A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.
Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações na figura de amicus curiae, se reuniram na última quarta-feira (26) com o ministro Gilmar Mendes. O PSOL e as entidades entregaram ao relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379 uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas nas ADPFs.
As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Segundo Bráulio Araújo, advogado do PSol, a “ jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”
Araújo menciona na petição que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.
Influência indevida de políticos
Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”. Araújo ainda relata que decisões tomadas em outros tribunais também reforçam o entendimento de que a Constituição veda a celebração de contratos públicos, entre os quais se encontram as permissões e as concessões de radiodifusão, firmados entre a Administração Pública e pessoas jurídicas que tenham como sócios os políticos titulares de mandato eletivo.
Um exemplo disso seria o julgamento de apelação (nº 102.771.5/0-00) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu que, “em virtude das incompatibilidades negociais previstas pelos artigos 54, I, “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Brasileira, empresa que possui políticos titulares de mandato eletivo como sócios não pode participar de licitação pública, nem pode firmar ou manter contratos com a Administração”. Outro exemplo seria a decisão sobre apelação cível (nº 2006.011311-6) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que anulou um contrato administrativo celebrado pelo Poder Público com uma empresa que tinha deputado federal como sócio-cotista, em razão da proibição prevista no artigo 54 da Constituição. O tribunal condenou os responsáveis pela celebração do contrato pelo crime de improbidade administrativa, além de ordenar a devolução dos valores recebidos.
Tribunais apontam inconstitucionalidade
Bráulio Araújo rebate as alegações da AGU sobre as ADPFs 246 e 379, de que “a Constituição não proíbe que políticos sejam sócios de empresas de radiodifusão”. Para ele, os tribunais têm dado uma resposta firme a esse discurso: “a Constituição proíbe sim, de forma clara, a participação de políticos como sócios de empresas de radiodifusão”. Para ele, as decisões judiciais tomadas até o momento dialogam com as duas ADPFs e têm sim se posicionado contra a prática inconstitucional de participação de políticos como sócios de empresas de radiodifusão. “Ao combater essa inconstitucionalidade, essas decisões estão promovendo a segurança jurídica, e não o contrário, como sustenta a AGU. Não há direito adquirido com a manutenção de práticas inconstitucionais”, declara o advogado.
A petição entregue pelo Intervozes, Artigo 19 e Partido Socialismo e Liberdade ao ministro Gilmar Mendes relata que “a tutela jurisdicional ordinária é o único instrumento que vem sendo capaz de combater essa prática inconstitucional, ainda que com os limites inerentes aos processos ordinários”, e solicita que seja indeferida a medida cautelar requerida pela AGU por flagrante falta de base legal. Agora, cabe ao relator da ação pedir à presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia, uma data para o julgamento do tema pelo plenário do tribunal.
“Ficamos surpresos com essa atuação da AGU. Claramente é uma resposta do governo federal a um pedido de deputados que começaram a ser condenados nas ações que o Ministério Público Federal moveu em seus estados de origem e que agora pretendem usar o STF para manter seus privilégios ilegais”, analisa Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, que esteve na reunião com o ministro Gilmar Mendes. O Intervozes é uma das organizações que formalizou uma representação, junto ao MPF em diferentes estados, contra o controle de emissoras de rádio e TV por políticos. “Em vez de coibir essa inconstitucionalidade, por meio do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, que outorga as licenças e tem o dever de fiscalizar o setor, o governo federal age para impedir que a Justiça atue no âmbito dos estados para barrar as ilegalidades. É uma vergonha. Esperamos que o Supremo não impeça os processos em andamento em todo o país e que julgue rapidamente as ADPFs, que já estão na Corte há bastante tempo”, conclui Bia.
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação