Canal Cidadania pode incentivar criação de conselhos de comunicação

A Portaria 198/2010 do Ministério das Comunicações, publicada uma semana antes do desligamento do então ministro Hélio Costa da pasta, esboça o que deverá ser o Canal Cidadania. Um entre os quatro canais públicos previstos no Decreto 5.820/2006, que estabeleceu as bases do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), a proposta apresentada só agora para o canal prevê que sua operação se dê de forma municipalizada, indicando inclusive que a gestão do canal seria feita através de conselhos municipais de comunicação.

A avaliação inicial de algumas entidades é que as diretrizes apontam idéias interessantes em relação à descentralização e participação social na gestão do canal, mas ao mesmo tempo um cenário confuso para que o Canal Cidadania entre de fato no ar. De um lado, a implantação do Operador de Rede Digital Pública, projeto em fase de licitação que permitirá levar os canais de TV públicos – TV Brasil, TV Senado, TV Câmara, TV Justiça o Canal da Educação e o Cidadania – a todo o território nacional, cria condições técnicas para que o canal à cargo do Minicom saia do papel. Porém, as diretrizes definidas na portaria acabam misturando idéias de comunicação comunitária e funções já cumpridas pelas emissoras educativas estaduais.

Para além da operação do canal em si, o grande destaque das diretrizes definidas na portaria é a exigência de que o Canal Cidadania esteja subordinado a conselhos de comunicação locais. Além de reforçar a noção de que o canal tomaria parte de um sistema público de comunicação, a iniciativa tende a incentivar a formação de um sistema de conselhos, uma das resoluções da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) apontada como pauta urgente pelas entidades da sociedade civil (Veja também: Conselho de Comunicação é pauta unânime entre organizações).

Rosane Bertotti, secretária Nacional de Comunicação da Central Única de Trabalhadores (CUT), saúda a medida, mas acredita que falta articulação mais direta do Canal com as propostas da Confecom, em especial no ponto dos conselhos. “Não achamos que tem ter um conselho só para o Canal Cidadania. Precisamos de um conselho para a política de comunicação do município, apto a discutir verbas públicas, as TVs comerciais e o tratamento as minorias e movimentos sociais”, diz Rosane. 

A indicação da criação do conselho também é avaliada positivamente por Jonas Valente, membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, que aponta alguns “desafios prioritários”. “ Para começar, é preciso garantir uma forma participativa de indicação dos membros dos conselhos. A experiência brasileira demonstra que se não tiver processo de indicação democrática, o espaço público será controlado pelas elites políticas”, comenta.

Valente também aponta a necessidade do conselho fixar diretrizes políticas e editoriais para o Canal Cidadania, a fim de garantir comprometimento com os objetivos traçados para a programação. Entre estes objetivos apontados nas diretrizes estão a diversidades de gênero e étnico racial; o incentivo à produção local, regional e independente; a promoção do direito à comunicação e dos demais direitos humanos e sociais.

Outro ponto destacado pelo membro do Intervozes é possibilidade de o canal ser usado para o desenvolvimento do governo eletrônico. Um dos artigos da portaria trata, exatamente, da oferta de aplicações que permitam o acesso a serviços públicos oferecidos por municípios, estados e pelo governo federal. Segundo Valente, o Canal Cidania pode promover experiências de interatividade em prol da participação social na condução das políticas em estados e municípios, via consultas à população. Isso daria transparência aos processos governamentais e pode permitir até deliberações com participação direta da sociedade na gestão pública.

Confusões operacionais

A presidente da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Regina Lima, avalia que falta clareza na operacionalização dos canais nos estados e municípios. Ela acredita que as diretrizes acabam apontando para o Canal Cidadania funções que já são cumpridas pelas emissoras educativas, mas que esta falta de clareza operacional não permite visualizar como e se as filiadas da Abepec vão se encaixar na sua gestão ou programação. Para Regina, estas incertezas sobre a participação das emissoras educativas não se dá apenas em relação ao Canal Cidadania, mas se estende a todo o projeto de rede digital de canais públicos.

Já as TVs comunitárias vêem na Portaria 189 a confirmação de que o governo não prevê a abertura de espaço para estas emissoras no espectro aberto. Nas palavras de Paulo Miranda, vice-presidente da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom) as normas do Canal Cidadania retificam a avaliação da entidade de que “as TVs comunitárias estão ficando de fora da TV digital”.

Miranda, porém, acha que a batalha não está perdida e aponta duas possibilidades para atenuar o quadro. A primeira é que as TVs comunitárias, nas cidades em que estiverem funcionando, assumam a gestão do Canal Cidadania. Esta alternativa não está prevista explicitamente nas diretrizes, mas poderia ser negociada na operacionalização do Cidadania. A segunda é a abertura de mais um canal na frequência exclusivo para as TVs comunitárias na rede digital pública. Miranda também não descarta o caminho das emissoras comunitárias participarem dos Conselhos do Canal Cidadania.

Público e estatal

Tanto a ABCCom, como a Abepec vêem nas diretrizes do Canal Cidadania uma aproximação com os projetos de suas associadas. Miranda ressalta que os vetos ao proselitismo religioso e veiculação de publicidade comercial de qualquer natureza “iguala” o caráter dos projetos das associadas da ABCCom e a emissora a cargo do Minicom. Já a presidente da Abepec, Regina Lima, diz que há “repetição do que as emissoras estaduais já fazem em sua grade de programação”. Até mesmo em relação a criação de conselhos locais, a Abepec compreende que suas associadas podem responder a essa demanda com o fortalecimento dos Conselhos Curadores. De qualquer maneira, Regina endossa que as diretrizes para o Canal Cidadania reforça a necessidade de participação social nas emissoras.

Para Jonas Valente, do Intervozes, o problema está na origem do decreto da TV digital que colocou para o Canal Cidadania características dos sistema estatal – por ser um canal de gestão da União – e público – por fazer uma aproximação, por analogia, entre o canal e as emissoras comunitárias, mais protegidas da ingerência do poder estatal.

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