Produção local de conteúdo digital para uma sociedade mais justa

O mercado de conteúdo multimídia para usuários de redes móveis, fixas ou de banda larga vem crescendo gradativamente no Brasil. Na Pesquisa Anual de Serviços 2005 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os serviços de informação revelaram a segunda maior receita operacional líquida (R$ 133,6 bilhões). As atividades de telecomunicações, que têm como principal característica transmissão de conteúdo desenvolvido por empresas, geraram R$ 87,1 bilhões, representando 65,3% do total do segmento em 2005.

O setor, que anualmente vem obtendo crescimento econômico, deve se expandir e ganhar mais força com a popularização da conectividade, mobilidade e interatividade – tendências que devem se materializar ainda mais com as redes de 3G (terceira geração) e o início da transmissão da TV digital no Brasil.

A convergência digital preconiza a integração dos serviços de telefonia fixa, móvel, de transmissão de dados e vídeo — aproximando as áreas de telecomunicações, entretenimento e informática —, catalizada pela convergência de mercado, mas, ainda, carente de uma política de desenvolvimento industrial mais específica.

O Brasil começa a despertar para uma questão importante – a necessidade de se estabelecer uma política ou lei de incentivo para a produção de conteúdo para toda essa convergência, no qual a produção comunitária de conteúdos digitais poderá ser transformada em modelo de negócio para o desenvolvimento cultural e econômico do país.

A cadeia de valor de serviços multimídia, que contempla vários aspectos, precisa ser conhecida e analisada por autoridades e órgãos governamentais para que eles possam interceder a favor deste apoio para a geração de conteúdo.

A produção, primeira etapa da cadeia de valor de serviços multimídia, é responsável pela geração de conteúdo. Quando finalizada, inicia-se a segunda etapa, a da programação, momento em que se monta a chamada “grade de programação”, entrando em cena a publicidade — responsável pela maior parte da receita dessa etapa da cadeia, cujo modelo de negócio se baseia, principalmente, no patrocínio.

Já a distribuição, terceira etapa, é responsável pela transmissão do conteúdo e depende do meio a ser utilizado para essa transmissão, no qual os mais conhecidos são a radiodifusão (concessionárias de televisão ou serviços de satélite), fios de cobre ou de fibra ótica (operadoras fixas), cabos coaxiais ou satélites de órbita baixa (TV por assinatura), ou ainda, por meio da rede celular (operadoras de telefonia móvel).

Finalmente, chegamos na quarta e última parte desse processo, ou seja, a entrega do conteúdo na casa ou no estabelecimento comercial do assinante (aparelho de televisão, aparelho de telefonia fixa , set-top box, computador ou aparelho celular).

Atualmente, as emissoras de TV dominam os primeiros três estágios desta cadeia (produção, programação e distribuição). Já as empresas de TV por assinatura atuam nos três últimos estágios (programação, distribuição e entrega).

Todavia, com o advento das tecnologias de TV Móvel (nas redes 3G) e IPTV (nas redes óticas fim-a-fim), surgiu a conveniência de se integrar as operadores de serviços fixos e móveis nessa cadeia, ou seja, realizando ofertas de conteúdo de vídeo e dados para os usuários, podendo definir detalhes dessa venda por meio de modelos de uso ilimitado (“flat rate”), sob demanda (“video on demand”), ou via reprodução direta de vídeo (“streaming”).

Deixaríamos muito a desejar se nos furtássemos ao debate sobre incentivos à produção local de conteúdo, independente, ou por comunidades locais, que colaborassem para a consolidação de nossa identidade como nação, em um país multifacetado e com especificidades tão variadas. A conseqüência direta que se espera dessa discussão é a concepção de políticas específicas para o desenvolvimento de produção local, sem apelos xenófobos de reserva de mercado, mas por meio de políticas de fomento, apoio e incentivo que propiciem ao Brasil, e brasileiros, um importante passo na busca de ocuparmos posição de destaque no cenário de geração e exportação mundial de conteúdos.

As operadoras de telecomunicações não têm demonstrado interesse nem capacidade para produzir conteúdo local, uma vez que sua vocação maior se concentra na etapa de distribuição. Todavia, dada a necessidade de se buscar novas fontes de receita e novos modelos de negócio, faz-se mister participarem da fase de programação, momento em que se delineia a grade de serviços e se negociam as respectivas fontes de receita. Assim, estariam ajudando na formação da demanda de conteúdo nacional para abastecer o mercado local e, por que não, também exportá-lo.

É, portanto, preciso estar atento a essas movimentações e debater a questão nos níveis mais estratégicos de governo, nas esferas federal, estadual e municipal, por meio de reflexões profundas, pois esses assuntos terão um impacto importante na sociedade.

Essa questão também preocupa o mercado de TV por assinatura, que reconhece na escassez de conteúdo nacional um dos limitadores da universalização da TV paga no Brasil, ao lado da ainda incipiente penetração geográfica e da política de preço dos serviços.

Algumas entidades defendem a regulamentação do setor, outras crêem que a reserva de mercado para brasileiros na produção de conteúdo (tentação da qual devemos nos afastar) é a melhor alternativa para mudar este cenário. O que realmente conta para a criação de uma sociedade mais justa e evoluída é a transformação cultural no setor, quando, juntos, poderemos nos mobilizar para a criação de uma lei que incentive os produtores independentes.

Só assim, iremos além da simples discussão sobre distribuição de conteúdos e começaremos realmente a focar na essência deste processo: estimular a produção de conhecimento local para garantir empregos, gerar conteúdo e proteger a identidade nacional.

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