Após 10 anos, usuário sofre com tarifas muito altas

Construído desde o início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, o modelo da telefonia brasileira marcado pela privatização da Telebrás em julho de 1998 completou 10 anos cercado de críticas. No lugar do que se alegava ser um sistema estatal atrasado, incapaz de atender a demanda reprimida por expansão deste serviço e melhoria tecnológica e infra-estrutural, os artíficies da nova política anunciaram um novo ambiente calcado na universalização, competição e acesso via tarifas baixas. As promessas, no entanto, não se concretizaram e estão longe de se tornar realidade, sendo uma herança cujo entendimento se faz crucial no momento em que se discute uma nova reorganização do setor.

Já na sua posse, em janeiro de 1995, o primeiro ministro das Comunicações de FHC, Sérgio Motta, expôs a disposição de mudar o modelo de telecomunicações do país. Em fevereiro daquele ano, dentro de um pacote de reformas, foi enviada ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional que viabilizou legalmente a exploração dos serviços de telecomunicação por empresas privadas. Em 1997, foi aprovada a Lei Geral de Telecomunicações (9.472), que estabeleceu o novo ordenamento legal da área, criou a Agência Nacional de Telecomunicações e autorizou o Poder Executivo a privatizar a Telebrás.

Em 29 de julho de 1998,o governo realizou o leilão da estatal vendendo sua estrutura e o direito de exploração em uma divisão que compreendia quatro áreas. A primeira compreendia parte do Sudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais), todo o Nordeste e uma parte do Norte (Pará, Amapá, Amazonas e Roraima) e foi vencida pelo grupo Telemar. A segunda abrangia as regiões Sul, Centro-Oeste e a parte restante da Norte (Tocantins, Rondônia e Acre) e foi obtida pelo grupo que hoje está à frente da operadora Brasil Telecom, formado sobretudo por fundos de pensão. A terceira estava limitada ao estado de São Paulo e foi ganha pelo grupo espanhol Telefónica em associação com a empresa Portugal Telecom. As pequenas operadoras Sercomtel e CTBC continuaram podendo explorar o serviço nos municípios que já atendiam, em regiões no interior do Paraná e de São Paulo. A quarta área era o território nacional para prestação de chamadas de longa distância e ficou com a Embratel, que passou a ser controlada pelo grupo estadunidense MCI.

Com a separação em áreas diferentes, criaram-se monopólios regionais, à exemplo da opção adotada nos Estados Unidos. “Só que a posição dos EUA no sistema global das telecomunicações era e continua sendo única e hegemônica e a do Brasli era e é extremamente subordinada neste processo”, compara o professor da Universidade de Brasília César Bolaño. A competição viria então de duas formas: a autorização para atuação de empresas na mesma área das concessionárias (empresas-espelho) e a liberação, a partir de 2002, da possibilidade de uma concessionária atuar na área das demais.

O leilão das empresas-espelho teve poucos interessados, resultando apenas na entrada da Intelig na área das ligações de longa distância para concorrer com a Embratel e com venda da operação na região II (Sul, Centro-Oeste e parte do Norte) para a GVT. Segundo Luiz Cuza, da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), o principal limite à expansão das espelhos foi a dificuldade de competir com as concessionárias seja com infra-estrutura própria, cujos custos iniviabilizariam o negócio, seja na rede das concorrentes, o que também veio a se tornar algo muito difícil pela falta de portabilidade numérica e desagregação de rede (unbundling). A única opção destas operadoras foi a disputa do mercado corporativo em áreas rentáveis, alternativa que vem sendo bem explorada pela GVT.

Já a expectativa de que as concessionárias entrassem na área umas das outras não se concretizou. “Nosso estudo reconhece que os interesses financeiros de concessionárias levam a um tipo de acordo que prevê que uma empresa não entra em área de outras para manter preços altos e não ter concorrência em sua área. É muito melhor ficar com mercado elevado na sua região do que entrar em outro mercado”, argumenta Cuza mencionando estudo que a Telcomp recentemente divulgou sobre a competitição no setor.

Para o professor César Bolaño, este comportamento é próprio do funcionamento econômico da área de telefonia. “Se tem um monopólio em uma região e outro na outra, é muito mais fácil que haja acordo do que concorrência”, diz.

Contra as acusações de cartelização, as concessionárias respondem com o argumento de que a concorrência dever ser compreendida no conjunto do setor, e não em uma área específica. “Não houve concorrência dentro de telefonia fixa, mas no serviço de voz sim”, afirma Luiz Fernando Pauletti, da Associação Brasileira das Concessionárias de Serviço de Telefonia Fixa Comunitado (Abrafix). Na categoria “serviço de voz”, estão somadas todas as formas de comunicação por voz, como a telefonia celular e sobre plataformas IP (ou Voip), além do próprio serviço tradicional.

Ainda segundo as concessionárias, a falta de competição se deve à ausência de competidores. Dados da Abrafix apontam que em 94% dos municípios brasileiros só há uma operadora de telefonia fixa atuando. Os 6% onde há algum tipo de concorrência, no entanto, representam 53% da população brasileira e 58% do PIB nacional. Ou seja, seguindo esta lógica, mais do que um problema, a presença de apenas um operador seria algo positivo, pois estas empresas estariam cumprindo a obrigação de atuar em áreas não-rentáveis.

Na avaliação de Roberto Pfeiffer, do Procon de São Paulo, a presença de apenas um operador prejudica o cidadão. “A concentração econômica conduz a possibilidades mais sistemáticas de desrespeito, uma vez que consumidor não tem possibilidade de trocar de fornecedor”, alerta.

Preços nada modestos

O “acordo tácito” que mantém cada concessionária em sua área original repercute também no preço do serviço ao cidadão. “Não há competição na telefonia fixa e é o cidadão que paga caro por isso”, diz José Zunga, do Instituto Observatório Social das Telecomunicações (Iost).

Na avaliação da pesquisadora Sayonara Leal, do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom), a extinção da lógica tarifária existente na Telebrás, baseada no subsídio cruzado foi um fator do encarecimento excessivo das chamadas locais. O subsídio cruzado consistia em praticar uma diferença tarifária que permitia que os gastos do grande usuário sustentasse parte dos custos do pequeno. “Talvez essa seja uma explicação possível para o extraordinário número de telefones celulares no país. O telefone pessoal e a cartão mostra-se mais propício para controlar os gastos com as chamadas telefônicas”, sugere.

Uma das razões para o aumento do preço ao usuário do serviço de telefonia fixa foi o acréscimo do valor da assinatura básica. Segundo relatório do ex-ouvidor da Anatel, Aristóteles dos Santos, o custo desta taxa saiu de R$ 13 para mais de R$ 40 nos últimos 10 anos. Isso representou um aumento de 207,69%, enquanto a inflação do período foi de 83%.

“A tarifa de telefonia pública subiu acima da média”, avalia Ricardo Sanches, integrante do Conselho Consultivo da Anatel representando pequenos provedores de Internet. Na última reunião do Conselho, o representante do Ministério das Comunicações, Igor Vilas-Boas, também criticou os altos preços pagos pelo serviço de telefonia.

José Zunga acrescenta que, se a ausência de competição é um fator gerador de altas tarifas, a existência de concorrência não necessariamente sana este problema. “O Iost fez uma pesquisa e observamos que, no mês de abril, há 7 mil casos de preços diferenciados e isso não repercutiu em redução de preços para o usuário.” A opinião de Zunga é confirmada pelos dados: atualmente o Brasil tem a quarta tarifa mais cara do mundo no serviço de telefonia celular.

Universalização da oferta, não do acesso

O alto custo para se ter um telefone fixo em casa repercute na terceira promessa da privatização: a universalização do serviço. Houve um acréscimo importante no número de pontos de acesso à telefonia fixa, saindo de 17 milhões na época da privatização para 39,3 milhões hoje. No entanto, o cumprimento das obrigações de universalizar o acesso ao serviço são duramente contestados.

“Não podemos dizer que, no Brasil, todos são contemplados pelos serviços públicos de telecomunicações”, diz Sayonara Leal. As concessionárias alegam ter atingido a universalização da oferta, argumentando que hoje os serviços telefônicos estão nos 5.565 municípios do país. “As empresas privadas fizeram o que Estado deveria ter feito e não fez. A universalização foi feita com sucesso”, rebate Pauletti, da Abrafix.

A advogada Flávia Lefévre, da Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, questiona a posição das concessionárias. “Podemos ignorar o fato de que o Brasil tem, em média, 38 telefones fixos para cada 100 habitantes e que há estados, como o Maranhão, em que não chegamos a 8 telefones por 100 habitantes?”, indaga. Ela também problematiza o argumento de que a telefonia celular estaria cumprindo a função de universalização, uma vez que mais de 80% dos acessos móveis são pré-pagos, servindo apenas para receber chamadas. “Em tráfego de voz, só ganhamos do Marrocos”, lamenta.

Para o Instituto Braslieiro de Defesa do Consumidor (Idec), a presença de estações telefônicas em todos os municípios do país não pode ser considerada como cumprimento da meta de universalização. “Acreditamos e defendemos que o acesso efetivo só será realmente universal quando todo e qualquer brasileiro não enfrentar obstáculos de acesso ao serviço público, como as altas tarifas praticadas pelas concessionárias”, defendeu a organização em recente carta ao presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg.

O debate se assemelha ao exemplo das diferentes perspectivas em relação ao copo pela metade: enquanto as operadoras consideram a simples oferta de serviço, mesmo que monopolista, em 94% dos municípios do país quase como um “favor”, entidades da sociedade civil e pesquisadores olham o recipiente meio vazio e com grandes obstáculos ao seu preenchimento. Enquanto o telefone fixo for um artigo caro e inacessível ao cidadão, não fará sentido falar em êxitos da privatização sob a ótica do cidadão.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *