Marco Civil: Rede à parte, conteúdo será o próximo embate?

Resultado de quatro anos de discussões desde que, em outubro de 2009, o Ministério da Justiça colocou em consulta pública um anteprojeto de lei que contou com ampla participação social, o Marco Civil da Internet está materializado no texto do PL 2126/2011, à espera de um acordo para votação no Congresso Nacional.

Ainda que a neutralidade da rede tenha se mostrado como centro da discussão – com pressão do governo para modificação do substitutivo, seu relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), também cedeu a reivindicações dos ativistas da rede em outra questão considerada relevante: a retirada de conteúdos de terceiros por decisão unilateral dos provedores.

“Estamos em um país onde blogs são perseguidos diuturnamente, não podemos ter nenhuma brecha para a censura instantânea. Se houver como interpretar a lei de um jeito negativo, há grupos que farão isso. Não podemos retroceder por força do lobby”, sustenta o professor e notório ativista pela ampla liberdade na Internet, Sérgio Amadeu.

Foi eliminado o trecho que previa a retirada de conteúdos com base em termos de uso ou de acordos comerciais. Além disso, um provedor de aplicativos “somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.

Mas se é clara a preocupação com o que poderia legalizar a retirada de conteúdo ao bel prazer de provedores – ou terceiros afetados, como as associações de filmes e músicas que combatem a troca de arquivos na rede – vale dar atenção ao alerta de que o texto do Marco Civil da Internet está deixando um vazio normativo com efeito direto sobre casos de ofensas ou injúrias, ou seja, os aspectos de defesa da privacidade e da honra. Em outras palavras, estaria o direito à liberdade de expressão acima de outros direitos?

É essa a provocação feita pelo professor e pesquisador da Universidade de Hong Kong, também especialistas em temas afeitos à Internet, Marcelo Thompson. “O Marco Civil da Internet, como está, deixa um desequilíbrio de tratamento. Guiado por uma visão extrema da liberdade de expressão, permite que provedores possam simplesmente manter no ar conteúdo racista, homofóbico, que viole direitos das crianças e adolescentes, sem que nada se possa fazer contra eles”, avalia.

É que o projeto não discorre sobre a manutenção de conteúdos ofensivos. Resta claro que os ofendidos poderão ir à Justiça para pedir que algum material seja retirado da rede, mas aí o tempo ganha relevância. Pois entre a identificação de conteúdo irregular, o acionamento de advogados, o peticionamento judicial até uma decisão, ainda que liminar, o “mal” estaria feito. Afinal, ainda hoje é possível encontrar na Internet as fotos da atriz Carolina Dieckman que provocaram comoção mesmo no Parlamento.

Thompson ressalta que ao tratar os provedores como, na maior parte das vezes, inimputáveis, exime-os de responsabilidade por manter o conteúdo no ar. Vale dizer: diante do risco de serem processados por retirarem determinado conteúdo, mas sem previsão de punição pela manutenção desses mesmos conteúdos, o efeito, ainda que indesejado, favorece deixar como está até a apresentação de uma ordem judicial. “Não haveria um incentivo da lei para o provedor optar pelo caminho em que não há chance de ser responsabilizado, ou seja, manter o conteúdo no ar, ainda que em flagrante ilícito?”, questiona o professor.

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