TCU investiga uso de recursos e expõe problemas no financiamento de pesquisas

Uma grande investigação vem sendo tocada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a destinação dos recursos de um dos maiores fundos do setor de telecomunicações: o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). E o tribunal não parece estar nada satisfeito com o sistema de destinação das verbas, pelo que consta no acórdão 544/2008, de 2 de abril, sobre o tema. O documento traz nada menos do que 78 determinações e mais quatro recomendações que mexem profundamente na estrutura de prestação de contas do fundo e seu empenho em convênios para pesquisa tecnológica, em especial os firmados com o CPqD.

A quantidade de determinações é considerada fora do trivial pelos próprios técnicos do tribunal ouvidos por esta reportagem. O cerne do problema é a quantidade de recursos repassados para pagamentos fora da rubrica "investimentos" por parte do CPqD. A questão, de cunho técnico, no entanto, tornou-se a ponta do iceberg na investigação, que sugere inclusive glosas no valor total R$ 920,134 mil. O Funttel, até o final de 2007, havia arrecadado junto a empresas de telecomunicações R$ 3,6 bilhões. Ainda assim, é um fundo importante para o financiamento de diversos projetos de desenvolvimento tecnológico. Ao contrário do Fust, o fundo de universalização que, mesmo tendo arrecadado R$ 10,8 bilhões até 2007, praticamente não foi utilizado em projetos aos quais deveria se destinar.

Pagamentos

O problema com o Funttel é que uma regra do próprio TCU impede que recursos repassados a convênios, como é o caso da parte do fundo encaminhada ao CPqD, sejam usados para pagamento de qualquer tipo de custo administrativo. Pela Instrução Normativa STN 01/1997, a entidade também deve apresentar uma descrição completa do objeto do convênio, junto com detalhamento de metas a serem atingidas, quantitativa e qualitativamente.

Pela investigação do tribunal, esses dois critérios não vinham sendo seguidos pelos convênios controlados pelo CPqD. Com relação aos pagamentos, o instituto tem, por praxe, o costume de ratear os recursos recebidos entre todos os custos da instituição. Assim, a verba do Funttel acaba colaborando com o pagamento dos custos administrativos do CPqD, como luz e pagamento de funcionários do instituto, o que a instrução normativa não permite.

Lei de Inovação

A solução encontrada pelo TCU foi a determinação de que o empenho das verbas nestes convênios siga a regra estabelecida pela Lei de Inovação, que limita a 5% os gastos com custeio. O restante do valor empenhado, obrigatoriamente terá que ser endossado como "investimento", ou seja, no objeto do convênio. Segundo os técnicos do TCU que trabalharam na análise dos contratos, a iniciativa de usar a Lei de Inovação como parâmetro foi gerada dada a peculiaridade dos convênios de pesquisa tecnológica.

Esse tipo de contrato acaba não tendo a mesma materialidade de um convênio para produção de um equipamento para a indústria, por exemplo. Por se tratar de uma pesquisa intelectual em muitos casos, o tribunal admite que existem custos que podem não ser plenamente atendidos pela instrução, como a contratação de pesquisadores. Daí a idéia de aplicar a regra da Lei de Inovação, mais aderente a esta realidade.

Lei inadequada

Para o presidente do CPqD, Hélio Graciosa, a Lei de Inovação também não é capaz de atender às peculiaridades do instituto. Segundo Graciosa, a lei atende às necessidades das Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) públicas, que via de regra estão associadas a universidades. Assim, custos administrativos acabam sendo bancados pela universidade e não pelas ICTs. "Neste caso, os 5% servem bem, porque é para cobrir alguma necessidade específica", argumenta.

No caso do CPqD, que é uma fundação privada, o compartilhamento dos custos administrativos é visto como razoável por Graciosa, uma vez que diferentes projetos usam a mesma estrutura do instituto. "Nossos custos indiretos são muito mais do que 5%", afirma o presidente.

Contestação

O Ministério das Comunicações também não concorda com a limitação. Em recurso encaminhado ao TCU ao qual TELETIME teve acesso, a Secretaria de Telecomunicações do Minicom protesta quanto ao teto de 5%, reforçando que a dinâmica das pesquisas exige maior flexibilidade no uso dos recursos. Para o Minicom, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e a Lei do Funttel não impõem nenhum limite para os aportes do fundo e, por isso, não deve ser aplicada a regra dos 5%.

"Entendemos que o teto de 5% pelo decreto que regulamenta a Lei de Inovação não se aplica aos projetos do Funttel, em especial àqueles inclusos no Plano de Aplicação da Fundação CPqD, sob pena de obstruir a consecução dos objetivos estabelecidos no art. 190 da LGT e na Lei nº 10.052, de 2000", declara a Secretaria de Telecomunicações no embargo apresentado ao tribunal. A legislação citada fala da obrigação de criação de mecanismos que assegurem a o desenvolvimento tecnológico e a capacidade de pesquisa dentro das telecomunicações.

Em outro embargo, este encaminhado pelo CPqD, são apresentados parâmetros de custeio usado por instituições nos Estados Unidos para provar que o limite de 5% é muito baixo para este tipo de pesquisa. De acordo com os dados apresentados, laboratórios industriais norte-americanos classificam até 36% de seus custos como "indiretos", ou seja, fora do objeto central da pesquisa.

Para o TCU, a questão é relativamente simples: ou o Minicom usa o parâmetro de 5%, ou valerá o estabelecido na instrução normativa. Em outras palavras, permissão nenhuma para gastos fora do objeto do convênio.

Glosas

Como o processo envolve a devolução de parte do dinheiro já aplicado em convênios com a Fundação CPqD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) e como existe a polêmica em torno dos gastos administrativos, o Conselho Gestor do Funttel, órgão do Minicom, decidiu suspender os repasses para o instituto desde o início do ano. A medida foi tomada por precaução já que nenhuma das determinações feitas pelo TCU exigia o corte temporário nos repasses.

Na última quarta-feira, 25, o tribunal deliberou sobre os recursos apresentados pelo Minicom e pelo CPqD. E decidiu abrir mais um período de apresentação de esclarecimentos. Neste segundo momento, o CPqD deverá apresentar explicações sobre os pontos criticados pelo tribunal. Até que isto ocorra, o TCU resolveu suspender as glosas, que envolvem a quatro projetos do instituto: o SIGPPT, o SIC, o Cenários e os estudos de aplicativos para o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). O tribunal contesta estes pagamentos porque não encontrou documentação sobre a destinação dos recursos e confirmação do serviço prestado.

O presidente do CPqD, Hélio Graciosa, garante que, com a apresentação dos dados disponíveis no instituto, boa parte do imbróglio será resolvido. E reitera que não há qualquer irregularidade nos pagamentos listados pelo TCU. "A nossa avaliação é que eles (os técnicos do TCU) não puderam acessar o conjunto completo dos documentos. Nós temos convicção que os documentos dados como inexistentes realmente existem", alega. É importante destacar que, sendo um instituto privado, a investigação do TCU não chegou a colher documentos no CPqD, ficando restrita à análise da gestão feita pelo Minicom.

Com a nova rodada de esclarecimentos, fontes do Conselho Gestor do Funttel ouvidas por este noticiário acreditam que será possível retomar os repasses já no próximo mês, com a aprovação da planilha de contas dos convênios gerenciados pelo CPqD em 2007. Por enquanto, a falta do envio dos recursos prejudicou a instituição, mas não paralisou por completo os projetos conveniados, pois o CPqD tem usado seus recursos "de reserva" para tocar as pesquisas.

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