Dois anos de sobrevivência do Mídia Periférica

Hoje passei por um dia, por vezes, comum ao vivido diariamente por vocês, jovens do Mídia Periférica, que comemoram dois anos com o projeto na ruas e na rede. Percorri ruas, vi rostos, senti cheiros e principalmente, a violência que assola boa parte dos seus colegas e familiares. Pude sentir a importância crescente em projetar novas vozes na sociedade e os impactos que isso pode ter diretamente na vida de comunidades como a de Sussuarana, onde residem.

Ainda em casa pela manhã recebo um telefonema, um jovem de 18 anos fora alvejado de forma aleatória pela polícia em Sussuarana há cerca de 15 dias atrás, e ainda no hospital, em estado grave, recebera uma ordem judicial para se dirigir às carceragens por ter sido acusado de crimes que não cometera. Fui com outras pessoas a delegacia em busca não só da liberdade, mas de forma emergencial à vida do garoto que estava em perigo sem os cuidados médicos devidos. Um garoto que provavelmente já cruzou com vocês nos campos de baba, nos ônibus, na escola, nas confraternizações juvenis.

A primeira iniciativa foi procurar o delegado, mas esse estava ocupado, atendendo jornalistas sobre um caso de estrupo supostamente solucionado por sua equipe. Uma repórter, ao sair, nos procurou e disse ter publicado matéria sobre o caso que acompanhávamos, contudo apenas com a versão policial, pois não havia encontrado a família. O pai do jovem estava em nossa frente, tentamos colocar ele em contato com a jornalista, mas ambos recusaram. A repórter por já estar atrasada para cobrir outra matéria numa rotina degradante imposta a esses profissionais. O pai, extremamente abalado, por não querer nenhum contato com a imprensa com receio de por a família em riscos ainda maiores.

Infelizmente, a maioria da dita grande imprensa é parceira fiel do genocídio da população negra presente no Brasil. Já não basta o Estado atuar como agente coercitivo, também se junta a imprensa, que no ideário democrático ocidental, deveria ter o papel de estar o lado do cidadão. Nessas condições, sobreviver para os jovens do Mídia Periférica é um dilema real, mais ainda quando o conteúdo difundido enfrenta a inércia e autoritarismo do Estado e elites políticas.

O trabalho do Mídia Periférica dá sentido a relatoria para a liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que concilia à censura as restrições na difusão de informação por parte dos grupos historicamente discriminados. Dá sentido a defender o direito à comunicação e suas implicações objetivas nos direitos e liberdades fundamentais jamais garantidas à base da população negra e periférica do Brasil.

Por isso, estar ao lado de vocês na comemoração desses dois anos não é um gesto de benevolência, é cumplicidade e solidariedade com nossos irmãos, parceiros e motores das lutas diárias. Até porque a existência do Mídia Periférica é também a continuidade minha e do Intervozes nessa caminhada. Estamos juntos, para o que der e vier.

Pedro Caribé é do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e membro eleito pela sociedade civil no Conselho Estadual de Comunicação da Bahia

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