabelece de fato se houver um modelo de gestão com participação social – o que foi conquistado pelo Conselho Curador.

Outro retrocesso trazido pela MP 744 é o fim do mandato de diretor-presidente, que, pelo modelo previsto na lei, só poderia ser destituído por dois votos de desconfiança do Conselho Curador. Essa alteração faz com que o comando da empresa fique refém de nomeações e exonerações por parte da Presidência da República. A MP acaba por alterar o artigo da lei que reafirma a autonomia do sistema público de radiodifusão em relação ao governo federal para definir a produção, programação e distribuição de conteúdo.

Medida favorece aparelhamento
Segundo Jonas Valente, coordenador de formação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF e jornalista concursado da TV Brasil, com o discurso de “atacar o partidarismo e o aparelhamento pelo governo”, o atual governo federal retira os principais mecanismos que justamente protegiam a empresa – com todos os seus defeitos e limites – deste citado partidarismo e aparelhamento pelos governos de plantão.

“A MP escancara o que o governo Temer queria: extirpar o diretor-presidente indicado na época de Dilma Rousseff, acabar com a participação social na empresa e atacar os instrumentos concretos que configuravam o seu caráter público. Ou seja, na prática, a MP abre a porteira para a EBC voltar a fazer comunicação governamental”, lamenta.

Violações à Constituição Federal
A MP é mal vista por todos os segmentos sociais que defendem a democratização da comunicação, pelas entidades sindicais das categorias que atuam na EBC (jornalistas e radialistas) e pela Comissão de Empregados da empresa. No começo do mês, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, também se posicionou sobre a medida, dizendo que ela “traz violações formais e materiais à Constituição Federal”, e encaminhou para o Congresso Nacional nota técnica sobre o tema.

A Comissão que irá analisar a MP 744 será presidida pelo deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT), tendo o senador Paulo Rocha (PT-PA) como vice-presidente. Foram designados como relator o senador Lasier Martins (PDT-RS), e como relatora-revisora a deputada federal Angela Albino (PCdoB-SC). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 47 à Medida Provisória 744, que agora segue com a relatoria.

Mudanças na concessão de rádios e TVS
A MP 747/2016, por sua vez, altera o processo de concessão de rádios e TVs, determinando que interessados em renovar a concessão ou a permissão devem apresentar requerimento nos 12 meses anteriores ao término do respectivo prazo da outorga. As entidades que não fizerem o pedido de renovação no tempo previsto serão notificadas para que se manifestem em até 90 dias. Também será possível regularizar permissões que já estejam vencidas. Estas determinações “afrouxam” os deveres dos concessionários que prestam serviço por meio de uma concessão pública.

Na prática, a medida concede anistia ampla e geral às emissoras que estavam com suas concessões vencidas ou que não tinham solicitado a renovação no prazo legal. Quase a metade das emissoras de rádio de todo o país estão nesta situação, além de um grande número de emissoras de TV.

Discriminação às rádios comunitárias
Assim como a outra medida citada acima, também a MP 747 recebe duras críticas das entidades que defendem a democratização da comunicação. Isso porque ela discrimina a comunicação pública, anistiando outorgas privadas e permitindo que todas obtenham a renovação, mas deixando de fora as rádios comunitárias que também estão com a autorização vencida ou prestes a vencer.

O fato da MP 747 ignorar as rádios comunitárias que também precisam ter suas autorizações renovadas não é casual. O governo de Michel Temer deixou de lançar dezenas de editais previstos para a criação de novas emissoras comunitárias, prejudicando estas comunidades e impedindo as rádios de fazer publicidade.

A comissão mista da MP 747/2016 será presidida pelo senador Cidinho Santos (PR-MT), tendo como vice a deputada Gorete Pereira (PR). O relatório será elaborado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) e a relatora-revisora será a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 41 emendas à medida provisória, que tem como prazo final de funcionamento o dia 1º de dezembro, podendo ser prorrogado por mais 60 dias. A matéria segue neste momento com a relatoria.

O que são as medidas provisórias?
Medida provisória é um instrumento com força de lei elaborado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, cujo prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. O documento legal produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para sua transformação definitiva em lei.

Depois de aprovada na Câmara e no Senado, a MP (ou o projeto de lei de conversão, se houver modificação do texto original) é enviada à Presidência da República para sanção. O presidente tem a prerrogativa de vetar o texto de forma parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso Nacional.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Globo usa ‘A Lei do Amor’ para desinformar sobre regulação da mídia

Novela das 21h faz associação mentirosa entre “regulamentação da mídia” e silenciamento de jornalistas; emissora impõe censura a vídeo

Por André Pasti*

A televisão segue exercendo um papel central na difusão de ideias na sociedade brasileira: 95% dos brasileiros assistem televisão, 73% diariamente, com uma média de quatro horas e meia por dia em frente ao televisor. Os dados são da última Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Consciente desse papel, o Grupo Globo continua usando sua rede de emissoras na TV aberta e seus canais na televisão paga para defender seus interesses políticos e econômicos, atuando com velhas e desonestas práticas.

O episódio da última sexta-feira 14 da novela A Lei do Amor foi mais um capítulo da história de desinformação do Grupo Globo. Em uma passagem do folhetim a emissora fez uma associação enganosa entre uma ameaça à liberdade de um jornalista com a “regulamentação da mídia”. Assista aqui ao vídeo.

A associação entre a violência da vilã da trama, que tenta calar um jornalista investigativo, à proposta de “regulamentação da mídia” é mentirosa e irresponsável, isso sem falar na confusão criada com o uso errado da terminologia.

Novela A lei do Amor

A Globo deixa evidente sua intenção de confundir o telespectador sobre o debate de regulação dos meios de comunicação, sendo este mais um ataque entre muitos que a empresa já cometeu em todas as ocasiões que a proposta de regulamentação ganhou visibilidade.

Enquanto o tema é tratado de forma enviesada na novela – ficção voltada ao entretenimento – a emissora faz total silêncio sobre ele em seu jornalismo diário. As poucas vezes em que a regulação da mídia foi tratada nos programas jornalísticos acabou sendo associada à “censura”, quase sempre numa crítica inoportuna aos processos de regulação realizados em países vizinhos.

Apesar do respaldo de órgãos internacionais sobre o tema – ONU e OEA defendem a necessária regulação dos meios de comunicação – na maioria das abordagens feitas nos telejornais, não há debate ou consulta a especialistas na temática ou porta-vozes destas instituições.

O que significa “regulamentação da mídia”?

A regulação da mídia corresponde, na verdade, a uma demanda histórica por regulamentar o capítulo V da Constituição de 1988, que trata da Comunicação Social. A ausência da regulamentação dos artigos constitucionais – artigos 220 ao 224 – demonstra um impasse que a sociedade brasileira ainda não superou: o de ampliar as vozes para além de sua elite política e econômica.

A Constituição proíbe a formação de monopólios ou oligopólios da comunicação, estabelece que parte da programação deve ter fins educativos e culturais e que o sistema de comunicação deve ser plural e não dominado apenas pela mídia comercial.

Ainda assim, desde 1988 nenhuma lei que regulamente e detalhe esses dispositivos foi aprovada e sancionada pela Presidência da República – órgão exclusivamente responsável pela regulamentação no país. A regulamentação de tais artigos é condição fundamental para que os princípios constitucionais sejam aplicados.

Tal regulamentação também pretende garantir que o sistema de comunicação no país seja mais bem regulado pelos órgãos competentes, já que garantiria o aparato legal para a regulação dos meios.

Na ausência de regulamentação da Constituição, as ações de regulação do setor acabam sendo objeto de disputas políticas e interpretações variadas e quem perde com isso, obviamente, é o cidadão que, na maioria das vezes, não possui as condições necessárias para intervir nestas disputas.

Para exemplificar este raciocínio, em 2013, o então ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, usou como subterfúgio para ignorar o art. 54 da Constituição, que proíbe concessão de rádio e TV para políticos em exercício, o fato de não haver regulamentação do referido artigo.

E por que a Globo é contra a regulamentação? Porque hoje ela está fora da lei. Segundo o parágrafo 5º do art. 220 da Constituição “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

A regulamentação deste parágrafo garantiria as atribuições necessárias para corrigir essa grande distorção que é a concentração de propriedade dos meios de comunicação no país.

Além disso, a empresa protagoniza outra violação gravíssima – ao art. 54 da Carta Magna – já que possui vários concessionários em sua rede de afiliadas que são políticos em exercício de cargo, o que também é proibido.

Por esses motivos, todas as vezes que o debate sobre regulamentação ou regulação da comunicação aparece ele é silenciado ou atacado pela empresa. Assim como faz agora na novela, a Globo sempre acusa quem defende o fim do monopólio midiático de querer “calar” a imprensa.

Quem censura quem?

Embora a Globo tente colocar no movimento em defesa da democratização dos meios de comunicação a pecha de censores, tem sido ela que, ao longo dos últimos anos, vem retirando do ar trechos de seus programas de TV usados por movimentos sociais para fazer a denúncia ao monopólio.

Na maioria das vezes a empresa se utiliza da prerrogativa legal dos “direitos autorais” para conseguir retirar tais trechos do ar, como se a intenção de quem expõe tais conteúdos nas plataformas online fosse auferir lucro ou audiência a partir de sua reprodução. Em outras palavras, o que a Globo faz é justamente censurar aqueles que pensam diferente.

Vídeo Censurado

O vídeo aqui citado, que trazia um pequeno trecho (menos de 1 minuto) da novela A Lei do Amor como forma de denunciar a desfaçatez da emissora com a pauta da regulamentação da Constituição foi retirado do ar pelo Youtube horas após ser publicado, obviamente, a pedido da emissora.

Usado para fins de crítica ao próprio conteúdo produzido, tal vídeo não configura violação da lei de proteção dos direitos autorais. Para ficar evidente o absurdo, seria o mesmo que proibir um autor de citar um trecho de um livro para criticá-lo, como se faz, regularmente em qualquer crítica literária ou trabalho acadêmico.

Ao interditar um debate direto, amplo e transparente sobre a regulação da mídia é que os meios monopolizados realizam, esses sim, uma censura. Esse poder desproporcional de controle das narrativas de grande circulação é danoso à democracia e à necessária pluralidade e diversidade de vozes em circulação na sociedade.

Assim, o avanço da censura online é mais um motivo para promovermos a regulação na comunicação de forma a não ficarmos à mercê dos interesses dos grandes monopólios, sejam eles de rádio, TV ou de empresas de telecomunicações.

Os danos do monopólio

Este ataque à liberdade de expressão cometido pela Globo não é um caso isolado. A grande mídia teve e tem um papel central nas narrativas que viabilizaram o golpe em curso no Brasil e atuam, agora, na sustentação do projeto de desmonte dos direitos sociais e da Constituição de 1988. Isso sem falar que a emissora já demonstrou desapreço pela democracia brasileira.

A Globo, especialmente, tem publicado as versões de defesa de Temer a cada ataque que ele recebe nas redes e nas ruas, funcionando como uma assessoria de imprensa contratada pelo governo.

O canal Globo News opera cotidianamente como órgão de “propaganda” das medidas propostas por Temer. É nítido que o tratamento dado a Temer é oposto ao que o Grupo dava ao governo Dilma e à maneira que trata os movimentos sociais.

Nesta última semana, com a prisão de Eduardo Cunha, a narrativa de que “a prisão de Cunha desmontaria a tese de perseguição de Moro ao PT” foi repetida inúmeras vezes, buscando dar legitimidade à Lava Jato e a um eventual pedido de prisão do ex-presidente Lula. Essa narrativa de Moro – o juíz que vazou áudios ao Jornal Nacional – segue sendo defendida acriticamente pela Globo.

Da participação no impeachment à defesa das propostas mais impopulares do governo Temer, como a PEC 241 e a Reforma Trabalhista (que o próprio governo está temeroso em iniciar, tamanha sua impopularidade), a cobertura do Grupo Globo tem trazido pouquíssimas vozes críticas e dissonantes. Além disso, vem silenciando sistematicamente os protestos e manifestações contrárias ao governo.

Por esses motivos, a Semana Nacional da Democratização da Comunicação trouxe, neste ano, o tema “Defender a Liberdade de expressão em tempos de golpe”. Uma das ações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) foi o lançamento da campanha “Calar Jamais”, contra as violações do direito à comunicação.

Além disso, desde 2014, um projeto de lei de iniciativa popular batizado de “Lei da Mídia Democrática”, que visa regulamentar os artigos constitucionais e regular os meios de comunicação, vem sendo debatido com a sociedade.

O objetivo da proposta é estabelecer condições positivas para ampliar a diversidade e a pluralidade de vozes na sociedade, buscando garantir efetivamente a liberdade de expressão de todos e combater a monopolização da mídia.

Quem deseja que o monopólio midiático pare de censurar debates importantes da sociedade, de impor uma visão única sobre a realidade e de proteger as violações de direitos que estão em curso deve defender imediatamente uma regulação da mídia que promova mais vozes e o fim do monopólio.

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* André Pasti é doutorando em Geografia Humana na USP, professor do Cotuca/Unicamp e integrante do Intervozes. Colaborou Marina Pita.

Conselho Nacional do Congresso aprova relatório contra MP que extingue Conselho Curador da EBC

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional aprovou nesta segunda-feira, 10, relatório que contesta a Medida Provisória (MP) 744/2016, do governo federal, que extingue o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A MP 744/2016 foi editada em setembro e trouxe como principais mudanças o fim do mandato fixo do diretor-presidente da empresa, a redução da diretoria executiva da EBC de oito para seis integrantes e a extinção do conselho curador. Já à época, os conselheiros consideraram a decisão do governo como “equivocada”, já que realizava as alterações por meio de uma MP – que tem força de lei desde a sua edição. Ou seja, a decisão foi unilateral, sem a oportunidade de debate prévio.

O relator da manifestação do CCS, conselheiro Davi Emerich, lembra que a iniciativa privada se consolidou na comunicação no Brasil por meio de modelos de negócio marcados por benefícios públicos. Para ele, o Estado brasileiro também foi tímido em organizar a participação pública na comunicação, prejudicando a estabilidade de suas próprias ações e a formulação de novos conceitos que pudessem colaborar com o desenvolvimento das sociedades. Segundo Emerich no relatório, “essa incompetência – às vezes até por motivação ideológica – se verifica principalmente quando se discute a necessidade de criação de modelos comunicativos radicalmente públicos, infensos ou pouco infensos às investidas do próprio Estado, do mercado e de outras esferas de interesses privados e corporativos”.

Emerich reforça que a lei que criou a EBC (Lei 11.652/2008) concedeu ao Conselho Curador a missão de zelar pela autonomia da empresa, impedindo interferências do governo ou do mercado sobre a programação da comunicação pública. Com o fim do colegiado, “as declarações de intenção feitas na lei perdem a materialidade”, frisa ele. O conselheiro destaca que, com a extinção do conselho, a empresa tende a responder às orientações e ordens do Executivo, e não da sociedade, como estabelece um princípio da lei de criação da empresa. O que a leva a uma condição de mera empresa estatal.

Walter Ceneviva, que acompanhou o relatório no que diz respeito à defesa da EBC, diverge quanto à atuação do conselho curador. Segundo ele, quando se lê os relatórios deste conselho, percebe-se que o mesmo “não cumpriu sua missão”. Avaliação esta que é contestada pelo conselheiro Nascimento Silva, que lembra que várias das críticas direcionadas ao funcionamento da EBC têm como fonte justamente a atuação do conselho curador da empresa. A crítica com base na leitura dos relatórios, segundo Nascimento, é uma demonstração de que o conselho curador vinha cumprindo seu papel, que inclui exatamente a emissão desses relatórios.

Audiência e interesse público

Uma das críticas levantadas por quem defende a extinção da EBC é a falta de audiência da TV Brasil. Essa ideia é rebatida pelo conselheiro Emerich, que é firme ao afirmar que a “medição de audiência é própria das empresas de fim comercial – o que não é o caso da EBC nem de outras empresas públicas de comunicação”. Para essas emissoras, segundo o conselheiro, o ideal é avaliar outro tipo de eficiência, como a capacidade de criar programas que possam promover novos debates (os quais as emissoras comerciais não têm interesse em realizar).

Como conclusão do relatório, Davi Emerich aponta para algumas exposições pontuais que devem ser encampadas pelo Congresso. “Talvez o mais prudente seja resgatar, por meio de um projeto de lei de conversão, as prerrogativas do conselho curador, instrumento hoje disponível para que as ações da EBC sejam acompanhadas e fiscalizadas pela sociedade em sua pluralidade”, destaca ele. O Conselho de Comunicação Social ainda sugere a criação de uma comissão temporária mista de senadores e deputados e a realização de audiências públicas para discutir, formular e propor um novo modelo de comunicação pública, tendo por base a EBC e sua experiência.

A comissão especial do Congresso Nacional que vai analisar a MP que extingue o conselho curador da EBC ainda não foi instalada. A MP já recebeu 47 emendas, a maioria pedindo a restituição da configuração original da empresa.

Outorgas da TV por assinatura

O CCS decidiu criar uma comissão para acompanhar o projeto de lei que admite a possibilidade de adaptação das outorgas do serviço de TV por assinatura para serviços de radiodifusão de sons e imagens (PL 2611/2015). O projeto não passou por nenhum debate público que pudesse esclarecer ou ampliar as informações sobre a questão e não leva em consideração o caráter de concessão pública da radiodifusão.

As outorgas de televisão por assinatura existem desde 1988. Algumas foram transferidas ao longo do tempo e acabaram na mão de grupos religiosos. Outras seguem sob o controle de grupos de mídia. Nenhuma conseguiu viabilizar operações de TV paga e todos os empresários envolvidos sonham em transformá-las definitivamente em serviços de radiodifusão.

O problema é que a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, discutida entre 2007 e 2011, estabeleceu que nenhuma das outorgas em questão seria renovada. Se aprovada em caráter definitivo, a proposta vai “anistiar” 25 outorgas ainda existentes e que deveriam ser extintas ao final do prazo de vigência.

A proposta, de autoria do deputado Marcos Soares (PR-RJ) – filho de RR Soares, proprietário de algumas dessas outorgas –, está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O conselheiro Nascimento Silva foi designado relator dentro da nova comissão do CCS.

Conselho de Comunicação Social (CCS)

O Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional é formado por membros da sociedade civil e representantes das empresas de mídia nacionais. O órgão tem por atribuição apresentar estudos e pareceres sobre projetos relacionados aos temas de comunicação social e da liberdade de expressão. Composto por 13 titulares e 13 suplentes, o CCS atua como órgão auxiliar do Congresso Nacional, conforme determina o artigo 224 da Constituição Federal.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Projeto de Lei pretende transformar outorgas de TV por sinal fechado em canais abertos

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (05), o Projeto de Lei 2611/2015, que altera a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, inserindo a possibilidade de adaptação das outorgas de TV por assinatura para serviços de radiodifusão de sons e imagens.

De autoria do deputado Marcos Soares (DEM-RJ), o PL 2611/2015 chegou a ser apensado às proposições analisadas pela Comissão Especial de Telecomunicações, mas acabou separado em funçãode um possível “atrito religioso”. O autor da proposta é filho do missionário RR Soares, fundador daIgreja Internacional da Graça de Deus e “proprietário” de algumas outorgas de TV por assinatura. Segundo informações do portal TeleSintese, a perspectiva de transformar canais de sinal fechado em canais de televisão aberta foi repudiada por deputados ligados à Igreja Universal.

O relator do projeto, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), deu parecer favorável à aprovação damatéria, por entender que “é franqueado às atuais TVAs [emissoras de TV por assinatura] uma adaptação plenamente plausível e viável do ponto de vista técnico e histórico, dadas as semelhanças com o serviço de radiodifusão”.

Entretanto, a proposta não passou por nenhum debate público que pudesse esclarecer ou ampliar as informações sobre a questão. Também não leva em consideração o caráter de concessão pública daradiodifusão.

Prazo de vigência

As outorgas de televisão por assinatura existem desde 1988. Algumas foram transferidas ao longo do tempo e acabaram na mão de grupos religiosos. Outras seguem sob o controle de grupos de mídia. Nenhuma conseguiu viabilizar operações de TV paga e todos os empresários envolvidos sonham em transformá-las definitivamente em serviços de radiodifusão.

O problema é que a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, discutida entre 2007 e 2011, estabeleceu que nenhuma das outorgas em questão será renovada. É justamente isso que os grupos detentores querem mudar. As autorizações vencem em 2018.

Se aprovada em caráter definitivo, a proposta vai “anistiar” 25 outorgas ainda existentes e que deveriam ser extintas ao final do prazo de vigência. A proposta segue agora para apreciação daComissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

MP anistia concessões vencidas

Essas movimentações abrem um debate sobre a pressa do governo federal em agradar alguns setores após o processo de impeachment. Na segunda-feira (3), o Diário Oficial da União trazia a Medida Provisória 747/2016, que altera as regras dos processos de renovação de outorga dos serviços de rádioe de televisão estabelecidas na Lei 5.785/1972.

A MP 747/2016 possibilita a regularização das concessões que se encontrem vencidas em um prazo de 90 dias, desde que o Congresso Nacional não tenha deliberado sobre a extinção das outorgas.

O texto diz que as emissoras de rádio e TV poderão funcionar em “caráter precário”, caso a concessãotenha vencido antes da decisão sobre o pedido de renovação. Sendo assim, a emissora terá uma licença provisória de funcionamento até a definição da renovação da outorga pelo Ministério das Comunicaçõese pelo Congresso Nacional.

Transferências de controle

A MP 747/2016 ainda dá anuência para a transferência direta (que ocorre quando a emissora muda de controle e de razão social), dependendo apenas da finalização do processo. Ou seja, a transferência só será deferida após concluída a instrução do processo de renovação no ministério.

No caso de transferência indireta (quando há mudança de controle, mas a razão social é mantida), determina que o novo controlador terá 90 dias para efetivar a alteração societária.

A Medida Provisória trata apenas de concessões e permissões, excluindo as emissoras comunitárias – que funcionam por autorização. A anistia já vinha sendo tratada no governo Dilma, porém havia a expectativa de que ocorresse uma negociação de contrapartida e que se estendesse o alcance da mesma também para os radiodifusores comunitários.

Radiodifusão comunitária

Para Samuel Possebon, jornalista da Converge Comunicações, existe confusão quanto aos critérios de contagem do tempo. A única punição pela perda do prazo é a perda de outorga, o que cria distorções. Além disso, há dificuldade para que o Ministério das Comunicações processe no tempo adequado todos os pedidos, o que, por sua vez, resulta em longas filas. “Tudo isso seria justificativa para a edição damedida provisória, mas a falta de isonomia com a radiodifusão comunitária é algo a ser explicado”, aponta ele.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação