A luta das mulheres por outra comunicação

Nesta quinta-feira, o movimento feminista dará um passo importante em sua luta pela igualdade de gênero no Brasil. No bojo das atividades do mês de março, quando celebramos o Dia Internacional de Luta das Mulheres, terá início em São Paulo o seminário nacional “O Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia”, cujo objetivo principal é articular, por todo o país, uma rede de monitoramento do conteúdo veiculado pelos grandes meios de comunicação. A idéia é que, a partir deste acompanhamento, o movimento tenha elementos para provocar mudanças concretas na mídia nacional, há tanto tempo reivindicadas pelas feministas.  

A ausência da imagem e da voz de um Brasil plural, multicultural e multi-étnico faz com que a maioria das brasileiras não se reconheça na TV. São constantes na grade de programação a banalização do sexo e da violência; a fragilidade e subalternidade reforçadas como coisa natural; a maternidade e o casamento como única fonte de realização; a produção, espetacularização e interpretação da “realidade” segundo uma visão única e conservadora; e o modelo inalcançável e impositivo de beleza vendido pela publicidade, que também nos trata como uma mercadoria a ser comercializada.

Cotidianamente, temos nossa auto-estima rebaixada por este modelo irreal de mulher que a televisão projeta em nosso inconsciente. Da mesma forma, a TV interfere no imaginário coletivo, perpetuando um mundo habitado pela desigualdade de gênero em vez de produzir imagens que proponham novas possibilidades nas relações humanas. Onde estão as lésbicas, as negras, as indígenas, as mulheres com deficiência, as trabalhadoras rurais, as sindicalistas?

É um universo complexo, no qual as entidades voltadas à promoção da igualdade de gênero começam a se aprofundar. Brasil afora, são diversas as iniciativas de ONGs e redes que buscam pautar o tema da comunicação na agenda do movimento feminista. Destacam-se, neste sentido, os diversos seminários já promovidos pelo Instituto Patrícia Galvão; as atividades de formação e monitoramento das mulheres pernambucanas; as ações na Justiça tocadas pela organização Themis, do Rio Grande do Sul; o direito de resposta obtido pelo Intervozes e outras organizações contra o programa “Tardes Quentes”, do apresentador João Kleber; entre tantas outras.

Exigindo uma representação adequada

Bebendo destas fontes, em março de 2007, o movimento de mulheres de São Paulo entrou nesta briga. Articuladas, elas encaminharam ao Ministério Público Federal (MPF) uma representação contra diversas violações de direitos das mulheres cometidas pelas emissoras de TV, solicitando um direito de resposta coletivo. Partia-se do princípio que, como concessionárias públicas exploradoras do serviço de radiodifusão, as emissoras têm o dever de respeitarem a diversidade e a pluralidade, assim como funcionarem com base no interesse público.

No dia 23 de abril, uma concorrida audiência pública colocou representantes dos movimentos feministas, de mulheres e das emissoras de TV frente a frente, num diálogo nunca antes estabelecido de tal maneira. Sem surpresas, as emissoras revelaram grande arrogância e recusaram-se a modificar o conteúdo de sua programação de forma a garantir, na tela, uma representação mais democrática da diversidade das mulheres.

A luta, no entanto, não terminou ali. Deste processo surgiu a Articulação Mulher & Mídia, uma frente de várias entidades feministas que, desde então, tem promovido palestras, debates e ações de controle social da imagem da mulher veiculada nos meios de comunicação. Sua organização em torno do tema levou à aprovação, na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, de um eixo específico sobre comunicação e cultura democráticas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM).

Um programa feminista para a comunicação

As resoluções II Conferência demonstram que as mulheres querem exercer participação central, ativa e constante na luta pela democratização do acesso à mídia, pela definição de critérios transparentes para outorga e renovação de concessões e pelo desenvolvimento de mecanismos de controle social do conteúdo veiculado na TV.

Todas sabem que a democratização da mídia em nosso país poderia ainda ajudar a desenvolver os demais eixos do Plano Nacional. As políticas públicas necessárias para a saúde, a educação, a cultura, o combate à violência e a toda forma de discriminação e para a ampliação do espaço político da mulher poderiam ter grandes avanços com uma televisão que representasse a diversidade e a pluralidade de visões e fosse um espaço acessível às mulheres.

O seminário que começa nesta quinta-feira responde justamente a esta demanda: despertar a consciência das mulheres para a questão da mídia e, a partir daí, diante da formação de uma rede, inaugurar um processo de capacitação e reflexão mais profunda, para uma ação mais uniforme e conseqüente das mulheres no campo da comunicação.

Num ano que promete marcar o campo com a realização da I Conferência Nacional de Comunicação, as mulheres e sua luta pelo controle social da mídia serão aliadas de primeira hora de todos e todas que reivindicam uma televisão pública de qualidade, baseada no princípio do interesse público e na compreensão da comunicação como um direito humano. Que sejam bem-vindas a esta batalha todas essas companheiras!

Acompanhe o seminário pelo endereço www.mulheremidia.org.br

Bia Barbosa é jornalista, integrante do Intervozes e da Articulação Mulher & Mídia, e empreendedora social da Ashoka.

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