Consulta pública para revisão de lei começa em junho

Depois de alguns adiamentos, o governo federal deve finalmente divulgar para a sociedade sua proposta de anteprojeto para revisão da Lei 9.610/98, que regula os direitos autorais no país. Segundo o diretor de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura (MinC), Marcos Alves de Souza, a consulta pública deve começar na primeira quinzena de junho deste ano. Ele afirma que está sendo preparado um evento para a ocasião que, a princípio, vai acontecer no dia 14. O texto vai ficar disponível no endereço do Fórum da Cultura Digital Brasileira.

O governo pretende adotar um procedimento parecido com o que fez com a reforma da Lei Rouanet e a criação do Marco Civil da Internet. Depois de cerca de um mês e meio (45 dias) em consulta, o anteprojeto com as alterações na Lei de Direito Autoral deve ficar mais alguns dias para sistematização dentro do Executivo para seguir para análise do Congresso Nacional.

A proposta de revisão da regulação do direito autoral no país veio do entendimento do governo e da sociedade de que a atual lei é uma das mais restritivas do mundo. Ela considera crime, por exemplo, que um professor utilize um filme em sala de aula sem a permissão do titular da obra ou que uma turma apresente uma peça teatral fora dos muros da escola também sem a permissão da pessoa que tem o direito sobre a obra. Esse são casos que o governo considera abusivos e por isso deve se empenhar em corrigir.

Processo

O governo começou a discutir as mudanças legais sobre o tema há quatro anos. Segundo o MinC, foram realizados oito amplos fóruns e mais de 80 reuniões setoriais desde então. Apesar de entenderem a complexidade da questão, organizações sociais acreditam que a discussão está madura e a consulta deve ser disponibilizada o mais breve possível.

Em carta recém divulgada, dezenove entidades cobram agilidade do ministro da Cultura, Juca Ferreira. “Toda e qualquer postergação nesse momento pode colocar em risco o esforço hercúleo empreendido pelo Ministério da Cultura, o governo, e os setores da sociedade envolvidos na construção dessa nova proposta ao longo dos últimos quatro anos. É público e notório que nos próximos meses o país estará imerso em atividades e debate público relacionados à Copa do Mundo e às eleições”, diz o documento.

Apesar da cobrança, o tom da carta reflete uma visão positiva de parte da sociedade interessada no tema pelas posições do Ministério da Cultura que já se tornaram públicas. “A expectativa é otimista. Se realmente vai ser um projeto de lei bom, só vendo”, afirma Luiz Moncau, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

O integrante do movimento Música Para Baixar e do grupo Teatro Mágico Gustavo Anitelli avalia que a falta de uma proposta concreta de anteprojeto está fazendo com que a mobilização social fique em baixa. Enquanto isso, ele lembra, os setores que lucram com os direitos autorais começaram a disparar contra a ideia da revisão da Lei 9.610/98. Para ele, a demora nesse processo pode estar sendo gerada pela pressão de lobistas dentro do governo.

 

Anitelli é um dos que acredita que é importante agilizar o processo porque o Brasil reuniria condições de aprovar uma lei avançada sobre o tema. Na área da música, por exemplo, existem modificações importantes previstas. “A própria delimitação de contrato é interessante. Temos colegas, como o Nei Lisboa, que tem oito de seus discos que não podem ser lançados porque a gravadora não tem interesse, e ele não tem direito de comprar e relançar esses discos”, cita. A proposta do governo é que o contrato seja de, no máximo, cinco anos com os autores.

Cópias

O anteprojeto que vem sendo desenhado até agora tem vários pontos que possuem adesão da sociedade. Um deles é a possibilidade de permitir que as pessoas façam cópias de obras, como textos, fotos e músicas, para uso privado e sem fins lucrativos. Isso permite, por exemplo, que uma pessoa copie um CD que comprou para escutar no carro. A lei atualmente é subjetiva em relação à cópia privada. Ela autoriza apenas “pequenos trechos de obras”, não especificando nada mais do que isso.

A proposta também busca autorizar a livre cópia de um suporte para outro (de um CD para um iPod, por exemplo). E ainda torna legal que qualquer obra possa ser copiada para fins de preservação do patrimônio cultural.

Assim também está sendo recebida positivamente a ideia do governo de supervisionar entidades que arrecadam direitos autorais no país. Na música, por exemplo, isso é feito pelo monopólio do Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (Ecad), que recebe muitas críticas dos artistas sobre seu modo de atuação. Ainda está em estudo se a fiscalização será feita por um novo órgão estatal ou por algum já existente no governo.

“Há um relativo consenso de que a melhor forma de atuação dessas entidades é através de um monopólio. Porém, ao contrário do que ocorre nos resto do mundo, as entidades de gestão coletiva no Brasil não estão sujeitas a nenhum tipo de tutela administrativa, de supervisão externa de suas atividades, o que é praxe em qualquer atividade exercida em forma de monopólio”, diz o Ministério da Cultura, em um texto em seu site.

Polêmicas

Algumas outras questões, porém, devem gerar mais polêmicas entre o governo e a sociedade civil. Uma delas é a possibilidade de se criar uma taxa a ser paga por cópias impressas, como textos de livros. Marcos de Souza, do MinC, confirma que existe mesmo essa intenção. Ele avalia ser uma iniciativa correta porque trata-se, neste caso, de uma atividade que envolve na maioria das vezes uma transação comercial explorada por donos de máquinas de xerox. Logo, segundo Souza, seria justo que parte desse ganho fosse revertido aos titulares das obras copiadas.

Essa taxa poderá ser paga pelo dono das máquinas de reprografia ou repassada ao consumidor, aumentando o valor das cópias. Porém, o Ministério da Cultura avalia que esse aumento seria pequeno, de até R$ 0,03. A proposta é que essa quantia arrecadada seja gerenciada por uma entidade que reúna as editoras e os autores das obras. “Queremos que pelo menos 50% seja destinado ao autor”, explica Marcos de Souza.

Alguns interessados no tema defendem que essa taxa pode onerar desnecessariamente o estudante que faz uso de fotocópias simplesmente porque não tem os meios econômicos para adquirir livros ou então porque alguns livros estão esgotados no mercado.

Jabá

A proposta de revisão da Lei de Direitos Autorais pretende também coibir o jabá no país, prática comum em que gravadoras ou empresários pagam para seus artistas terem suas músicas executadas em rádios ou emissoras de televisão.

Para Gustavo Anitelli essa seria uma ação importante já que o jabá serve para excluir parte importante da cultura brasileira. Ele cita, por exemplo, um estilo de música e comportamento muito popularizado nos Estados Unidos que veio parar no Brasil nos últimos anos por influência do jabá: o emocore (abreviação do inglês emotional hardcore). “Coloniza a nossa juventude dessa forma, dialogando com uma realidade que não tem nada a ver com a nossa”, critica Anitelli.

Porém, o integrante do movimento Música Para Baixar ainda não viu na proposta estudada pelo MinC nada mais incisivo com relação à prática do jabá. “A lei não discute mecanismos de punição para quem pratica o jabá. A lei serve pra falar que é feio e isso é uma derrota”, opina Anitelli. Para ele poderiam ser pensadas ações como a limitação da quantidade de vezes que uma música toca em uma rádio, a punição para quem pratica o jabá e até a não renovação da concessão de meios de comunicação que aceitem essa irregularidade.

Por sua vez, o responsável pelo andamento da revisão da lei no Ministério diz que estão sim sendo previstas sanções civis para quem usa de tal método para emplacar sua arte. Elas iriam de multas a indenizações. Marcos de Souza só ressalta que não se pode aplicar penas mais graves porque a lei não irá atuar no campo penal.

Sobre não ter colocado o anteprojeto em consulta antes, ele diz que um dos motivos tem sido a complexidade do projeto e os interesses que ele envolve. “A construção demanda escutar todo mundo”, explica Souza. Além disso, ele cita também a agenda do próprio MinC, que privilegiou encaminhar aos deputados projetos sobre outros assuntos.

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Saiba mais

– Os Direitos Autorais são um conjunto de normas legais e prerrogativas morais e patrimoniais (econômicas) sobre as criações do espírito, expressas por quaisquer meios ou fixadas em quaisquer suportes, tangíveis ou intangíveis.

– Os direitos autorais somente protegem as obras literárias, artísticas e científicas. O registro da obra depende da natureza dela e não é obrigatório, uma vez que a obra está protegida desde a sua criação. Entre os beneficiados pelos direitos autorais, estão os compositores, músicos, escritores, tradutores, cineastas, arquitetos, escultores, pintores etc.

– Já outros tipos de obras e invenções, como programas de computador, por exemplo, embora estejam sob a proteção do direito autoral, são regulados pela Lei nº 9.609/98 e sua política está a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

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