Globo admite erro sobre ditadura. E o resto?

No sábado 31, por meio de editorial, o jornal O Globo reconheceu ter errado ao apoiar o golpe e a ditadura militar, que, ao longo de duas décadas, enterraram a democracia em nosso país, com consequências que perduram até os dias de hoje. Admitir um erro é um grande avanço, mas é preciso refletir sobre como a Globo o fez e qual o alcance dessas "desculpas".

Os historiadores podem analisar muito melhor do que nós os fatos elencados pelo jornal para, logo após reafirmar seu "apego pelos valores democráticos", justificar a opção feita na época por Roberto Marinho, insistentemente relembrado como alguém que "sempre esteve ao lado da legalidade". Em cinco linhas o periódico admite o erro; em 50 ele explica porque o pratico. Nem os colegas de imprensa – Folha, Estadão, Jornal do Brasil e Correio da Manhã – também defensores do golpe, escaparam dos argumentos do Globo para dizer "eu errei, mas "todo mundo" errou também".

A realidade é que, por mais que o Globo tente nos fazer crer que sua tardia auto-crítica "não é de hoje, vem de discussões internas de anos", foi o grito das ruas que forçou sua confissão. Nos protestos de junho, a grande mídia – ao lado das demais instituições em crise de representatividade – também se tornou alvo. Parcela significativa da população brasileira deu visibilidade àquilo que o movimento de luta pela democratização das comunicações diz há muito tempo: chega de monopólio! Queremos mais diversidade e mais pluralidade! O povo tem direito e quer exercer sua liberdade de expressão!

Felizmente, essa crítica não arrefeceu de junho para cá. Na última sexta-feira, em São Paulo, assim como em outros estados do país, o 2º Grande Ato contra o Monopólio da Mídia teve novamente a sede da Rede Globo como cenário. Uma enorme bandeira denunciava a relação entre a Globo e o senador Fernando Collor e pedia que o Supremo Tribunal Federal julgue procedente a ADPF 246, que questiona a outorga e a renovação de concessões de radiodifusão a quem possui mandato eletivo, seja como sócio ou associado das empresas concessionárias de rádio e TV.

Sem acesso e representação nos meios de comunicação de massa, os manifestantes mais uma vez ocuparam a mídia pelas pelas frestas. Com feixes de luz, invadiram pela segunda vez o estúdio do SPTV, jornal paulista da TV Globo, pintando de verde a apresentadora Monalisa Perroni, que falava ao vivo para milhões de telespectadores. Nas pareces da emissora, foram projetadas as palavras invisíveis na programação da TV: "Globo Sonega", "Globo Mente", "Globo Collor" e "Ocupe a Mídia".

O editorial do Globo também ignora que, diante das ações que marcaram – e continuam marcando – a história da Rede Globo, é preciso ir além. Primeiro, falta reconhecer que a Rede Globo teve inúmeros benefícios em troca do apoio à Ditadura Militar, como o acordo inconstitucional com a empresa Time-Life, que permitiu que a Globo tenha se tornado um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo. Falta reconhecer que o grupo escondeu durantes anos a campanha pelas Diretas Já! Que também errou, em 1989, ao favorecer o então candidato à Presidência da República, Fernando Collor de Mello, com uma edição manipuladora do último debate eleitoral. Falta admitir que esse mesmo ex-Presidente deposto pela pressão popular hoje controla a retransmissora da Globo em Alagoas.

Mais do que nunca, falta admitir que, atualmente, o grande ataque à democracia brasileira reside no fato de possuirmos um dos sistemas de comunicação social mais concentrados do mundo. Tal situação é sustentada pela emissora e defendida em sua movimentação constante nos corredores de Brasília. Ao continuar se negando a levar ao debate público a necessidade de um novo marco regulatório para o setor no país, a Globo impede que a democracia chegue também aos meios de comunicação de massa.

O clamor das ruas, no entanto, revela que esta pauta não pode mais ser adiada. Ao contrário do que prega a grande mídia, os manifestantes sabem muito bem o que estão fazendo e o que querem. Seja com com raios lasers em estúdios; projeções nas paredes ou bandeiras e cartazes nas ruas, a mensagem é clara: é preciso democratizar a mídia. Se, antes, poucos apostariam ser possível ver as ruas repletas de pessoas dispostas a questionar o poder inabalável da máquina de sedução do monopólio midiático, hoje estamos vendo demonstrações cada vez mais fortes de que esse é um debate imprescindível para o Brasil.

Mas, assim como apoiadores da ditadura não vêm a público por livre e espontânea vontade admitir seus erros, não será da boca de quem detém o monopólio da fala que sairá a defesa de leis que permitam maior diversidade e pluralidade na comunicação. Por uma lei da mídia democrática, o povo saiu às ruas e nelas se manterá, até que a democracia possa vencer novamente.

*Pedro Ekman é integrante da Coordenação Executiva do Intervozes

Conselho de Comunicação sai da “geladeira” em Alagoas

Após seis anos de espera, o Conselho Estadual de Comunicação de Alagoas teve sua nova composição divulgada no Diário Oficial pelo governo do estado. A medida é fruto da articulação dos movimentos sociais que pautam o tema no estado, organizados, sobretudo, pelo comitê regional do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).

O Conselho foi criado no ano de 2006, através de decreto do então governador Ronaldo Lessa. O espaço, apesar de estabelecido de maneira precária (por meio de decreto e consultivo, não levando em conta a constituição do estado que determina sua aprovação pela Assembleia Legislativa e com poderes de deliberação), foi o primeiro a ser criado, no Brasil, em nível estadual para se debater políticas de comunicação.

O conselho representa dois passos importantes para Alagoas. O primeiro em direção à democracia. Uma população pouco acostumada a intervir nos rumos do estado, onde a dependência econômica da cultura da canavieira entrelaça passado e presente, os mecanismos de participação surgem como ferramentas estratégicas para cobrar ações.

O segundo passo caminha para a pluralização de ideias sobre as políticas de comunicação. Com as concessões de emissoras de rádio e TV sob administração de líderes políticos, o proselitismo institucionalizado dificulta a transmissão de opiniões fora do circuito deliberado por esses administradores.

A nova composição do conselho foi decretada pelo governador Teotônio Vilela Filho mas ainda não foi convocada a posse. Espera-se que o espaço volte a atuar o quanto antes, pois já se passaram seis anos e a pauta nunca foi tratada com prioridade pelo governo. A população do estado não pode mais ficar no aguardo desta discussão, afinal, Alagoas tem pressa.

*Marcos Moreira é integrante do Intervozes

Lei da Mídia Democrática: um passo rumo à pluralidade

O Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática foi lançado nacionalmente, nesta quinta-feira, na Câmara dos Deputados, durante ato que contou com a participação de cerca de cinquenta organizações da sociedade civil organizada, dentre as quais movimentos sociais e sindicatos; mais de uma dezena de parlamentares; artistas; intelectuais e ativistas. A reunião de tantos segmentos em torno da proposta mostra a urgência de pôr fim à concentração midiática no Brasil, situação que historicamente marca o sistema de comunicações deste país e que tem resultado em violação de direitos e cerceamento de liberdades.

Quando o cantor, compositor e instrumentista Sergival recitou o Cordel da Regulamentação da Comunicação, logo na abertura do ato, ficou claro o que se pretende com a nova lei: multiplicar os sotaques que circulam pelas ondas do rádio e da TV; expressar toda a diversidade cultural que enriquece o país, mas que é tantas vezes silenciada pela mídia. A expectativa é que a nova legislação seja capaz de promover a liberdade de expressão e o direito humano à comunicação, respeitando e garantindo a diversidade e a pluralidade na mídia, princípios já previstos na Constituição Federal de 1988, mas ainda não assegurados, devido à ausência de regulamentação dos artigos que tratam do tema.

Importante destacar que a elaboração deste projeto de lei resulta de um acúmulo de debates realizados por, pelo menos 20 anos. É mais um passo de uma história que teve inúmeros capítulos, dentre eles o largo processo participativo no campo das comunicações que envolveu diferentes grupos de interesse (empresariado, sociedade civil, poder público): a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009. Bastante lembrada no ato de hoje, a 1ª Confecom não só fortaleceu e ampliou o debate sobre liberdade de expressão, direito humano à comunicação e regulação do setor, como produziu mais de 600 propostas de leis e políticas públicas que objetivavam tornar o sistema mais diverso e, com isso, contribuir para o aprofundamento e a consolidação da democracia brasileira.

Além disso, as propostas aprovadas na Conferência e contidas no Projeto de Lei também buscam tornar o marco político e normativo das comunicações atualizado em relação às mudanças tecnológicas e políticas pelas quais o Brasil passou ao longo das últimas décadas. Como lembrou a coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, “A legislação (de comunicação) tem mais de 50 anos. Vivemos em um outro momento de democracia que precisa respeitar o direito dos negros, das mulheres dos índios, do povo do campo, das favelas. É preciso repensar essa estrutura de comunicação”.

Não há mais o que esperar. Colocar este projeto na rua para que, atingidas as assinaturas necessárias, passe a tramitar como um Projeto de Lei devidamente registrado no Congresso Nacional e, quem sabe, venha a ser aprovada a proposta é ver atendida a reivindicação por uma nova regulação para as comunicações brasileiras que vem da Assembleia Nacional Constituinte, da 1ª Confecom, das diversas plenárias da sociedade civil organizada, dos movimentos negros, de mulheres e em defesa dos direitos humanos. E mais do que isso: é promover uma mudança radicalmente positiva em um sistema tão marcado pela concentração e pelo autoritarismo. Um setor em que, a despeito dos mais de 20 anos da chamada Constituição Cidadã, a democracia ainda não chegou.

* Cecília Bizerra Sousa é jornalista, integrante do Intervozes, mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação na Universidade de Brasília e Analista Técnica de Políticas Sociais da Seppir

Deputados são pressionados por operadoras de telecom para acabar com a Internet livre

O projeto de lei (PL), que prevê a criação do Marco Civil da Internet (2.126/2011), foi apresentado pelo governo federal como umas das principais respostas às denúncias de que o governo dos Estados Unidos teria montado um esquema de espionagem que incluiria a interceptação de dados em diversos países, inclusive no Brasil.

No entanto, a disputa em torno do PL do Marco Civil vai além das questões de espionagem. O lobby das empresas de telecomunicações – que são, inclusive, acusadas de participar do esquema de monitoramento do governo americano – pretende acabar com o modelo de Internet historicamente constituído e consolidado, sobretudo, nos acessos fixos.

Internet livre, neste caso, significa que os usuários têm direito a contratar o serviço, podendo navegar à vontade na velocidade que escolheram, sem nenhum tipo de interferência ou limitador. Essa garantia ficou conhecida como “neutralidade de rede”. Ou seja, a rede não deve dar tratamento diferenciado a ninguém.

Fazendo um paralelo com uma estrada, a operadora estaria proibida de cobrar pedágio de uns e não de outros. Pois é exatamente o que propõem as empresas de telecomunicações. Elas querem ter total controle sobre o tipo de conteúdo que trafega na Internet. Isso atenta contra uma característica fundamental da rede, coloca o poder de escolha do acesso nas mãos das operadoras e traz dois tipos de prejuízos.

O primeiro é mais direto para o usuário. Seriam criadas “classes” de clientes conforme um volume de dados, não pela velocidade. Quem usar mais (para baixar músicas, vídeos) paga mais. Os pacotes mais baratos (e mais acessíveis à grande maioria dos internautas) teriam poucos aplicativos, e-mails e acesso a sites, entre outras coisas. Seria como fazer da Internet uma TV a Cabo, você conseguiria acessar o que o seu poder aquisitivo permitir.

Além disso, a criação de “franquias de dados” poderia fazer com que as empresas de infraestrutura segurassem investimentos. Quando a rede estiver saturada, a velocidade cai. Esse modelo freia o desenvolvimento do país. Em um cenário no qual a empresa tem que assegurar o tráfego em uma velocidade contratada, sem limite de dados, ela precisa ampliar a rede para poder vender mais pacotes. Isso evita o risco de “apagões” e melhora a qualidade do serviço.

Essa mudança patrocinada pelas operadoras feriria o princípio de que o direito de escolha do que acessar é do usuário. Poderia, ainda, trazer aumento do preço dos pacotes com mais capacidade de uso. O Brasil iria na contramão do mundo, que caminha para assegurar um acesso na web cada vez maior e com mais velocidade.

O segundo prejuízo é para a democracia. As operadoras poderiam discriminar os sites, facilitando a visualização de uns em detrimento de outros. Com isso, os grandes conglomerados de mídia, que tivessem dinheiro para fazer acordos com as empresas de telecomunicação, teriam acesso “facilitado”. Por exemplo: a pessoa preferiria acessar o portal Terra, e não um blog, porque o primeiro demoraria menos tempo para baixar. Ou optaria pelo Gmail, e não por um provedor local, porque o primeiro seria mais rápido.

As empresas de telecomunicação pressionam agora o governo e os parlamentares para incluir a franquia de dados no artigo 9º do substitutivo do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator da matéria. Querem colocar uma garantia de mercado em algo que deveria ser a carta de princípios da Internet no país. Com o modelo de negócios, ameaçam a Internet em um de seus pilares mais fundamentais. E avançam sobre o controle da rede, o que, como as denúncias de Edward Snowden já mostraram, abre espaço para a invasão da privacidade dos usuários.

Enquanto isso, a campanha 'Banda Larga é um Direito Seu' cobra do governo, do relator e de deputados a necessidade de assegurar a neutralidade de rede no texto que vai à votação. Uma luta difícil e que precisa do apoio de quem quer continuar a acessar a Rede Mundial de Computadores sem ter que pagar pedágios (visíveis ou não).

Quer saber como começar? Divulgue que a nossa Internet está em risco. E cobre do seu parlamentar o apoio ao Marco Civil com a neutralidade de rede.

* Jonas Valente é membro do Conselho Diretor do Intervozes e mestre em Comunicação Social

Indígenas, quilombolas e assentados excluídos do mapa das outorgas

O seminário “Rádios Comunitárias Para Todos os Povos”, realizado pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil), em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), promoveu a discussão sobre o direito à comunicação de populações indígenas, comunidades tradicionais e em áreas rurais do país, no dia 29 de agosto, na cidade de Belém.  O evento reúne poder público e sociedade civil para refletir sobre políticas públicas em comunicação para esses grupos, com foco na radiodifusão comunitária.

A pesquisadora da Universidade Federal do Pará Rosane Steinbrenner considera que “quando a discussão de democratização da comunicação se volta para esses povos, nós estamos lidando com a situação mais aguda”. A professora explicou aos presentes no evento que a discussão lida com a construção da identidade vinculada a um território, o que desafia a propriedade privada dos grandes proprietários de terra.  “As populações locais permanecem excluídas da possibilidade de serem protagonistas do próprio destino”, afirmou.

O defensor público federal Cláudio Luiz dos Santos afirmou que tem observado que se costuma “pesar a mão” contra as rádios comunitárias.  Ele considera, porém, que “há uma luz no fim do túnel” para esse setor, pois alguns tribunais tratam a questão por meio do “princípio da insignificância”, evitando penalizar as emissoras que funcionam sem autorização.

Alcione Carolina, coordenadora-geral de Cultura e Comunicação da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, considera ser “evidente como a diversidade cultural não está representada nas grandes mídias, na TV e no rádio”. Segundo ela, a meta 45 do Plano Nacional de Cultura visa lidar diretamente com o tema tratado pelo evento, pois tem por objetivo garantir que 450 grupos, comunidades ou coletivos em situação de vulnerabilidade social sejam beneficiados com ações de “comunicação para a cultura”.

Num diagnóstico prévio realizado pela AMARC Brasil foram identificadas diversas inadequações e ausências legais no que se refere à garantia do direito humano à comunicação. A Lei da Radiodifusão Comunitária (9.612/98) teria sido criada há 15 anos, a partir de um conceito de comunidade apenas territorial e urbana não dando conta das particularidades de comunidades étnicas, de interesses ou em áreas rurais isoladas, mantendo a mesma burocracia no processo de outorga e a restrição de potência (25 Watts). Taís Ladeira, coordenadora do Programa de Legislação da AMARC Brasil, falando sobre o caso da Amazônia, destacou que “essa baixa potência tem nos impedido de exercer nosso direito”.

Existem atualmente mais de 4.800 rádios comunitárias com funcionamento autorizado pelo Ministério das Comunicações. Dentre essas, apenas uma aparece sediada em Terra Indígena, duas em assentamentos rurais, 32 com sede em zonas rurais e nenhuma em comunidade quilombola. Isso não significa que não existam experiências de rádio entre esses grupos – o MST, por exemplo, possui tradição no uso do rádio para organização social e política.