Teia 2008 afirma cultura como direito social e obrigação do Estado

Marcada pelo forte debate acerca dos rumos das políticas públicas de apoio à cultura no país, a Teia 2008 mostrou avanços e lacunas no espaço que articula mais de oitocentos pontos de cultura de todos os cantos do Brasil. Reunidos na capital federal, de 12 a 16 deste mês, sob o mote “Direitos humanos: iguais na diferença”, referência à celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 670 delegados e outras centenas de militantes e realizadores culturais afirmaram o direito à cultura e a obrigação do Estado em garantir a sua plena realização.

A síntese dessa idéia, expressa na “Carta da Reproclamação da República pela Cultura”, é a defesa veemente da transformação dos pontos de cultura – atualmente um programa do Ministério da Cultura (MinC) de apoio a iniciativas locais – em política de Estado, com orçamento definido e mecanismos de controle público e social da sua gestão.

Se, por um lado, chamou a atenção a diversidade de tipos e expressões presentes no Complexo Cultural da República durante os quatro dias da Teia, por outro, surpreendeu a baixa repercussão do evento entre a população de Brasília e das cidades-satélites. A programação foi composta de oficinas, palestras, debates, apresentações musicais em palcos montados no gramado da Esplanada, várias formas de teatro, maracatus e outros estilos de percussão, violeiros, artistas de circo, danças regionais, exposições de arte, entre muitas outras atividades. Isso tudo conseguiu atrair um público médio diário de apenas duas mil pessoas, segundo o próprio MinC.

Comunicação e cultura

Em paralelo a essa lacuna, o encontro – ápice de mobilização que envolveu mais de seis mil pessoas em dezenove encontros estaduais – também reforçou a percepção a respeito da importância da comunicação livre e democrática para a fruição efetiva das tão ricas e numerosas expressões culturais espalhadas pelo Brasil. Mais do que isso, diante das experiências de comunicação compartilhada da Teia, foi bastante nítida a sensação de que a mídia comercial não cumpre o papel de promover esse diálogo entre as diversas culturas que constituem o mosaico do que se chama de nação brasileira.

Para materializar essa visão, um exército de comunicadores, profissionais ou não, dá suporte ao diálogo entre as atividades e os participantes da Teia de forma colaborativa e participativa. No entanto, na avaliação de muitos desses voluntários, esse tipo de iniciativa ainda carece de apoio e de respeito por parte do Estado.

“A experiência foi boa no sentido colaborativo, com as pessoas participando do processo, mas ainda falta muito para que possamos ter essa forma de comunicação mais autônoma. Ainda existe uma hierarquia gigantesca que faz uma censura prévia sobre o que vai ser veiculado, por causa da dimensão desse evento”, aponta Róbson Bonfim, coordenador do espaço de Comunicação Livre da Teia.

Entre outros temas da pauta das políticas de comunicação, o projeto que propõe a vigilância e a criminalização de usuários da Internet, do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), foi alvo de intensos debates e protestos.

Além da comunicação, outros setores agregaram-se à mobilização dos militantes e fazedores da cultura, como a economia solidária, os movimentos campesinos e da diversidade sexual.

Cobrança por políticas públicas

Mas o ponto forte desta terceira edição da Teia – Encontro Nacional dos Pontos de Cultura, além da cobrança ao Estado de apoio ao setor, foi o avanço das propostas de políticas públicas para fortalecer a produção e a difusão cultural no país.

A idéia de criação de um Sistema Nacional de Cultura, tema candente há alguns anos, ganhou força nos debates realizados na Teia. A existência do SNC sinalizaria claramente a possibilidade de aglutinar e sistematizar as diversas demandas do setor, garantindo ainda a autonomia e a independência, inclusive econômica, dos atores da sociedade civil envolvidos neste processo.

Para Célio Turino, titular da Secretaria de Políticas e Programas Culturais do MinC, a Teia tem o efeito simbólico de unir reflexão, organização e encantamento, mas vai muito além disso. “O que esse processo dos pontos de cultura mostra é que as pessoas têm o direito, e mais do que isso, o dever de ocupar o seu protagonismo. Esta Teia está mais amadurecida, o movimento tem ganhado autonomia, mas ainda há muito por fazer”, pondera o secretário, num contexto onde o ministério foi duramente criticado por atraso no repasse de verbas dos convênios que apóiam os pontos de cultura.

Marcha pela Esplanada

No sábado (15), os participantes do encontro fizeram uma marcha pela Esplanada dos Ministérios, em direção à Praça dos Três Poderes, onde ocorreu o ato simbólico de Re-Proclamação da República pela cultura. Poucas vezes o centro do poder político do país esteve tão colorido e tão festivo.

Entretanto, o clima de festa não impediu um ato isolado de intolerância. No início da caminhada, o cortejo fez uma parada na Catedral, criada para ser o “Ministério Ecumênico”. Alguns grupos entraram no prédio, mas indígenas e mães-de-santo acompanhadas de dançarinos paramentados com vestimentas de matriz africana foram barrados e viram as portas do local serem fechadas para evitar a sua entrada.

Como fruto dos debates realizados no II Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, ocorrido durante a Teia, foram aprovadas cento e vinte e cinco resoluções específicas e noventa resoluções gerais sobre políticas públicas para a cultura, que se somam às resoluções da I Conferência Nacional de Cultura, realizada em dezembro de 2005, como diretrizes que devem nortear a ação do Estado nesta área.

Mais informações: www.teia2008.orgwww.iteia.org.brwww.cultura.gov.br

Veja aqui a íntegra do documento final da Teia 2008.

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