Relator, juristas e ativistas querem Anatel fora da regulação da neutralidade

Parece haver uma boa dose de confiança, ainda que calcada em otimismo, de que o Poder Executivo manterá as premissas básicas previstas no Marco Civil da Internet em relação à neutralidade de rede. Como se sabe, a proposta à espera de votação na Câmara dos Deputados remete a um Decreto Presidencial a regulamentação dos efeitos práticos desse conceito essencial à rede.

O Marco Civil foi objeto de uma longa discussão durante o 13º Fórum Internacional de Software Livre (FISL 13), em Porto Alegre-RS – na qual prevaleceu a defesa de que a Anatel seja afastada de tratar da neutralidade, ao contrário do que defende o Ministério das Comunicações.

Presente ao debate, a agência bem que tentou defender sua participação. “A Anatel tem expertise técnica de regulação jurídica, econômica e tecnológica. Tendo em vista um Marco Civil sistêmico, a implementação de como deve se dar é do órgão com expertise, que seria a agência”, sustentou o superintendente de Serviços Privados da Anatel, Bruno Ramos.

Para os demais participantes do Fórum – a começar pelo próprio relator do projeto na Comissão Especial da Câmara sobre o tema, Alessandro Molon (PT-RJ) – a ideia é que a Anatel fique de fora, cabendo essencialmente ao Comitê Gestor da Internet os pitacos relativos à neutralidade a serem considerados pelo governo.

“O que o Parlamento quer dizer é que esse tema da neutralidade é tão importante que a decisão política será da maior instância, a Presidência da República. E esperamos que essa sinalização seja respeitada”, afirmou Molon, em resposta à posição do Minicom de que o Decreto Presidencial previsto no projeto transfira ao órgão regulador das telecomunicações a tarefa de regulamentação.

O otimismo reside justamente nessa expectativa. Em princípio, segundo o procurador da República Luis Costa, ao simplesmente remeter a regulamentação dos casos em que será possível quebrar a neutralidade a um Decreto, sem maiores detalhes, o governo federal pode muito bem acolher a sugestão do ministro Paulo Bernardo e meramente transferir essa competência à Anatel.

Governança convergente

Parte da resistência demonstrada por ativistas, juristas, desenvolvedores de software e mesmo o parlamentar reside na visão de que a agência está muito próxima das principais interessadas em flexibilizar a regra da neutralidade: as empresas de telecomunicações, detentoras da infraestrutura sobre a qual existe a Internet.

“Há tentativas do Ministério das Comunicações, da Anatel, em dizer que a Internet é uma rede de telecomunicações”, resume o ativista digital Marcelo Branco. Em essência, trata-se de uma batalha de demarcação de competências, entendida pela separação entre Internet e telecomunicações, que se tornou mais aparente com a decisão do Minicom de rever os termos da Norma 4/95, onde essa separação é explicitada.

“A indústria de telecom tem interesse na quebra da neutralidade”, emenda o professor Sérgio Amadeu. O setor, de fato, não faz segredo de que quer liberdade para atuar na gestão das redes – daí defender a flexibilização da neutralidade. A questão, porém, tem implicações que vão muito além dos modelos de negócios pretendidos.

Como sustenta o professor Bruno Magrani, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, “é graças à neutralidade que empresas puderam inovar sem pedir permissão. Foi assim que Tim Berners-Lee criou o WWW sem pedir autorização. Sem ela, perde-se as baixas barreiras de acesso ao mercado. E se o Brasil quer se posicionar na nova economia, precisa preservar a neutralidade”.

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