Briga judicial pode frear temporariamente alguns projetos digitais

Um freio temporário, mas não definitivo, para algumas iniciativas de inclusão digital. Este pode ser o efeito, segundo especialistas, da decisão da juíza Maria Cecília de Marco Rocha, da 6ª Vara do Distrito Federal, que na semana passada concedeu liminar suspendendo a troca de obrigações do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), ocorrida em abril deste ano [veja matéria Banda larga chegará a todas as cidades até 2010]. A juíza acatou pedido da organização Pro Teste, que alega que a troca de obrigações é inconstitucional.

A troca de obrigações do PGMU — as concessionárias de telefonia fixa não mais teriam que instalar Postos de Serviço Telefônico (PSTs), mas backhauls para levar internet em banda larga a todos os municípios até 2010 —  foi definida em decreto, após conversas entre a União e as concessionárias.  Em seguida, teles e governo fizeram acordo para que as primeiras, aproveitando a infra-estrutura, levassem internet em banda larga para todas as escolas públicas urbanas do País, número que gira em torno de 55 mil.

"O governo e a Anatel vão fazer tudo o que puderem, utilizando todos os recursos judiciais disponíveis para reverter essa situação absurda", garantiu ao Guia das Cidades Digitais o consultor jurídico do Ministério das Comunicações (Minicom), Marcelo Bechara. "Vamos usar os mecanismos e medidas cabíveis", reforça.  Segundo ele, o pedido da organização Pro Teste não condiz com o que ela prega. "Uma organização que diz defender o usuário provoca justamente uma decisão que o prejudica", cutuca.

Segundo a Pro Teste, a intenção de sua ação seria baratear para o usuário custos da telefonia fixa. A decisão seria uma "significativa porta para que os consumidores briguem pela redução da assinatura básica porque a manutenção de seu preço astronômico sempre foi justificado pela Anatel pela necessidade do custo do cumprimento das metas de universalização", afirmou a advogada da instituição, Flávia Lefèvre Guimarães, em entrevista ao portal "Convergência Digital".

Para o advogado especializado em telecomunicações e Cidades Digitais Eduardo Ramires, a decisão não é tão grave, pois é temporária. "A principal conseqüência dessa decisão é devolver os contratos de concessão ao status quo anterior, em que as concessionárias têm que construir os PSTs, em banda estreita, nas condições originalmente colocadas", diz. Mesmo minimizando a ação, por não ser perene, ele a considera "equivocada".

Segundo Ramires, uma decisão em liminar teria sentido se houvesse urgência ou risco de perda de recursos públicos, caso não fosse tomada uma ação com rapidez. Para o advogado, não é este o caso: "em vez de proteger o erário e proteger interesses de usuários, a decisão atrapalha e retarda investimentos úteis e benefícios ao cidadão. Não consigo enxergar quais seriam danos irreversíveis, quais são os motivos que ela vê para considerar que a perda de dinheiro público seria irreversível. O resultado desses investimentos são bens reversíveis ao Estado ao final da concessão", diz.

Inconsistência

O consultor em Cidades Digitais Newton Scartezini também aponta inconsistência nos motivos alegados para a decisão judicial. "A decisão reforça a tese de criar varas especializadas em TIC no Poder Judiciário, por revelar falta de conhecimento sobre a área. A decisão foi baseada no argumento da não reversibilidade dos equipamentos ao poder público quando do término da concessão. Os meios que viabilizam o backhaul são os mesmos do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), cuja reversibilidade é garantida pela Lei Geral de Telecomunicações. O argumento, portanto, não procede", explica.

A troca de PSTs por backhauls poderia privilegiar não só o programa Banda Larga nas escolas (principal objetivo da mudança), mas toda a qualquer iniciativa de inclusão digital, na medida em que estabeleceria infra-estrutura de banda larga para todos os 5.564 municípios brasileiros. Projetos de Cidades Digitais, por extensão, também poderiam ser privilegiados pelo cenário de banda larga mais facilmente disponível. "Quem faz Cidade Digital com banda discada?", questiona Bechara.

Segundo ele, o backhaul resultante da troca de obrigações permitiria que outros serviços fossem prestados através daquela mesma rede, muitos deles necessários e relativos a uma cidade digital. "Para qualquer projeto desses dar certo, a conexão tem que chegar às cidades. E, para isso, é preciso haver a infra-estrutura que permita", resume.

Scartezini acredita que a decisão não afeta diretamente os projetos de Cidades Digitais — "já que a troca dos PSTs por backhauls se destina a atender exclusivamente a escolas da rede pública e os projetos de Cidades Digitais têm objetivos mais amplos" — mas sim indiretamente. "A existência de acessos em banda larga nas escolas estimula a demanda por universalização de acesso, pela motivação criada pelas crianças nas famílias e pela disponibilidade de interconexão que o backhaul oferece", atesta.

Para Ramires, o impacto será temporário. "A decisão não deve prevalecer. Deve gerar recursos e, conhecendo as razões da administração e as alegações das concessionárias do outro lado, é muito pouco provável que ela permaneça."

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