“Fust tem de alavancar a banda larga no Brasil”

Fechado o acordo com as teles para levar o ponto de presença da banda larga a todos os municípios, Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação, do Ministério do Planejamento, diz que a meta, agora, é democratizar o acesso à última milha. Em primeiro lugar, diz que a Anatel precisa atualizar urgentemente o preço da EILD – venda de capacidade de infra-estrutura no atacado, que é bem acima do praticado no mercado, segundo ele. Defende o uso dos recursos do Fust para financiar redes comunitárias de banda larga e quer reservar espectro, de preferência nas faixas mais baixas, como a de 700 MHz, para uso público compartilhado.

Você integrou o grupo de trabalho do governo que negociou com as concessionárias de telefonia fixa a troca de metas. Concluído o processo, que vai permitir estender a infra-estrutura de banda larga a todas as cidades brasileiras, qual é o passo seguinte para democratizar o acesso do cidadão à internet, ou seja, a chamada última milha?

Eu acho que o passo seguinte é atualizar a regulação do preço das EILDs (exploração industrial de linha dedicada) no Brasil, porque as EILDs só têm um preço atribuído pela Anatel até 2 Mbps, um preço que está defasado em relação ao que já é praticado no mercado, porque está muito acima dos valores de mercado. Na prática, se houver uma disputa, por exemplo, do pequeno provedor com alguma oferta de serviço por EILDs, o valor que a Anatel vai arbitrar já é por si só um valor muito acima do praticado no mercado, o que inviabilizaria os pequenos provedores em qualquer conflito que exista com quem detenha a infra-estrutura.

Você diz que o preço é elevado. De quanto é o sobrepreço?

Eu considero muito acima em relação ao que, calculo, seria um preço aceitável … O que precisamos, para garantir a competição, é que o preço da EILD seja atualizado, ou se crie um modelo de custo desenvolvido pela Anatel, ou uma tabela de preços que possa servir de referência para eventual arbitramento, o que permitirá a democratização da infra-estrutura. E essa medida depende exclusivamente da Anatel.

Qual é o passo seguinte?

Eu acho que tem outro movimento que pode ser bastante  interessante para democratização do acesso, que é o projeto de lei de alteração da Lei do Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações) do senador (Aloizio) Mercadante, já aprovado no Senado e que agora tramita na Câmara dos Deputados. Ele vai precisar ser atualizado, pois seu foco não pode ser só a educação, já que as escolas serão atendidas pelas teles, que vão doar banda larga – 84% dos alunos serão atendidos por esse acordo. Assim, acho que o projeto tem de abrir para a inclusão digital de uma forma mais ampla.

Como você imagina que os recursos possam ser utilizados para democratizar o acesso à última milha?

Eu acho que os provedores de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) também poderiam ter acesso aos recursos do Fust para estender suas redes. Eu já defendi essa proposta na Câmara dos Deputados, nas audiências para discutir o projeto do Fust. Mas as redes financiadas com recursos do Fust não seriam propriedade de um provedor, mas de propriedade coletiva, das prefeituras, para que todos os agentes públicos daquela região pudessem usar. O dinheiro do Fust não pode mais ser dedicado apenas à telefonia fixa, como prevê a Lei. Ele tem de ser usado para alavancar a banda larga no país.

Essa rede atenderia aos pontos públicos?

Sim, mas não só isso. Ela tem de dar acesso aos telecentros, à rede de unidades da prefeitura e aos serviços que já são oferecidos por prefeituras. Hoje, as prefeituras enfrentam dificuldades para expandir seus serviços por falta de infra-estrutura de banda larga. Esteve comigo a prefeita de Tauá, no Ceará, que me disse que teve a possibilidade de criar 400 postos de atendimento de call center no município. Ela procurou a companhia telefônica que pediu R$ 1,5 mil/mês para colocar o link. O interessado desistiu frente ao custo da conexão. Então, os recursos do Fust podem servir para estimular e financiar infra-estrutura para esses lugares onde não tenha atendimento.

Outra proposta sua para democratizar o acesso à última  milha se refere à reserva de uma faixa do espectro para uso público e coletivo…

Reservar essa faixa de freqüência é fundamental para que se possa desenvolver o que eu estou chamando de rede comunitária de uso público, onde se define uma regra de uso não baseada em zoneamento espacial ou taxas de freqüência mas, sim, no protocolo de compartilhamento. Isso quer dizer que quem mais doa à rede, mais prioridade terá na hora de ser roteado. Então, cria-se uma rede comunitária tipo a internet, onde quem doa mais para a rede tem preferência na hora do seu pacote ser roteado.

Você defende a reserva numa faixa específica, ou existem várias faixas que poderiam ser usadas?

Precisa ser uma faixa onde haja oferta para equipamentos comerciais. E quanto mais baixa a freqüência, melhor para uma cobertura mais ampla de acesso, freqüências mais baixas permitem ir mais longe. Então, isso nos permitiria, por exemplo, ter mais eficiência e ficaria mais barata a infra-estrutura de antenas e permitiria a cobertura em locais mais distantes como escolas rurais, com custo mais baixo.

Você chegou a propor que fosse reservado espectro para uso público, na faixa de 3,5 GHz do WiMAX. Mas alguns técnicos argumentam que seria melhor freqüências mais baixas por conta do custo dos equipamentos …

Eu havia defendido a faixa de 3,5 GHz, porque a Intel tinha defendido como sendo a freqüência para a qual ela iria dispor o equipamento. Mas o Estados Unidos definiram usar a faixa dos 700 a 800 MHz. O que cria uma ótima alternativa, pois eles entrando vai haver equipamento barato.

Além da democratização da banda larga, qual o ganho mais imediato que você vê para as prefeituras. O que pode mudar na gestão?

Um benefício importante é a simplificação da relação entre governo federal e município. O governo federal tem uma relação com os municípios de transferências de recursos através de convênios. São milhares de convênios que todos os ministérios fazem, e toda essa relação de prestação de contas de funcionamento do convênio em si é uma relação complicada para a união e para os municípios. Para cinco convênios, por exemplo, com cinco ministérios diferentes, o município tem de apresentar cinco vezes o mesmo documento, prestar conta cinco vezes das mesmas coisas, o que acaba tornando o trabalho irracional. Hoje, tudo isso é feito em papel e nós temos 92 mil convênios para fiscalizar. Com a infra-estrutura de banda larga tudo fica mais fácil. Ganha-se tempo, racionalidade, economiza-se retrabalho. Foi para começar a por ordem nesses convênios, a torná-los mais transparentes com a divulgação das informações, que nós desenvolvemos um portal de convênios. Isso vai simplificar muito a relação com os municípios, a sociedade vai poder acompanhar o que é transferido de recursos aos municípios, estes vão prestar conta online e nós vamos então ter uma gerência mais eficiente.

Que outras iniciativas você considera necessárias no que diz respeito à banda larga?

Eu acho que o país não pode descartar a hipótese de dispor de uma infra-estrutura nacional pública. Um governo tem informações de caráter estratégico e não  pode ficar transitando suas informações em redes privadas, controladas até por estrangeiros. Não posso, por exemplo, ter sistemas de monitoramento da Amazônia sendo roteados em Miami. Da mesma forma que o governo americano tem a sua própria infovia, o governo canadense tem sua própria infovia, o governo brasileiro também tem que ter seus próprios meios para proteger suas informações estratégicas. Já vimos vários casos de vazamentos de informações envolvendo espionagem de operadoras, casos de monitoramento de e-mails até de ministros, rumorosos casos de espionagem industrial…

A exemplo do Portal dos Convênios, que outras medidas estão sendo adotadas para apoiar a inclusão digital das prefeituras?

Nós vamos criar uma suíte de programas em software aberto para oferecer às prefeituras. Isso foi anunciado pelo presidente Lula no recente encontro com os prefeitos. No momento, estamos em fase de escolher uma das que já existem e que possa atender melhor a todas as necessidades. Certamente vai ter que ter um ou outro desenvolvimento complementar. A importância de uma suíte desse tipo, a exemplo de outras que já disponibilizamos, é que temos uma grande comunidade de software livre, então temos um grande conjunto de desenvolvedores em cada comunidade. São comunidades muito ativas. Uma comunidade nova como a do Ginga (o middleware sobre o qual rodam as aplicações de interatividade da TV digital) já tem mais de 2 mil colaboradores. O governo brasileiro precisa incentivar essas comunidades, premiar os que mais contribuem como estamos fazendo, tem de lançar mão do conhecimento coletivo no país. Dados a dinâmica e a velocidade da informação, toda organização precisa de mais colaboradores, não bastam os talentos internos. A forma de dar conta dessa obsolescência da informação são as redes de compartilhamento. E também podemos aproveitá-las para gerar um ambiente de negócios. Vamos fazer com essa suíte o que fizemos com o software de gestão de uma companhia de água. Ele foi financiado pelo Ministério das Cidades, mas no lugar de ser propriedade de alguém é um software aberto que pode ser usado por todas as empresas. Dois estados do Brasil já instalaram esse software.

Comenta-se que o governo, e isso não é atributo só da União, é muito ágil na informatização quando se trata da arrecadação, mas caminha lentamente quando se trata de oferecer serviços ao cidadão. Essa afirmação procede?

É verdade que, no passado, privilegiou-se a área relacionada à arrecadação. Mas muita coisa já foi feita para atender o cidadão. Primeiro, é preciso lembrar que o governo federal tem poucas áreas que têm interface direta com o cidadão. Só a Saúde e a Previdência. Todas as demais se relacionam com os estados e municípios. Tanto na Saúde como na Previdência desenvolvemos iniciativas para oferecer serviços seja na internet seja via telefone. No caso do MEC, criamos o portal do Prouni que já oferece 120 mil vagas, praticamente dobrando o número de vagas em universidades públicas oferecidas anualmente. Os convênios do MEC via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, FNDE, também estão na web. Agora vamos conectar em banda larga todas as escolas urbanas, por meio da negociação feita com as teles, e vamos lançar um programa de aquisição de micros pelos professores, no molde do Computador para Todos. Tudo isso vai ter um impacto brutal.

E em relação à Previdência?

Pelo perfil do seu público, avaliou-se que o canal mais adequado para a oferta de serviços seria o telefone. Em 2006, criamos uma central 0800, com todo o trabalho dos atendentes apoiado na web; é por aí que fazem todo o agendamento. Também fizemos um censo dos aposentados, com a requalificação do cadastro, que resultou em uma economia de R$ 600 milhões. Mas o esforço maior que fizemos foi no sentido de dar transparência tanto às compras quanto aos gastos do governo, usando a web para tornar as informações disponíveis para o cidadão.

Você está falando do Portal da Transparência?

Dele e agora também do Portal dos Convênios. Não fosse o Portal da Transparência não haveria a crise do cartão corporativo, nem a CPI. Como todas as informações estão na web, qualquer cidadão pode ir lá e checar. E vamos abrir ainda mais as informações. Os saques em dinheiro vão ser documentados, e as contas tipo B, que eram sigilosas, deixam de existir a partir deste mês. Só o governo federal abre tanto as suas contas.

E quanto às compras? Pode-se dizer que o pregão eletrônico é um sucesso?

Mais de 90% das compras já são feitas via pregão e o governo federal movimentou, em 2007, só no pregão eletrônico, R$ 16,5 bilhões quando todo o comércio eletrônico privado, à exceção da indústria automobilística, se não me engano, foi de R$ 6 bilhões. Elevamos as compras das micro e pequenas empresas de 17%, em 2006, para 48%, em 2007, e só no pregão eletrônico sua participação nas compras totais passou de 12% para 37%. Isso significa geração de emprego. De acordo com o Sebrae, a cada R$ 1 bilhão comprados de pequenas e micro empresas são gerados 800 mil empregos diretos.

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