Prática de monopólio midiático em debate no sul do Brasil

No dia 5 de outubro deste ano, o procurador da República em Canoas (RS), Pedro Antonio Roso, solicitou ao presidente do Grupo RBS, Nelson Pacheco Sirotsky, entre outras informações, o número de veículos de TV e rádio que a empresa possui no Rio Grande do Sul, “bem como suas afiliadas, emissoras e repetidoras”. O pedido faz parte de um procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público Federal para “apurar ocorrência de possível prática de monopólio e irregularidades nas concessões de Rádio e Televisão por parte do Grupo RBS no Rio Grande do Sul”. Em uma iniciativa inédita, o MP Federal no Rio Grande do Sul promoveu uma audiência pública para discutir o tema com representantes da sociedade.

Na audiência realizada na tarde de quarta-feira (25), na Câmara de Vereadores de Canoas, foi divulgada a resposta da RBS ao requerimento. O documento assinado pela advogada Fernanda Gutheil, afirma que a RBS Participações S.A. detém apenas duas concessões de serviços de radiodifusão de som e imagem (TV) – Canal 12, em Porto Alegre; e Canal 8, em Caxias do Sul. Além disso, informa que a RBS Rádios Participações S.A. tem três permissões indiretas, duas FM e uma Ondas Médias (OM).

Não é exatamente isso que diz o site institucional da RBS, onde somos informados que a empresa possui 18 emissoras de TV aberta (12 no Rio Grande do Sul e 6 em Santa Catarina), além de 2 emissoras de “tv comunitária” e uma emissora segmentada focada no agronegócio (21 no total, portanto, nos dois Estados). A RBS apresenta-se como “a maior rede regional de TV do país com 18 emissoras distribuídas no RS e em SC, com 85% da programação da Rede Globo e 15% voltada ao público local”. Além disso, possui ainda:

25 emissoras de rádio, 8 jornais diários, 4 portais na internet, uma editora, uma gráfica, uma gravadora, uma empresa de logística, uma empresa de marketing e relacionamento com o público jovem, participação em uma empresa de móbile marketing e uma Fundação de Responsabilidade Social.

Diante destes números, uma pergunta repetiu-se na audiência pública: Se a RBS afirma ter apenas duas concessões de TV no Rio Grande do Sul, a quem pertencem as outras 10 emissoras de TV aberta que são mencionadas no site institucional da empresa? Emissoras como a RBS TV Passo Fundo, RBS TV Santa Maria, RBS TV Santa Rosa, entre outras. Formalmente, essas emissoras estão abrigadas sob outro CNPJ e a RBS tem usado esse argumento para afirmar que não está infringindo a lei que estabelece no máximo duas emissoras por titular. Argumento, aliás, repetido por outras empresas em outros Estados do Brasil. O Decreto-lei 236/67, em seu artigo 12, cabe lembrar, limita em duas concessões no máximo por proprietário dentro do mesmo Estado.

A audiência realizada em Canoas contou com representantes do Ministério Público Federal, do Ministério das Comunicações, da Agência Nacional de Telecomunicações, da Advocacia Geral da União e da sociedade civil. Álvaro Augusto de Souza Neto, coordenador de renovação e revisão de outorga do Ministério das Comunicações, e Marcos Augusto do Nascimento Ferreira, da AGU, disseram que as concessões da RBS estão de acordo com a legislação atual e, em tese, não se pode afirmar a prática de monopólio pela empresa no Rio Grande do Sul. Sobre esse tema, o procurador da República Celso Três, que move, junto com dois colegas do MP Federal, uma ação contra a RBS em Santa Catarina, tem um entendimento diferente, conforme afirmou a propósito da ação que move contra a empresa naquele estado:

Quando a lei diz que tu não podes ser titular de mais de dois veículos, qual é o objetivo dela? É evitar concentração. Se é da mesma família, se tem a mesma programação, está concentrado, é evidente. É uma fraude clara ao objetivo da lei. Não teria sentido proibir que alguém seja proprietário de mais de dois meios de comunicação e permitir que esse meio de comunicação transmita a mesma programação, tenha a mesma linha editorial etc. É a mesma coisa que nada.

Em cada estado, um titular só pode ter no máximo duas emissoras – emissoras, não retransmissoras. Este é outro vício: as emissoras têm outorgas de emissão, ou seja, elas deveriam produzir programação, mas não produzem ou fazem uma programação local ínfima, como é o caso da RBS. Existem várias “emissoras”, em Florianópolis, Criciúma, Lages, Xanxerê, Blumenau, Joinville. Mas, na verdade, elas só produzem um noticiário local.

A radiodifusão – emissora de rádio e TV – deve estar em nome de pessoa física, não de pessoa jurídica, e cada pessoa só pode ter duas por estado. Daí, o que eles fazem é colocar em nome de pessoas da família (em Santa Catarina, no caso). E isso tudo está demonstrado claramente na ação. Inclusive a questão da retransmissão.

Ao final da audiência em Canoas, o procurador Pedro Antonio Roso decidiu solicitar maiores informações ao Grupo RBS para esclarecer qual a relação mantida entre a empresa e as emissoras de TV do interior do Estado, que tem o mesmo nome, transmitem a mesma programação e integram a vida institucional do grupo, conforme é dito no site institucional do mesmo. Reconhecendo os limites que a legislação brasileira atual oferece para a caracterização da prática de monopólio no setor, o procurador pretende reunir maiores informações sobre o caso para definir se está ocorrendo “monopólio de fato” no Rio Grande do Sul, seguindo entendimento de colegas seus em Santa Catarina.

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