Grupos defendem diversidade religiosa nas emissoras públicas

A discussão sobre o conteúdo religioso nas rádios e TVs públicas teve mais um capítulo esta semana. Na última quarta (14), o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou audiência pública sobre a questão. As decisões do órgão tomadas em 2011 sobre o tema foram parar na Justiça, e a audiência representou um momento de retomada pelo Conselho do polêmico debate.

Representantes do Comitê pela Diversidade Religiosa – instância ligada a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – estiveram presentes e declararam apoio à perspectiva de o Conselho Curador atuar para garantir a laicidade do Estado. Para Daniella Hiche, da comunidade Bahá’i, o Estado deve agir para promover a diversidade religiosa. "A decisão está de acordo com as determinações do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que garante a laicidade do Estado e o respeito à diversidade de cultos", afirma.

O professor da UFPB e membro do Grupo Estudos em Religiões, Intolerância e Imaginário, Carlos Andre Cavalcanti, considera que é preciso uma programação que reflita a pluralidade religiosa no país, sem praticar proselitismo. Para Flávia Pinto, representante do centro espírita umbandista Casa do Perdão, “contemplar a diversidade religiosa em uma mídia pública é um presente que a EBC pode dar a este país”. O Pai Alexandre de Oxalá, da Rede Afrobrasileira Sociocultural, aponta que “é preciso a mídia para resgatar a igualdade e a EBC pode contribuir para acabar com a discriminação religiosa".

Já os produtores dos atuais programas defenderam a manutenção dos seus espaços e a ampliação da programação para outras religiões. "Nós queremos continuar com a programação, com o espírito brasileiro. As experiências religiosas devem vir à TV na forma de culto”, afirma o Padre Dionel Amaral, diretor dos programas da Arquidiocese do Rio de Janeiro na TV Brasil. O pastor Flavio Vieira, diretor do outro programa religioso exibido pela EBC – o evangélico Reencontro, aponta: "Devemos discutir a presença de espaço para outras religiões. A TV é pública, é nossa, do povo, mandamos nela".

Outros presentes afirmaram a ilegalidade da exibição dos cultos nas emissoras públicas. Para Gésio Passos, do Coletivo Intervozes, "a manutenção dos programas é um atentado ao Estado Democrático Brasileiro e à Constituição Federal". Gésio aponta que a Constituição veda o Estado a estabelecer cultos religiosos ou igrejas, mantendo a sua laicidade. A Lei nº 11642/08, que criou a EBC, também proíbe qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas. Daniel Sottomaior, representante da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, afirma que o Estado deve garantir a liberdade individual de promoção da religião, mas nunca ser um agente desta promoção. “A não execução da laicidade do Estado viola os direitos de crença e descrença", aponta Daniel.

Para Elianildo Nascimento, representante da Iniciativa das Religiões Unidas, a emissora pública não deve fazer qualquer proselitismo religioso. Para ele o que está em discussão é a ocupação de um espaço que é público. "Não existe usucapião de programa de televisão, a tradição não deve ser avocada pra justificar a manutenção dos cultos", afirma. Para Márcia Bianchi, representante da Igreja Wicca, "democracia não é ditadura da maioria, e sim convivência de todos. É preciso haver líderes religiosos dispostos para o diálogo e não com postura impositiva”.

A Deputada Lilian Sá (PR/RJ), autora de uma proposta de decreto legislativo que desautoriza a decisão do Conselho Curador, afirma que não quer criar uma guerra entre as religiões. Ela aponta a necessidade da criação de um consenso que garanta o acesso da população à religião. "Temos que ter uma grade que possa prestigiar as religiões, as manifestações do povo, que é a manifestação de Deus", declara.

A presidente do Conselho Curador, Ana Fleck, afirmou que já foi aprovada a criação de um grupo consultivo que contará com a participação dos segmentos interessados e irá auxiliar o órgão na elaboração de uma proposta para os temas ligados à religião nos veículos da EBC. A presidente ainda reforçou o pedido para que a deputada retire o seu pedido de decreto legislativo em nome da produção do consenso.

Histórico

Após a realização de uma consulta pública com 141 contribuições, o Conselho Curador decidiu em março de 2011 pela substituição dos programas religiosos exibidos pelas emissoras da EBC por uma nova programação. A decisão partiu da avaliação que os programas não correspondiam ao pluralismo religioso existente no país, sendo injustificada a preferência por apenas dois credos. O órgão determinou a criação de uma faixa que atendesse a pluralidade de vivências religiosas existentes no país e um período de seis meses para as igrejas buscarem alternativas para exibição de suas programações.

Em setembro de 2011, a Arquidiocese do RJ e a Igreja Batista de Niterói obtiveram, em decisão liminar da Justiça federal, a garantia da continuidade da exibição dos programas religiosos. No mesmo mês, a diretoria da EBC apresentou uma proposta de programação com a manutenção da transmissão dos cultos e abertura de espaço para outras credos, mas o Conselho considerou inadequada, insuficiente e inexeqüível para o prazo anteriormente proposto. A deputada Lilian Sá (PR/RJ), na Câmara dos Deputados, os senadores Lindbergh Farias (PT/RJ), Lobão Filho (PMDB-MA) e Marcelo Crivella (PRB/RJ), no Senado, também apresentaram propostas de decretos legislativos suspendendo a decisão do Conselho.

Em novembro passado, frente à impossibilidade de cumprimento da decisão anterior, o Conselho Curador decidiu pela criação de um grupo consultivo para elaboração de faixa de programação religiosa. O grupo teve uma primeira reunião às vésperas da audiência pública, e, de acordo com informações do Conselho, terá suas atividades divulgadas nos próximos dias.

O programa evangélico Reencontro e os católicos Santa Missa e Palavras de Vida são exibidos semanalmente na TV Brasil. Já a Rádio Nacional transmite, aos domingos, celebração de missa católica.

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