A Comissão Mista formada para analisar a Medida Provisória (MP) 744/2016, que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovou nesta quinta-feira, 8, o parecer do relator, senador Lasier Martins (PDT-RS). Com isso, estão mantidas as modificações propostas na MP, entre elas a transformação do antigo Conselho Curador da empresa em um Comitê Editorial, com menor capacidade de decisão e menor representação, voltado especificamente para as questões de programação.
A extinção do Conselho Curador foi duramente criticada por entidades, profissionais e pesquisadores que defendem a importância da comunicação pública para uma sociedade democrática, e também por funcionários da empresa. Entre as justificativas para a MP 744, editada em 2 de setembro, o governo de Michel Temer afirmava que o Conselho Curador “estava partidarizado, o que atrapalhava sua atuação de forma isenta”. Entretanto, as audiências públicas realizadas pela Comissão Mista para debater a Medida Provisória mostraram que o processo de escolha dos integrantes do conselho não passava por interferências do Executivo. Aliás, pelo contrário: são as alterações impostas por Temer na MP 744 que diminuem o caráter público e a autonomia da EBC, deixando a empresa à mercê dos interesses do governo de turno.
Como tentativa de obter consenso para a questão, o senador Lasier Martins propôs em seu relatório a substituição do Conselho Curador por um Comitê Editorial. Também propôs a diminuição do número de integrantes de 22 para 11 nesta remodelação, além de limitar as atribuições do comitê à observação da linha editorial da EBC e de restringir a sua composição a pessoas de “notório saber” na área da comunicação. Antes, na composição do Conselho Curador, estava prevista a atuação de profissionais de diversas áreas do saber, o que enriquecia as análises feitas no âmbito da instância e melhor representava a pluralidade e diversidade presentes na sociedade brasileira.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
O senador Paulo Rocha (PT-PA), que participa da Comissão Mista da MP 744/2016, critica a restrição imposta à indicação dos membros do Comitê Editorial. Ele observa que esta limitação vai impor à instância uma atuação com o viés da comunicação e do conhecimento técnico, que também são importantes, mas que não levará em consideração a função social dos organismos e a representação da sociedade civil organizada, que são ainda mais relevantes para um órgão de tais características no âmbito de uma empresa pública de comunicação.
Rocha também trouxe para debate uma comunicação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), para a secretária de Direitos Humanos do governo Temer, Flávia Piovesan. O texto, assinado pelo relator especial para a Liberdade de Expressão na CIDH, Edison Lanza, questiona os motivos que levaram o governo de Michel Temer a deslocar a EBC da Secretaria de Comunicação Social para a Casa Civil. Sobre isso, o senador Paulo Rocha faz uma ressalva: “se a proposta é fortalecer a comunicação pública e torná-la independente, não faz sentido vincular [a EBC] à Casa Civil, que é um órgão de assessoramento direto da Presidência da República”.
O relator especial para a Liberdade de Expressão na CIDH também questiona o fato de a MP 744/2016 permitir que o governo de plantão mexa à vontade na diretoria da empresa, assim como os motivos para a extinção do Conselho Curador da empresa pública. Antes da edição da MP pelo governo Temer, a única estrutura que podia demitir o presidente da EBC era justamente o Conselho Curador. Essa prerrogativa garantia a independência da Empresa Brasil de Comunicação frente aos governos. Agora, com a MP 744, o ocupante do cargo de presidente da República pode alterar a direção da EBC a qualquer momento que lhe convier. “Reconhecendo-se que a liberdade de expressão exige necessariamente uma ampla pluralidade de informações, é essencial garantir que esses meios públicos sejam independentes do governo”, enfatiza Edison Lanza.
Gastos em publicidade aumentaram 1000%
Durante o debate, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) frisou que votaria favoravelmente ao parecer por “consideração ao relator”, mas ressaltou deveria ser pedido ao governo Michel Temer a total extinção da empresa pública. Na sua avaliação, a EBC é “onerosa e desnecessária num momento de crise financeira”. Vale lembrar que o orçamento da EBC não chega à metade do que o governo repassa às mídias privadas. Desde que Michel Temer passou a ocupar a Presidência da República, as empresas privadas de comunicação tiveram um aumento de quase 1000% nos recursos que recebem em publicidade do governo federal. Portanto, se o senador Ronaldo Caiado está de fato preocupado com os gastos públicos, deveria estar questionando Temer sobre os valores que a União repassa às emissoras privadas de televisão e rádio e às mídias impressas.
A deputada Angela Albino (PCdoB-SC) rebateu a posição de Caiado e criticou a ausência de vários parlamentares nos debates realizados previamente à leitura do relatório na Comissão Mista. “Vamos ouvindo as falas e vão ficando claras duas diferenciações. A primeira é quem tem vocação para a convivência democrática e os que não têm. E a segunda é quem acompanhou o desenvolvimento dessa comissão e quem não acompanhou. Cada um discursa para a sua plateia, mas em momento nenhum aqui nós discutimos a eliminação de empregos [com uma eventual extinção da EBC]”, rebateu a deputada, fazendo referência ao fato do senador Caiado não ter participado de nenhuma outra sessão da comissão, muito menos dos debates realizados.
O deputado Chico D’Angelo (PT-RJ) questionou as verdadeiras intenções da MP 744/2016, lembrando que só a mudança na forma de escolha da presidência da empresa já demarca a intenção de torná-la estatal, retirando seu caráter público e eliminando sua autonomia em relação ao governo. D’Angelo reprovou a atitude do atual diretor-presidente da EBC, Laerte Rimolli, ao demitir arbitrariamente a jornalista Leda Nagle, apresentadora do programa Sem Censura há 20 anos. “Se estamos falando em uma empresa pública de qualidade e que tenha apelo de audiência, qual a motivação para demitir uma jornalista que atuava num dos programas mais assistidos da grade da EBC?”, perguntou ele.
Como fica a estrutura da EBC com a Medida Provisória
De acordo com o parecer aprovado na Comissão Mista da MP 744/2016, o presidente da EBC cumprirá mandato de até quatro anos, sem recondução. Será nomeado pelo presidente da República, após aprovação em sabatina no Senado Federal, mas tanto ele quanto os demais diretores-executivos poderão ser indicados e exonerados a qualquer momento pela Presidência da República. A composição da Diretoria-Executiva passará dos atuais oito integrantes para seis, todos também de livre nomeação e exoneração pelo presidente da República.
O Conselho de Administração agregará novos membros: os representantes dos Ministérios da Educação e da Cultura, além de um representante dos empregados da empresa. Eles se somam aos representantes dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Planejamento e da Casa Civil. Já o Comitê Editorial e de Programação terá a função de assegurar que a programação proposta pela diretoria da EBC cumpra os princípios e os objetivos da comunicação pública. O comitê será composto por 11 membros, todos designados pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice.
O Comitê Editorial e de Programação terá um representante de cada um dos seguintes segmentos, o qual deverá ter “notório saber” em comunicação:
– emissoras públicas de rádio e televisão;
– cursos superiores de Comunicação Social;
– setor audiovisual independente;
– veículos legislativos de comunicação;
– comunidade cultural;
– comunidade científica e tecnológica;
– entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;
– entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;
– entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;
– cursos superiores de Educação e;
– empregados da EBC.
Vedadas indicações de partidos e entidades religiosas
Será vedada a participação em consulta pública, para a formação do Comitê Editorial e de Programação, de indicações oriundas de partidos políticos, instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais ou confessionais, atendendo proposta da deputada Ângela Albino. O mandato dos integrantes do comitê terá duração de dois anos, sem possibilidade de recondução.
O senador Lasier Martins manteve em seu relatório a proposta de que o Comitê Editorial estude a formulação de mecanismo de aferição e tipificação permanentes da audiência da EBC, mas com indicadores e métricas que considerem a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais. Caso a Diretoria-Executiva da empresa não considere as determinações do comitê para este e outros temas, a instância deverá acionar a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal, a quem caberá as providências cabíveis.
O parecer passará a tramitar agora como projeto de lei de conversão (PLV) 35/2016 e seguirá para o plenário da Câmara dos Deputados, onde deve ser votado até o próximo dia 13, e depois para o plenário do Senado. A previsão é de que a votação da MP 744 seja concluída definitivamente no retorno dos trabalhos legislativos, após os recessos de final de ano. A intenção do governo é votar a medida provisória no Senado entre os dias 7 e 8 de fevereiro, já que a mesma expira no dia 10 de fevereiro. Caso a MP não seja aprovada pelo Congresso Nacional até lá, volta a valer a legislação anterior.
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação