Em relatório, TCU critica lentidão da Anatel

Alçada à condição de xerife implacável das operadoras de telefonia celular após as sanções impostas na semana passada, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) levará uma reprimenda do Tribunal de Contas da União (TCU), que escancarou sua morosidade em apertar os mecanismos de fiscalização e atuar mais fortemente na defesa dos consumidores nos últimos anos.

Nos próximos dias, relatório detalhado do TCU sobre a lentidão da agência reguladora chegará oficialmente às mãos do Ministério das Comunicações e do Ministério Público Federal, além de algumas comissões da Câmara dos Deputados e do Senado. O relatório, recém-aprovado pelos ministros do tribunal, demonstra que a Anatel cumpriu apenas 27% das determinações e implementou só 15% das recomendações feitas pelo próprio TCU seis anos atrás.

Em 2006, uma auditoria avaliou com profundidade o desempenho da agência nas atividades de regulamentação e fiscalização dos serviços de telecomunicações, identificando uma série de falhas e propondo 42 medidas para corrigi-las.

Agora, os auditores voltaram à Anatel para monitorar o que saiu do papel e ficaram insatisfeitos com os resultados. O "timing" do novo relatório não tem nenhuma relação com a ofensiva da semana passada sobre as operadoras de telefonia móvel, com a suspensão da venda de chips.

Um dos pontos mais comentados pelo TCU diz respeito à demora da Anatel em tomar decisões e fazer mudanças. Para os auditores, isso fica nítido quando se pega o caso da nova regulamentação sobre sanções administrativas, que vinha sendo discutida desde 2003.

Os processos contra as empresas tinham prazos de até 320 dias, não havia critérios uniformes para a determinação das multas e muitas vezes os valores eram irrisórios diante dos investimentos ou das receitas das operadoras. Por isso, o tribunal determinou à Anatel uma reformulação geral das normas.

Apesar do tom crítico, o tribunal reconhece, no documento, avanços na proteção dos consumidores A medida foi considerada como parcialmente cumprida, já que a agência baixou uma resolução em maio de 2012 – após nove anos de discussões internas – para rever seus processos administrativos. Mas falta concluir a nova metodologia para o cálculo das multas, o que tira a eficácia das punições, segundo o TCU. Um resumo dos atrasos pode ser observado a partir do Plano Geral de Regulamentação (PGR), aprovado em 2008, que dava diretrizes para as ações da Anatel nos anos seguintes.

A maioria das diretrizes tinha prazos de implementação "inferiores a dois anos", mas, segundo o relatório dependem "de ações que ainda não foram realizadas". "Esse fato pode prejudicar o cumprimento por parte da agência das ações do PGR no prazo estabelecido pelo Conselho Diretor e, consequentemente, o seu compromisso com a sociedade", diz o relatório do TCU.

Entre as recomendações que não tiveram implementação, o tribunal menciona a falta de melhorias no processo de acompanhamento dos indicadores de qualidade no site da Anatel. A ausência de informações facilmente disponíveis para qualquer usuário, especialmente para a TV por assinatura e a telefonia fixa, "prejudica a transparência dos dados e o controle social da qualidade dos serviços", diz o TCU.

Preocupado com o atendimento dado pelas operadoras de telefonia ao consumidores que apresentavam reclamações nos call centers, a auditoria realizada em 2006 recomendou à Anatel montar um sistema e criar uma regra que lhe desse acesso à base de dados das queixas dos clientes das empresas, em tempo real. A agência chegou a avançar em um sistema capaz de monitorar as centrais de atendimento das operadoras, mas esse sistema não está mais operacional.

De acordo com o novo relatório, algumas operadoras forneceram acesso à base de dados dos call centers, mas outras alegaram "quebra de sigilo" para negar o monitoramento. O conselho diretor da agência reguladora suspendeu temporariamente a medida. Sem meios para identificar as reclamações mais frequentes nas centrais de atendimento das empresas, a Anatel recebeu do TCU um prazo de 180 dias para implementar o sistema ou elaborar "ações alternativas". Outra evidência de morosidade apontada no relatório: o TCU queria a realização de pesquisas periódicas de satisfação dos usuários de telefonia fixa, telefonia móvel e TV por assinatura. Argumentava que essas pesquisas "formam um retrato da qualidade do serviço" e podem balizar novos instrumentos de controle.

A Aneel, agência reguladora de energia elétrica, faz todos os anos esse tipo de levantamento e divulga um ranking das distribuidoras. Mais uma vez, a lentidão da Anatel surpreendeu os auditores. Ao receber as recomendações do TCU, a agência garantiu que já dispunha de orçamento e prometeu o edital de licitação para uma nova pesquisa em 2008. Nada feito. A homologação da empresa vencedora da concorrência só ocorreu em 2011.

A pesquisa teve início em junho do ano passado, mas até hoje seus resultados são desconhecidos. Embora o tom geral do relatório seja crítico, o tribunal não deixa de reconhecer avanços na proteção dos consumidores. Um dos que merecem destaque é a adoção de medidas cautelares "sempre que se verificar o descumprimento de direitos que afetam significativa parcela de usuários dos serviços" de telecomunicações.

Na visão do TCU, foi justamente o que ocorreu entre junho e agosto de 2010, quando a Anatel suspendeu a venda de planos de banda larga pela Telefônica, em São Paulo. Dois anos depois, com os problemas na rede de telefonia móvel, a venda de chips foi suspensa pela agência na mesma tarde nublada em que os ministros do TCU avaliavam negativamente o controle da Anatel nos últimos anos. "Enfatize-se que a Anatel não cumpriu a maior parte do seu próprio plano de ações elaborado para dar cumprimento às deliberações do TCU", afirmou o ministro-relator do processo, Augusto Sherman Cavalcanti, em voto acompanhado pelos demais colegas. "Repare-se ainda que as ações que envolviam somente uma superintendência tiveram maior grau de atendimento do que aquelas que alcançavam diversas superintendências. Esse fato corrobora o achado da auditoria operacional, de que falta sistematização dos procedimentos da Anatel e de que há necessidade de maior integração entre as áreas", acrescentou Sherman.

Procurada na sexta-feira à tarde pelo Valor, a Anatel não pôde atender a tempo aos pedidos de entrevista para comentar o relatório do TCU, alegando que estava sobrecarregada com as questões envolvendo as teles móveis.

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