Senado discute novo fundo público para financiar expansão

Enquanto o debate sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) fortalece a ideia de que é importante uma presença maior do Estado no setor, criando uma infraestrutura pública para prestar o serviço, um projeto em tramitação no Senado quer deixar a responsabilidade do crescimento da oferta basicamente nas mãos das empresas privadas. O Projeto de Lei 06/2010, apresentado em fevereiro pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA), já foi aprovado pela comissão de origem, a de Ciência e Tecnologia (CCT), e está para ser encaminhando à Comissão de Constituição e Justiça.

Até agora, o texto passou pelas mãos dos senadores sem modificações. O tucano propõe a criação do Fundo de Investimentos em Telecomunicações (Fitel), formado por parcelas de alguns fundos já existentes – o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) e o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel).

Segundo a proposta, 20% de cada um destes fundos seriam destinados ao Fitel. Esse novo fundo poderia ser acionado diretamente por prestadores de serviços privados, no caso, as empresas de telefonia, que atualmente não podem obter os recursos destes fundos públicos.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor ProTeste considera o projeto de lei ilegal, além de inoportuno por estar sendo apresentado no momento em que o governo federal tenta fechar o PNBL. Para a advogada da ProTeste Flávia Lefèvre, as empresas que têm concessão para oferta em regime público de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) – a telefonia fixa – não podem usar recursos vindos de fundos públicos para outras atividades, como as relacionadas à oferta de internet. “Seriam recursos públicos para implantação de redes privadas”, afirma Flávia.

O projeto de Flexa Ribeiro prevê também que as próprias empresas apliquem recursos no Fitel. A proposta prevê que empresas que recolham mais de R$ 50 milhões ao ano nas taxas relacionadas ao Fistel possam destinar 75% do pagamento que seria feito ao fundo de fiscalização para o novo fundo. Este mecanismo resultaria, segundo projeções do senador, em cerca de R$ 3 bilhões por ano.

O Fitel teria como objetivo “apoiar investimentos produtivos voltados à ampliação da capacidade e à atualização tecnológica da infraestrutura de redes de comunicação do país, e de fomentar a competição no setor de telecomunicações”. A proposta de Flexa Ribeiro é que as empresas ponham as mãos nos recursos dos fundos, que, em boa parte, são compostos pela contribuição dos cidadãos. A medida iria ao encontro das reivindicações das empresas de telefonia celular, que reclamam da taxa de fiscalização que são obrigadas a recolher.

Critérios

O projeto elenca algumas diretrizes de alocação da verba arrecadada com o novo fundo. Uma delas é a área geográfica, quando for notado que a infraestrutura nela instalada seja comprovadamente insuficiente para atender a demanda por serviços considerados essenciais. Seria também critério a ser considerado nos projetos a modernização tecnológica das empresas, “desde que represente atualização tecnológica da planta ou redução dos custos de prestação dos serviços”, diz o texto do projeto de lei.

Poderiam receber recursos do Fitel prestadores se serviço de telecomunicações que estejam em operação há, no mínimo um ano e meio e cuja base de assinantes seja superior a 5 mil assinantes. Além destes, seriam beneficiados os fabricantes de equipamentos de telecomunicações produzidos no Brasil.

Os agentes privados também teriam que oferecer uma contrapartida em seus projetos. Para uma grande empresa, com poder de mercado significativo, esse valor deve chegar a metade do total do projeto. Já as de menor porte, poderão ter de oferecer até 30% do custo total do projeto apresentado.

Para gerenciar o Fitel e aprovar os projetos das empresas, seria criado um conselho formado por um representante do Poder Executivo, um da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e uma pessoa de cada entidade detentora de, no mínimo, 5% do Fundo, conforme apurado a final de cada exercício.

O senador Flexa Ribeiro diz que seu projeto foi motivado pela constatação de que a “carga tributária incidente sobre o setor de telecomunicações tem sido o principal fator de atraso no desenvolvimento da respectiva infraestrutura e no acesso da população aos serviços, na medida em que retira das empresas capacidade de investimento e onera o consumo”.

Para o senador, é “consenso que a arrecadação do Fistel está superdimensionada em relação à finalidade legal do Fundo – custear as atividades de fiscalização do órgão regulador – em cerca de R$ 1,5 bilhão”. Essa tese, no entanto, não é corroborada pela Anatel. A Agência afirma que seria necessário mais dinheiro para fortalecer suas ações de fiscalização.

Até setembro do ano passado, o Fistel havia arrecadado R$ 4,49 bilhões. Para a Anatel, foram repassados R$ 326,6 milhões. Além disso, 5% do Fundo vai para a comunicação pública, que vai garantir à Empresa Brasil de Comunicação este ano, por exemplo, R$ 116 milhões. O resto dos recursos ficou no caixa da União para fins de superávit primário. Existem alguns projetos no Congresso que vedam o contingenciamento de recursos para as agências reguladoras de vários setores, incluindo a Anatel.

Já no caso do Fust e do Funttel, o problema, para Flexa Ribeiro, seria outro. “O montante arrecadado é compatível com a finalidade a que se destinam. Entretanto, seus recursos vêm sendo contingenciados pelo governo para cumprimento das metas de superávit primário”, relata ele, na justificativa de seu projeto.

Além do contingenciamento, o Fust, que se estima já ter arrecadado cerca de R$ 8 bilhões desde 2001, também não pode ser usado por uma questão legal. O Decreto 3.624/00, que regulamenta a lei do Fust (9.998/00), determina que os recursos sejam aplicados no cumprimento das obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviços no regime público. No Brasil, apenas a telefonia fixa está assim categorizada.

Como há o entendimento que tornou-se prioridade com o passar do tempo a expansão da banda larga, vários projetos de lei propõe que o Fundo seja usado para este fim. Um deles é o do senador Aloísio Mercadante (PT/SP), que propõe o uso prioritário das verbas para levar conexão de internet banda larga para as escolas do país, obrigando que ao menos 75% dos recursos sejam utilizados para esta finalidade. O texto aguarda a votação no plenário da Câmara dos Deputados.

O Fust arrecada cerca de R$ 1 bilhão ao ano, na forma de contribuição de 1% da receita operacional bruta das empresas de telecomunicações. O Funttel arrecada aproximadamente R$ 300 milhões, e o Fistel, R$ 3 bilhões, pagos sobre cada linha fixa e celular em funcionamento.

Escândalo por nada

A advogada também considera que, pelo aspecto econômico, o projeto é um “escândalo”. Isso porque as concessionárias não precisariam das receitas dos fundos, já que boa parte de seus rendimentos vem da assinatura básica de telefone. “Foi com esse recurso que, ilegalmente, implantaram as redes de fibras óticas que tem hoje”, lembra Flávia. Isso não poderia ser feito, segundo a advogada, pois a Lei Geral de Telecomunicações não permitiria que as empresas que possuem concessão para o serviço de STFC usem essa condição para ofertar serviços em outras plataformas, como a internet. “Se elas (empresas) querem implantar rede, elas têm que tirar esse dinheiro de outro lugar, não do contrato de concessão do STFC”, resume.

O setor empresarial também parece não estar convencido de que o novo sistema de financiamento proposto pelo senador Flexa Ribeiro vai funcionar. O superintendente-executivo da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), César Rômulo, acredita que o projeto não vai causar mudanças significativas nem para as teles. Apesar de se dizer sensibilizado com a proposta do senador, César diz que o modelo continuaria “sujeito a tudo que temos hoje. Tem os fundos e o governo contingencia”, avalia.

Para o empresário, o que aumentaria a oferta de banda larga no país seria a redução dos tributos que recaem sobre o setor. “Conceitualmente tem que haver uma redução da carga tributária. O que vai massificar a banda larga é o consumidor ter poder de compra para usar o serviço”, afirma César Rômulo. Para ele, por exemplo, uma iniciativa importante seria criar uma regulação que diminuísse o poder dos estados de taxar elevadamente, por meio do ICMS, os serviços das empresas. Segundo ele, o serviço seria competência da União.

Já a advogada do ProTeste, apesar de considerar alta a carga tributária sobre os serviços, acredita que a universalização da banda larga não passa essencialmente pela baixa dos tributos. “A energia elétrica tem a mesma carga tributária e tem uma penetração grande no país. É caro, mas as pessoas têm luz”, compara.

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