Folha falta a debate sobre censura na Câmara

O contador no início do blog Desculpe a Nossa Falha marca 390 dias. Esse é o número exato de dias que o blog Falha de S. Paulo, uma sátira ao jornal Folha de S. Paulo, está fora do ar. Os dois blogs foram idealizados pelos irmãos Lino e Mário Bocchini. O Desculpe a Nossa Falha entrou no ar no dia em que o Falha de S. Paulo foi retirado por força de uma liminar da ação de “uso indevido da marca” movida pelo Grupo Folha. Caso o blog permanecesse no ar os autores levariam uma multa diária de mil reais (o pedido da empresa era de 10 mil por dia).

 

Nesta quarta-feira (26), a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados organizou uma audiência pública para tratar da liberdade de expressão tendo como tema a cobertura feita pela grande imprensa no caso da censura imposta pela Folha ao blog dos irmãos Bocchini. A audiência foi sugerida pelo deputado Paulo Pimenta (PT/RS) e referendada por unanimidade pelos membros da Comissão. “A proposta era trazer para o debate os diferentes atores envolvidos no caso, além da Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil”, explica Paulo Pimenta.

 

Folha ausente

 

Apesar de reivindicar os valores de democracia e liberdade de expressão, a diretoria do jornal Folha de S. Paulo se negou a participar da audiência, se limitando a enviar uma carta à presidência da Comissão assinada por Octávio Frias, diretor de redação, Sérgio Dávilla, editor-executivo, e Vinicius Mota, secretário de redação. Na carta, o jornal justifica a ausência por discordar dos “seus pressupostos, da temática sugerida e do enfoque adotado”, dando a entender uma possível desinformação do deputado Paulo Pimenta, proponente da audiência.

 

Os representantes da empresa afirmaram que a decisão da justiça ocorrida no mês passado, em primeira instância, que congelou o domínio do blog – mas que também inocentou os autores de todas as demais acusações -, era “matéria superada” e que as decisões do judiciário eram soberanas. Ainda na carta, os representantes da Folha acusam o blog de não ter uma “verdadeira intenção satírica” e insinuam que os autores estavam a serviço de “tendências menos escrupulosas” do Partido dos Trabalhadores (PT). As conclusões da Folha de que o Blog “não é sátira e nem independente” são justificadas a partir da acusação de que um dos autores foi assessor da administração da prefeita Marta Suplicy, do PT de São Paulo.

 

Em sua defesa, Lino Bocchini diz que em quase duas décadas de profissão foi assessor de uma gestão do PT por três anos e meio, tendo passado mais tempo que isso trabalhando em veículos da grande mídia, inclusive do próprio grupo Folha. O jornalista ressalta ainda que mesmo que fosse o presidente do PT o seu direito à crítica deveria estar garantido.

 

Apesar do jornal ter evitado o debate no parlamento, os irmãos Bocchini e a Fenaj estiveram presentes na Câmara, bem como os deputados da comissão e uma platéia diversa, na qual se podia identificar majoritariamente estudantes de jornalismo e blogueiros. Frente a novas acusações do jornal veiculadas pela carta da Folha distribuída na audiência, Lino Bocchini desafiou o grupo Frias a provar que ele estaria a serviço do Partido dos Trabalhadores e provocou: “cadê a Folha para debater? Se eles têm tanta certeza de seus argumentos, deveriam estar presentes”. Mariana Martins, do Coletivo Intervozes, também criticou a ausência da empresa. "Está claro que quando há o mesmo espaço dado pros dois lados, eles preferem se silenciar", apontou.

 

Em nota, a ANJ antecipou que não poderia comparecer ao debate e a OAB, apesar de ter confirmado presença, não enviou representante por ter coincidido com a votação sobre a obrigatoriedade da prova da Ordem pelo Supremo Tribunal Federal. Por telefone, se disponibilizaram a participar de outros eventos que viessem a tratar do tema.

 

Liberdade de expressão

 

Um consenso entre os participantes era de que o debate ali proposto transcendia a discussão do caso específico da censura ao blog Falha de São Paulo. Tratava-se de um debate sobre o direito constitucional à liberdade de expressão. O deputado Paulo Pimenta, os irmãos Bocchini e o representante da Fejan, Antônio Paulo, concordam que uma decisão em última instância da justiça neste caso se tornará jurisprudência para a questão da liberdade de expressão no Brasil, já que com a queda da Lei de Imprensa o setor não tem mais regulamentação específica.

 

Para Lino Bocchini, uma vitória da Folha de São Paulo no caso abre um grave precedente para limitação da liberdade de expressão no Brasil. “Se a Folha perde, ganham todos que fazem uso da crítica e da sátira, pois é a vitória da liberdade de expressão”, defende o jornalista. Bocchini se diz ainda “defensor da ampla e irrestrita liberdade de expressão e de imprensa, como é defendido sempre nos editoriais da Folha”.

 

Ao tratar da cobertura dada pela grande imprensa ao caso, Lino Bocchini qualificou como pífia e lembrou que a mesma só aconteceu por conta de uma declaração dada pelo homem mais importantes do WikiLeaks, Julian Assange, ao jornal Estadão. Na entrevista, o também jornalista e ativista australiano, denuncia a censura da Folha à Falha como sendo um caso que necessitaria de cuidados no Brasil. Segundo Bocchini, a matéria fez com que o Estadão tivesse que ouvir a Folha, que pela primeira vez se pronunciou publicamente sobre o caso. Contudo, a repercussão parece ter ficado em notas dadas pelo próprio jornal, como a que saiu no dia da audiência justificando a ausência dos seus representantes e sem ouvir os outros participantes.

 

Para entender o caso

 

Em setembro de 2010, o blog Falha de São Paulo entrou no ar com a proposta de mostrar por meio do humor, as contradições do discurso de imparcialidade e apartidarismo do jornal Folha de São Paulo a partir da cobertura das eleições presidenciais. No mesmo mês, os irmãos Bocchini receberam uma liminar da justiça exigindo a retirada do sítio do ar, prevendo uma multa de mil reais diárias (o pedido do jornal era por 10 mil diário) caso a página não fosse retirada da rede . A partir de então, os Bocchini enfrentam na justiça o grupo Folha e já houve um julgamento em primeira instância da ação no qual foi negando os argumentos da Folha, mas mantido o blog fora do ar por uma suposta vinculação do blog a revista Carta Capital. Suposição negada pelos autores e pela própria revista que lançou uma nota esclarecendo seu desconhecimento do caso.

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