Um Código de Ética para os donos da mídia

Os jornalistas dispõem, agora, de um novo Código de Ética, um documento balizador de posturas (e contra as imposturas) que resultou de um processo rico, envolvendo a Fenaj, os Sindicatos e a sociedade, incorporada a partir de uma consulta pública.

Nada no Código surpreende porque, em princípio, ele apenas atualizou princípios e valores que os jornalistas de caráter, boa índole, éticos sempre respeitaram, mas era importante que isso fosse feito. A atividade tem reunido cada vez mais profissionais (alguns nem tanto, vamos admitir) e, com isso, é preciso dar um norte, indicar explicitamente o que se espera desta categoria, claramente definida (artigo 3) como uma atividade de natureza social.

Há dois destaques a fazer, no entanto, porque refletem situações ainda controvertidas no exercício profissional no Brasil. O primeiro deles diz respeito ao respeito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão que, segundo o artigo 6, VIII, deveriam ser respeitadas . A pergunta óbvia é: tem sido? O caso Nardoni é exemplar para dar conta da falta de limites dos jornalistas (e veículos) que confundem notícia com escândalo, sensacionalismo no pior sentido. O segundo deles refere-se ao jogo duplo (e portanto não ético) de muitos colegas que atuam na imprensa , acumulam a função de jornalistas (trabalham num veículo) e de assessores, empregados, prestadores de serviços em organizações (públicas, privadas, ONGs) e que fazem cobertura de seus patrões e clientes. Os ombudsmen da Folha de S. Paulo, ao longo do tempo, têm denunciado esta dupla jornada e o jornal têm, justamente, dado cartão vermelho para os que agem desta forma.

Mas, resolvido o Código de Ética para os jornalistas, fica faltando um outro, também essencial: o Código de Ética para os donos da mídia, que continuam cometendo abusos de toda ordem, estabelecendo relações promíscuas com o poder político e econômico, sonegando informações relevantes de interesse público, estressando os jornalistas nas redações (haja assédio moral!), para não falar de casos mais dramáticos de utilização indevida da imprensa para negócios excusos.

Não mereceriam o enquadramento em código de ética, os monopólios da comunicação? Não é obscena a manipulação da audiência em prol de interesses empresariais? Não é anti-ética a concessão de canais de TV e emissoras de rádio em nosso País? Podemos continuar convivendo com "laranjas" de políticos, como temos assistido recorrentemente, inclusive freqüentando CPIs? Não é imoral termos emissoras de TV que compram campeonatos de futebol com exclusividade e não exibem os jogos? É ético o espetáculo idiota do Big Brother, que dá lucros formidáveis, ao mesmo tempo em que dissemina comportamentos sociais inadequados? É ético chutar a Santa? São éticas as transmissões dos camarotes dos carnavais com propaganda cínica da indústria de bebidas e até de laboratórios farmacêuticos? A apologia da violência, o sensacionalismo barato não mereciam um enquadramento ético? É ética a parceria entre veículos e anunciantes, quando os produtos que vendem contribuem para a insustentabilidade, para o consumo não consciente, para a auto-medicação, para tornar obesas as nossas crianças? Que ética tem a disputa Sky x Abril que privilegia apenas os interesses comerciais e joga o assinante para escanteio?

Os donos da mídia precisam urgentemente de um Código de Ética,  a ser definido pela própria sociedade, porque a sua ética particular anda em farrapos.  Evidentemente, defendem, com unhas e dentes (mas sobretudo com os bolsos), uma visão singular de liberdade de expressão, aquela que preserva os seus interesses e privilégios, colocando-se sempre acima de qualquer suspeita (mas são suspeitíssimos). Aquela liberdade de expressão que mascara a relação com a indústria de bebidas, agências de propaganda, entidades de auto-regulamentação (bela piada, não?) em favor do lucro obtido pelo estímulo ao pileque?

Vamos admitir que existam exceções, e elas existem mesmo, mas o ranking efetivamente ético da mídia é integrado por poucos veículos, se a gente for levar o conceito de ética realmente a sério.

Certamente, Hipólito da Costa, nosso pioneiro há 200 anos, não deve estar satisfeito com o rumo que a imprensa tomou e com os compromissos espúrios assumidos ao longo deste tempo.

Uma mídia livre, independente, ética é absolutamente necessária.  A ética é uma postura que deriva do caráter, de uma visão moderna do interesse público, de cidadania, de responsabilidade social autêntica (não a responsabilidade social hipócrita dos fabricantes do tabaco, de armas, agrotóxicos, bebidas e outros produtos nocivos menos votados). Esta ética que, na mídia, anda faltando, mesmo para as melhores famílias.

Infelizmente, por causa disso, apenas jornalistas éticos não conseguem produzir uma comunicação mais ética em nosso País. Pelo menos que a gente faça a nossa parte. Cada um na sua.

* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.

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