Entidades pedem contrapartidas à criação da ‘supertele’

Se o governo e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mantiverem as atuais propostas de alteração dos planos Geral de Outorga (PGO) e de Atualização dos Regulamentos de Telecomunicações (PGR), viabilizando a compra da Brasil Telecom pela Oi, precisam ao menos introduzir medidas que garantam algum benefício ao cidadão no novo quadro de concentração. Esta foi a mensagem dos representantes de usuários e de entidades de defesa do direito do consumidor na última reunião do Conselho Consultivo da Anatel, realizada na última sexta-feira (2/7).

O encontro foi o segundo de uma série de debates que o órgão vem promovendo sobre a atualização do PGO e do PGR e contou com a participação de representantes das concessionárias de telefonia fixa (Abrafix), de médias e pequenas operadoras de telecomunicações (Telcomp), do Procon-SP e do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Na reunião, os conselheiros passaram dos costumeiros questionamentos sobre a motivação empresarial da revisão dos planos pela Anatel a comentários que dão como certa a aprovação das propostas e a conseqüente legalização da fusão BrT-Oi. Diante desta constatação, partiram para a discussão sobre quais contrapartidas a agência deve garantir nas normas em discussão.

"A situação está posta e vamos engolir goela abaixo, como aconteceu – e este governo criticou – na privatização. Diante do rolo compressor, queremos condicionantes", reivindicou a advogada Flávia Lefévre, da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. "É o que nos resta querer. Embora o jogo do PGO tenha resultado já conhecido, a política pública tem que ter como resultado o atendimento das necessidades da sociedade."

O diretor do Procom de São Paulo, Roberto Pfeiffer, reforçou a posição. Pediu, admitida a concentração resultante das iniciativas, "medidas compensatórias" para que as políticas do setor atendam minimamente o interesse do cidadão.

Desagregação de rede

A contrapartida mais mencionada pelos presentes foi uma efetiva desagregação de rede. "Ao que tudo indica, se este processo de fusão vai acontecer, deve haver regras para dividir benefícios com o consumidor e é fundamental que haja série de medidas de desagregação de rede, que se force a competição para que haja ganho da sociedade brasileira em torno deste processo", defendeu a representante do Idec, Daniela Trettel.

Embora a desagregação de rede esteja na legislação do setor de telecomunicações como uma medida a ser promovida pela Anatel, ela nunca foi implantada de maneira efetiva. Atualmente, pratica-se uma separação contábil, na qual a detentora da rede precisa discriminar o custo de venda da capacidade de tráfego de dados à agência. "A separação contábil permite subsídio cruzado", criticou Luiz Cuza, da Telcomp. Este sistema, acrescentou, permite que concessionárias cobrem um valor alto pelo uso da rede, o que inviabiliza a presença de novos operadores dividindo a mesma infra-estrutura.

A redação atual do PGO traz, segundo o diretor Pedro Jaime Ziller, uma separação por regime: o grupo detentor de concessão deveria manter uma pessoa jurídica para a exploração do serviço de telefonia fixa (e, por conseqüência, da rede) e outra para a prestação de qualquer serviço que utilizasse a infra-estrutura, especialmente provedores de Internet em banda larga. É importante considerar que a explicação do dirigente da Anatel não está, necessariamente, de acordo com o texto do PGO apresentado pelo Conselho Consultivo, cuja ambiguidade já foi reconhecida por outros dirigentes da agência.

Os presentes à reunião defenderam uma desagregação mais profunda. "Precisa haver efetiva separação entre rede e serviço", defendeu Roberto Pfeiffer. O advogado citou como exemplo o modelo inglês, onde os agentes que administram a rede e os que prestam o serviço são diferentes. "A experiência inglesa desmente o fato de que a detenção da rede pelo prestador do serviço de telecomunicação é caminho inexorável a seguir", avaliou.

Luiz Cuza, da Telcomp, defendeu o que chamou de "separação funcional". "Separando a rede pública dos serviços vai ajudar que ela seja um instrumento de garantia da concorrência. A Anatel pode facilmente fiscalizar isso e os diferentes coligados ou concorrenctes podem trabalhar com os mesmos preços para o consumidor. Quebra o monopólio, porque rede vai se valorizar e ter mais investimentos, segue o caminho da convergência, evita práticas não isonômicas e dá mais transparência", propôs.

Luiz Fernando Pauletti, da Associação Brasileira das Concessionárias de Serviço de Telefonia Fixa Comutado (Abrafix), rebateu as propostas afirmando que a desagregação já existe, porém os operadores não aceitam pagar o preço cobrado pela infra-estrutura pelas concessionárias. Na sua opinião, o objetivo do governo de expansão da banda larga só será alcançado com competição entre redes múltiplas (como a de telefonia, a de TV à Cabo e as móveis como o Wimax). A regulação, concluiu, não deve mais ser tratada por tecnologia, mas possibilitar que as prestadoras escolham os meios técnicos mais adequados em cada momento para a prestação de um serviço.

Para o conselheiro Valter Faiad, ocupante de uma das cadeiras de representação dos usuários, o raciocínio de que a escala garantida pela concentração seria a forma de viabilizar uma expansão da oferta de banda larga não pode ser considerada a sério "nem teórica, nem retoricamente". Em outros mercados, como nos planos de saúde, as fusões acarretaram o aumento dos preços do produto. "Não existe instrumento concreto que garante que haverá divisão de ganhos com o consumidor", alertou.

Modelo de custos

O argumento do representante da Abrafix de que a desagregação não é praticada pelo fato de os pequenos operadores não aceitarem pagar o preço cobrado pelo uso da rede foi questionado pelos presentes. A ausência de um modelo de custos por parte da Anatel inviabiliza que o órgão regulador possa fiscalizar de maneira eficaz a negociação de capacidade de tráfego de dados, possibilitando que as concessionárias pratiquem preços discrminatórios.

Na opinião de Flávia Lefévre, a aprovação do PGO sem este mecanismo, previsto no PGR para ser implantado em dois anos, evidencia o contra-senso de se definir as duas normas ao mesmo tempo quando, na verdade, a segunda deveria vir antes da primeira. Mais do que o atropelo, o fato da Anatel não ter elaborado o modelo até hoje, mesmo sendo esta uma obrigação prevista na Lei Geral de Telecomunicações, gera uma forte dúvida sobre se a Agência irá mesmo fazê-lo daqui a dois anos.

Diante do "rolo compreessor", restou aos conselheiros rebaixarem o patamar das reivindicações para que o atropelo e a ausência da Anatel verificada até hoje não se repitam com os já precários instrumentos existentes no PGO e no PGR. "Já que tudo isso está dado, seria necessário que minimamente algumas coisas que estão previstas nesta proposta sejam implementadas pelo menos antes de 2011, quando haverá revisão de contratos de concessão", sugeriu Flávia Lefévre.

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