Eleição de conselho põe em xeque modelo de gestão

As reuniões do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (FPA), mantenedora da TV Cultura de São Paulo, maior TV pública estadual do país, precisam de um quorum bastante baixo para que possam ser realizadas. Para se instalar uma sessão do conselho, basta a presença de um terço de seus 47 membros. Apesar de a exigência ser mínima e a pauta do dia ser importante – justamente, a apreciação das indicações de seis novos conselheiros –, o encontro marcado para a manhã desta segunda-feira (10) não ocorreu. Se os autoproclamados representantes da sociedade tinham conhecimento de suas funções neste dia, não se sabe. O cidadão paulista, com toda a certeza, não tinha.

À época do estabelecimento da TV Brasil, muita polêmica se fez acerca da escolha dos membros do Conselho Curador de sua mantenedora, a Empresa Brasil de Comunicação, feita integralmente pelo presidente da República. Em meio aos debates, onde entidades e organizações da sociedade civil afirmavam a necessidade de autonomia e independência através de processos transparentes de escolha de representantes pela própria sociedade, a FPA era citada por alguns como exemplo de republicanismo.

Contudo, uma análise minimamente atenta de seu estatuto, da composição de seu conselho e ainda o espanto que causa sua mais completa omissão em dar publicidade a seus atos contradizem os defensores da fundação paulista. Sobram motivos para considerar a gestão da Fundação Padre Anchieta um contra-senso para uma emissora pública.

Seu conselho é composto por 20 membros natos, 23 membros eleitos e 1 representante dos funcionários, todos com mandato de três anos e a possibilidade de uma reeleição, além de 3 membros vitalícios. Entre os conselheiros natos, estão representantes de secretarias de governo do estado e do município, reitores de universidades públicas e privadas e entidades científicas e empresariais, entre outros.

Escolhendo seus pares

O modelo híbrido da FPA poderia até sugerir um parâmetro razoável de representação se não fosse o processo de escolha dos conselheiros eleitos, além da arbitrária e nada pública categoria “vitalício”.

Os representantes “eleitos” são indicados por membros do conselho e referendados por maioria simples do órgão, em reuniões como a que deveria ter ocorrido segunda-feira. Para receber a indicação, o nome do “candidato” precisa ser subscrito por oito dos atuais conselheiros. Não é difícil imaginar a origem provável dos indicados por um conselho onde boa parte dos assentos é ocupada por membros do governo, além de presidentes de comissões da Assembléia Legislativa e dos conselhos de educação e cultura do estado, potencialmente da base aliada.

Segundo o presidente do Conselho e membro vitalício, Jorge da Cunha Lima, o critério adotado para a substituição dos conselheiros é o de “destaque e conhecimentos em diversos setores”. Geralmente, são escolhidos membros de perfil semelhante ao do representante que se despede.

Falta de transparência

Os problemas da gestão da Fundação Padre Anchieta não se resumem à escolha dos conselheiros. Não há divulgação de datas dos encontros, nem das atas de reuniões passadas. A lista de conselheiros disponível para consulta está defasada. No site da fundação, nem mesmo um endereço de e-mail para contato existe e a entidade só libera as atas depois de pedidos formais.

Ou seja, ao cidadão que financia a TV Cultura – uma emissora “cada vez mais pública”, segundo seu slogan – não é dado nenhum mecanismo de acesso ou fiscalização, muito menos de escolha de seus representantes. “Não tem que ter divulgação. Esta é uma função exclusiva dos conselheiros, que já são os representantes da sociedade”, defende Cunha Lima.

Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, conselheiro eleito da FPA e crítico do conselho da TV Brasil, defende o modelo de conselho da entidade paulista, apesar de ele mesmo ter tido conhecimento da eleição com poucos dias de antecedência. “O Conselho é soberano. Não há problema no fato de os próprios conselheiros indicarem os novos membros”. Bucci acredita que pode ter havido algum problema de comunicação entre ele e a FPA, mas não disfarça a surpresa ao saber que as atas das reuniões não estão disponíveis ao público. “O público tem que ter acesso às atas e às datas. Se não tem, é absurdo”.

A cara do Conselho

O resultado um tanto óbvio de uma eleição profundamente marcada pelo personalismo, pela falta de critérios e pela completa ausência do público é um Conselho Curador com presença ostensiva de conselheiros ligados ao PSDB ou simpatizantes do partido que governa São Paulo desde 1995.

Da composição atual do conselho, ainda não renovada, sete fizeram ou fazem parte de gestões tucanas nos governos federal, estadual ou na cidade de São Paulo: Belisário dos Santos Júnior, Emanoel Araújo, José Carlos Dias, Linamara Rizzo Battistella, Marcos Mendonça, Moacyr Expedito Marret Vaz Guimarães e José Henrique Reis Lobo que, por sinal, é o presidente municipal do PSDB. Além deles, da lista dos conselheiros com relação direta com o partido faz parte ainda o publicitário Luiz Fernando Furquim, tesoureiro da campanha de José Serra a presidência em 2002 e investigado por formação de caixa dois nas campanhas eleitorais de Fernando Henrique Cardoso.

Impressiona a quantidade de conselheiros ligados aos setores financeiro e empresarial e mesmo entre os conselheiros “independentes” é possível notar um perfil elitista. Gustavo Ioschpe, colunista da revista Veja, a atriz e militante histórica do PSDB Irene Ravache e a socialite Milú Villela, maior acionista individual do Banco Itaú, são apenas alguns exemplos. Neste cenário, não é possível imaginar a presença de setores populares num conselho que se caracteriza pela auto-referência.

Nem mesmo a única exigência feita pelo estatuto, a de que os membros do Conselho sejam eleitos entre “personalidades de ilibada reputação e notória dedicação à educação, à cultura ou a outros interesses comunitários” pode ser levado a sério, como atesta o caso de Furquim, que agora será reeleito juntamente com Belisário dos Santos Junior. Como as coisas não devem mudar tão cedo na Fundação Padre Anchieta, mais dois membros ligados a bancos serão formalmente eleitos – Gabriel Jorge Ferreira (diretor do Unibanco e ex-presidente da Febraban) e Paulo Roberto Mendonça (diretor jurídico do Banco do Estado do Espírito Santo) –, além da condessa Sabine Lovatelli e do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que deverá ter dificuldade em se sentir em casa.

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