“O Conselho tem o efeito de estimular uma maior participação e transparência”

Nesta quarta (28) foi realizada a primeira reunião do Conselho Estadual de Comunicação da Bahia. Já foi aprovado o regimento interno e começa a etapa de planejamento. Mas os desafios ainda são muitos frente a histórica falta de participação da sociedade nas definições do setor.

O Conselho de Comunicação da Bahia só foi regulamentado em 2011, após um forte processo de mobilização da sociedade e uma articulação com empresários e governo, mesmo sendo previsto na Constituição Estadual desde 1989. O resultados podem destravar políticas de comunicação em todo país, dessa vez, tendo como referência o poder de estados e municípios.

Conversamos com o representante do Intervozes no Conselho, Pedro Caribé. Ele nos fala sobre atribuições do Conselho, prioridades de atuação e relação da sociedade civil com o empresariado e o poder público.

Observatório do Direito à Comunicação: A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) emitiu nota pública considerando inconstitucional o Conselho de Comunicação Social da Bahia. O que está por trás deste posicionamento de parte do empresariado da comunicação?

Pedro Caribé:
Não só a Abert tem se movimentado para barrar o processo, existe um pacto não assinado, construído por setores midiáticos e reverberado até por setores médios da sociedade, entre os quais muitos jornalistas pouco esclarecidos sobre o tema. No caso da Abert, o receio é que alavanque o desenvolvimento do sistema público e o localismo na radiodifusão. Um modelo que fragiliza o poder das grandes redes nacionais ou mesmo regionais. Como isso pode acontecer? O Conselho tende afetar três segmentos. O primeiro é radiodifusão comunitária, que pode vir a ter mecanismos de sustentabilidade e proteção em casos de criminalização. O segundo são as emissoras públicas-estatais dotadas de potencial pouco explorado no reconhecimento da sociedade, ampliando seu conteúdo e infraestrutura. O terceiro, e mais complexo, é o desenvolvimento das empresas comerciais locais. As reivindicações dos empresários que participam do Conselho passam pela participação direta na verba publicitária federal, estímulo a produção de conteúdo, e  até inserção na grade de programação da parabólica, que se espalha por todo interior e zona rural da Bahia. Os empresários locais entendem o Conselho como algo que legitima reivindicações nacionais, uma “revolta da base". E creio ser uma brecha perigosa para a Abert, que se organiza de forma extremamente verticalizada em consonância com o modelo das cabeças de rede.

Além disto o Conselho tem o efeito imaterial de estimular direta ou indiretamente uma maior participação e transparência no setor. Mesmo temas que não são de sua orçada passam a ser debatidos com mais força pela sociedade, como acompanhar a renovação e liberação das outorgas de radiodifusão. Nesse ponto não será difícil aos baianos encontrarem confrontos com os preceitos constitucionais ao discutir no dia a dia. Aja vista que a família do falecido senador Antônio Carlos Magalhães, através da Rede Bahia, tem ingerência sob três licenças de rádio e sete de TV no estado, um caso clássico de concentração que também se espalha por jornal impresso e portal na internet.

A Abert afirma que a prerrogativa de legislar sobre o tema é do Governo Federal, não cabendo, portanto, aos estados a criação de Conselhos. Nos esclareça isso. Quais as atribuições de um Conselho Estadual?

Esta posição é colocada há algum tempo e não passa de uma retórica obscurantista para atrasar a regulamentação dos Conselhos por todo país. Na prática, não há qualquer fundamento jurídico que endosse o argumento da Abert, pois o Conselho está previsto na Constituição Estadual e suas atribuições foram alvo de apreciação de juristas, em especial da OAB-BA.

Os projetos de Conselhos têm estimulado uma reflexão importante sobre as atribuições federativas na comunicação, e espero, sejam alvo do novo Marco Regulatório. No Brasil o pacto federativo é fincado sob lógica de distribuição de competências. Nada impede que os entes atuem sob o mesmo tema, porém com poderes distintos. Por exemplo, o Conselho não poderá passar por cima da Lei Geral de Telecomunicações e transformar a banda larga num serviço público, mas pode sim elaborar um plano a fim de coordenar tarifações como ICMS, municípios e infraestrutura estatal para expandir o serviço ao cidadão e também para os órgãos públicos. Se trata de atuação complementar já presente em estados como São Paulo e Ceará.

Essa mesma lógica estará presente na radiodifusão comunitária, ou mesmo nas violações aos direitos humanos, que nesse caso, também se relacionam com a Justiça e Ministério Público.  Em outros temas o Conselho terá poderes plenos, como na distribuição das verbas publicitárias e na condução da radiodifusão pública. Nessa seara também existem pautas que estão inicialmente de fora do Conselho, mas podem ser incorporadas para a próxima gestão. Entre os quais a Empresa Gráfica da Bahia (EGBA) que pode se tornar estímulo mais volumosa para a publicação de livros, revistas e demais meios impressos; e os mecanismos de relacionamento direto com o cidadão através da ouvidoria, ferramentas de governo eletrônico e por fim organizar o estado para adotar a Lei de Informação Pública.

Que propostas para o fortalecimento do sistema público de (radiodifusão) comunicação no estado a sociedade civil levará para o Conselho?

Vamos seguir a mesma linha construída a partir dos Fóruns de TV´s Públicas e da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Defender um fortalecimento da radiodifusão pública balizado na autonomia, participação social e diversidade cultural. Por isso, se faz urgente convocar um Conselho Curador para o Instituto de Radiodifusão Pública da Bahia (Irdeb) com maioria da sociedade civil, escolhidos através de eleições. Fixar fundo público com parcela da publicidade governamental. Valorizar o quadro de funcionários. Estimular a produção independente na programação. A partir de então será possível dar estabilidade institucional e preparar o Irdeb para era digital em condições sociais e econômicas para ser reconhecido como alternativa convincente ao modelo comercial.

As rádios comunitárias também devem ser encaradas como integrantes desse campo público. Desde 2009 foi desenvolvido o programa Ondas Livres com universidade, governo e sociedade civil. O programa prevê formação e construção de portal para esse segmento e implementação deve ser o mais rápido possível.

Pesquisas mostram um alto índice de violação de direitos humanos na mídia baiana. Como o Conselho de Comunicação pretende incidir nesta pauta?

Esse é um tema delicado e costumeiramente distorcido. O Conselho poderá encaminhar ao MP e à Justiça questões que forem consideradas graves. O Conselho não pode, nem tem como punir qualquer pessoas física ou jurídica.

Uma questão a ser abordada é o fato de comunicadores populares, radialistas e jornalistas serem alvos constantes de ameaças e até homicídios. Recentemente um radialista foi assassinado em Simões Filho, na região metropolitana, por contrariar o tráfico de drogas. O papel do Conselho será de acompanhar casos desse perfil para que evitar que caiam no esquecimento e impunidade

Quanto ao conteúdo midiático, esse não pode estar acima ou a parte do Estado de direito. Muitas vezes não são apenas as emissoras os responsáveis por violações,  o próprio governo poderá ser alvo de avaliações quando policiais são os que viabilizam julgamento prévio e afronta a dignidade humana. E esses atos podem ganhar uma dimensão amplificada sob cumplicidade dos meios de comunicação. Não dá mais para assistir à "luz do dia" cenas de sangue, inapropriadas para crianças, ou jovens negros serem condenados sem direito julgamento adequado. O Ministério Público do Estado já tem conhecimento que na maioria dos casos são pessoas inocentes e as cenas construídas como espetáculos tragicômicos de mau gosto. Porém, mesmo que não seja punido pela Justiça, o indivíduo já terá punição da sociedade decretada e disponível em vídeos na internet por toda sua vida.

A atual distribuição das verbas publicitárias do Governo Estadual é baseada, principalmente, no critério da audiência. Como o Conselho pode atuar para melhorar a distribuição destes recursos?

Verba de publicidade é dinheiro público: precisa de mecanismos de transparência e critérios não apenas econômicos na distribuição. O Conselho poderá deliberar por acesso  ao direcionamento desses gastos, saber quanto e quando os veículos recebem esses investimentos, bem como separar a assessoria de imprensa do governo do repasse das verbas. A partir deste diagnóstico pode-se viabilizar maior equidade no tratamento entre as mídias, levando em consideração não somente as audiências, mas também o compromisso com a diversidade e pluralidade de ideias e gostos, a descentralização da cadeia produtiva do audiovisual e da indústria gráfica, bem como o caráter público ou comunitário da informação.

Além disso será possível evitar práticas conhecidas dos baianos: a utilização destas volumosas verbas como objeto de barganha, tanto para cercear ou alavancar organizações midiáticas ou comunicadores populares e jornalistas, conforme afinidade política ao governo, como para manutenção de negócios jornalísticos ancorados na chantagem. Nessa relação quem sai perdendo são os profissionais, comunicadores e principalmente o cidadão ao receber informação costumeiramente distorcida por esse jogo.

Como transcorreu até aqui e como você acredita continuará processo de debate com o empresariado dentro do Conselho?

Antes da I Confecom só microempresários participaram, depois entraram grupos maiores. As duas principais empresas comerciais de radiodifusão, Rede Bahia (Globo) e Itapoan (Record), jamais integraram o processo. Porém em nenhum momento eles se pronunciaram abertamente contra o Conselho, somente nos bastidores, por motivos distintos. No caso da filiada da Globo, eles receiam que qualquer posição editoral sobre o tema intensifique a associação ao grupo de ACM. Já a Record, apesar de ser visível aproximação com os governos mais a esquerda, demonstra indisposição em modificar o modelo que a fez crescer rapidamente nos últimos 15 anos. Não podemos esquecer que a Record faz parte da Abert junto com a Globo.

Aos que participaram da elaboração e agora estão no Conselho, sempre houve uma atitude pró ativa, e as diferenças colocadas com naturalidade, sem dogmatismo. A partir da instalação é que os temas vão ganhar materialidade e será possível compreender mais as posições.

E com os representantes do poder público?

Este governo encampou a ideia do Conselho e tem visão das potencialidades. No geral, está aberto ao diálogo e proximidade com percepção das organizações sociais. Porém tem o papel de interlocutor entre interesses distintos, tornando a lógica do consenso familiar e incorporando no seu seio matrizes diferenciadas. Atualmente é desafiador construir base de autonomia dos movimentos em relação a um governo que ajudou a eleger e tem importância histórica indiscutível. Mais desafiador será materializar na estrutura estatal condições humanas e físicas para conseguir executar uma plataforma que o governo defende publicamente.

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