Sistemas anticópias recebem duras críticas em audiência

Ao tratar de vários aspectos sobre o serviço de radiodifusão de sons e imagens – a velha conhecida televisão aberta – na tecnologia digital, o Projeto de Lei 6.915/2006, de autoria do deputado Eduardo Sciarra (PFL-PR), introduziu uma proposta polêmica: o uso de restrições tecnológicas à produção de cópias dos programas transmitidos neste meio de comunicação. A forte divisão de opiniões a respeito da inclusão destes recursos nos aparelhos de recepção ou mesmo na transmissão dos sinais ficou patente na audiência pública realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (8/7).

Radiodifusores e representantes de grandes estúdios de cinema saíram em defesa da proposta. Sua última versão, definida na redação do substitutivo do relator deputado José Rocha (PR-BA), proíbe que o usuário faça mais de uma cópia em resolução superior àquela utilizada na tecnologia analógica.

Roberto Franco, do Fórum SBTVD – espaço que congrega radiodifusores e fabricantes para discutir a implantação da TV digital no país –, apresentou uma proposta de atualização segundo a qual não seria permitida mais de uma cópia em alta definição (HDTV). A nova redação apresentada pelo Fórum prevê a possibilidade da segunda reprodução e das seguintes serem feitas em outras resoluções superiores àquela usada na tecnologia analógica, como SDTV e EDTV.

A defesa das restrições tecnológicas baseou-se principalmente no argumento da proteção aos direitos autorais. Segundo os defensores da medida, a ausência deste tipo de restrição facilita a pirataria dos conteúdos veiculados. “Nunca houve tanta produção cultural por tantas mídias diferentes. É óbvio que alguma proteção tem que existir. O mundo caminha para uma maior proteção dos particulares”, defendeu o consultor jurídico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), José Carlos Muller.

Outro argumento utilizado foi o risco de fornecedores de filmes e programas esportivos deixarem de vender suas atrações aos radiodifusores brasileiros. “A possibilidade de pirataria faz com que detentor do direito tenha cada vez menos interesse em lançar seus produtos”, sugeriu Márcio Gonçalves, diretor regional antipirataria da Motion Pictures Association, rede que congrega os principais estúdios de Hollywood.

Críticas

Já os acadêmicos e o coordenador de Direitos Autorais do Ministério da Cultura apresentaram repertório grande de contra-argumentações e críticas à proposta. Para Ronaldo Lemos, professor de Direito especializado na área de direito autoral, o mecanismo não tem eficácia alguma no combate à pirataria. “A indústria passou sete anos desenvolvendo sistema anticópia para o DVD que foi quebrado por um garoto de 16 anos na Noruega. O sistema HDCP [que seria utilizado caso o projeto seja aprovado] também já foi quebrado”, afirmou.

Segundo o professor de Ciências da Computação da Universidade de Brasília Pedro Rezende, este tipo de limitação já não é mais utilizada no setor de software pela sua incapacidade de coibir a reprodução ilegal com fins lucrativos. Se não serve a este propósito, acrescentou Lemos, a proposta acaba atingindo apenas o cidadão comum, tutelando o uso da televisão e da cópia de conteúdos feito por este. “Parte-se do pressuposto de que todo usuário doméstico irá cometer ato ilícito e transfere-se o poder de polícia ao organismo [de regulação] de radiodifusão”, disse Marcos Souza, coordenador de Direitos Autorais do Ministério da Cultura.

Estela Guerrini, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), questionou, por estas razões, a constitucionalidade do texto. “O espírito das restrições na TV digital fere a Constituição uma vez que a Carta Magna diz que a radiodifusão deve ser livre e gratuita, assim como o Decreto 4901/2003, que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital.”

Mais um desencontro com a norma que instituiu a política de implantação da TV digital no Brasil seria a limitação, no lugar da promoção, da convergência tecnológica, uma vez que a proibição de cópia para outros dispositivos iria contra a confluência da circulação de conteúdos em diversos terminais. E outro, apresentado pelo professor Ronaldo Lemos, seria o enfraquecimento da indústria nacional, e não seu fortalecimento como estabelece o decreto. A inserção de mecanismos anticópias nos conversores e aparelhos produzidos no país geraria uma corrida em direção a aparelhos importados sem este tipo de restrições.

Sobre o argumento de que produtores de conteúdos ou espetáculos como a Fifa, no caso de jogos de futebol, ou os grandes estúdios, no caso dos filmes, se desinteressariam em veicular seus conteúdos para o Brasil, Marcos Souza lembra que interesses privados não devem reger a definição da legislação. “A motivação de manter contratos com a MPA [Motion Pictures Association] e a FIFA não é justificável, por que se trata de contratos entre entes privados, e portanto não podem impor regras a um país soberano”, comentou. O representante do MinC relatou que o governo pediu à Fifa amostra de contratos e as cláusulas referentes e este tipo de acordo para transmissão em sistemas digitais não continham qualquer menção a alterações tecnológicas.

Nem meio termo

A proposta apresentada pelo Fórum SBTVD de permitir apenas uma cópia em alta definição também foi criticada pelos presentes, uma vez que isso significaria implementar o sistema de restrições por inteiro, permitindo que a proibição total às cópias seja criada posteriormente. Sobre a alegação de que seria possível copiar qualquer quantidade em resoluções abaixo da alta, Lemos lembrou que o processo de evolução da qualidade de imagem tem sido acelerado nos últimos anos. “A alta resolução de hoje é a baixa definição de amanhã.”

Para Marcos Souza, a nova proposta do Fórum para não perder tudo acaba evidenciando a fragilidade da iniciativa de inserção deste tipo de mecanismo já que, ao permitir a cópia em definição de DVD, ela não ataca o problema da pirataria já que é esta a resolução utilizada na reprodução ilegal de filmes. “Não há anda em camelôs que tenha definição maior do que a de DVD, então como vai se proteger da pirataria?”, indagou. Por último, o representante do MinC defendeu que o relator retirasse o mecanismo do PL alegando falta de apoio a este tipo de medida. “Não há consenso sobre restrições tecnológicas no mundo. Não é verdade que é tendência mundial. E mais: não há consenso no âmbito do próprio Executivo”, informou Souza.

Se foram mais eloqüentes nos argumentos, os críticos da proposta ainda buscam transformar a qualidade retórica em força política. Pois, mais uma vez, o peso econômico e político dos radiodifusores, agora aliados aos grandes estúdios de Hollywood, se faz sentir no Congresso Nacional. Resta saber se, em uma questão controversa como esta, agentes farão valer seus interesses novamente no Parlamento.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *