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Aspectos de uma nova política industrial para telecom no Brasil

A utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tem modificado o panorama econômico mundial e promovido reais avanços na sociedade. O potencial das TICs para reduzir a miséria e ampliar o progresso e o bem estar social é reconhecido por governos e organismos internacionais voltados ao desenvolvimento. No Brasil, a intensificação do uso dessas tecnologias propiciaria aumento da eficiência econômica, redução da exclusão social e maior competitividade das empresas e produtos brasileiros no exterior.

Entendemos que um setor baseado em conhecimento, inserido em mercados dinâmicos movidos por inovação, como é o caso das TICs, contribui para elevar o valor agregado da produção nacional, com reflexos positivos no emprego, na renda e na qualidade de vida da população em geral e deve, portanto, fazer parte de um projeto de desenvolvimento nacional.

Por isso, um primeiro e fundamental passo para o estabelecimento dessas políticas seria a criação de um Plano Estratégico, conduzido pelo Estado, para a aceleração da informatização do país e ubiqüidade no acesso às informações e às telecomunicações. Dele derivariam todas as políticas, uma vez que programas lançados de forma descoordenada acabam se tornando apenas uma lista de projetos e projeções de investimentos de médio e longo prazo, sem guardar orientação comum entre si. Cabe salientar que a ABDI, em parceria com a Abinee e outras entidades públicas e associativas, vem desenvolvendo esforços nesse sentido. A intenção é lançar, ainda em 2008, um Plano Estratégico para TICs, que deve guardar relação íntima com a nova política industrial que está em gestação no governo federal.

É importante recordar que a indústria de equipamentos para telecomunicações já esteve sujeita a diversas modalidades ou arranjos de política industrial. De todas essas políticas, as que mais auxiliaram o setor e promoveram o seu desenvolvimento tecnológico foram as mais recentes versões da Lei de Informática. Os mecanismos de política industrial adequados à situação anterior e fundamentalmente baseados na produção de hardware – fase da indústria montadora – não alcançam grande parte das atividades que hoje são típicas do novo fornecedor de soluções de telecomunicações. Além disso, a redução de custos e de preços dos equipamentos produzidos em altíssima escala na Ásia supera em muito as vantagens eventualmente proporcionadas pelos incentivos locais e pela proteção aduaneira.

Para o fortalecimento e desenvolvimento sustentável do setor um plano estratégico deveria contemplar ao menos os aspectos relacionados com os incentivos tributários (ex: extensão dos incentivos e benefícios existentes na Lei de Informática para as aquisições de softwares e às soluções de sistemas integrados desenvolvidos no país); as compras públicas como ferramenta de incentivo à produção; os financiamentos; o avanço tecnológico; com a autorização para licença de tecnologias convergentes; e a modernização dos marcos regulatórios do setor.

Produção local de conteúdo digital para uma sociedade mais justa

O mercado de conteúdo multimídia para usuários de redes móveis, fixas ou de banda larga vem crescendo gradativamente no Brasil. Na Pesquisa Anual de Serviços 2005 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os serviços de informação revelaram a segunda maior receita operacional líquida (R$ 133,6 bilhões). As atividades de telecomunicações, que têm como principal característica transmissão de conteúdo desenvolvido por empresas, geraram R$ 87,1 bilhões, representando 65,3% do total do segmento em 2005.

O setor, que anualmente vem obtendo crescimento econômico, deve se expandir e ganhar mais força com a popularização da conectividade, mobilidade e interatividade – tendências que devem se materializar ainda mais com as redes de 3G (terceira geração) e o início da transmissão da TV digital no Brasil.

A convergência digital preconiza a integração dos serviços de telefonia fixa, móvel, de transmissão de dados e vídeo — aproximando as áreas de telecomunicações, entretenimento e informática —, catalizada pela convergência de mercado, mas, ainda, carente de uma política de desenvolvimento industrial mais específica.

O Brasil começa a despertar para uma questão importante – a necessidade de se estabelecer uma política ou lei de incentivo para a produção de conteúdo para toda essa convergência, no qual a produção comunitária de conteúdos digitais poderá ser transformada em modelo de negócio para o desenvolvimento cultural e econômico do país.

A cadeia de valor de serviços multimídia, que contempla vários aspectos, precisa ser conhecida e analisada por autoridades e órgãos governamentais para que eles possam interceder a favor deste apoio para a geração de conteúdo.

A produção, primeira etapa da cadeia de valor de serviços multimídia, é responsável pela geração de conteúdo. Quando finalizada, inicia-se a segunda etapa, a da programação, momento em que se monta a chamada “grade de programação”, entrando em cena a publicidade — responsável pela maior parte da receita dessa etapa da cadeia, cujo modelo de negócio se baseia, principalmente, no patrocínio.

Já a distribuição, terceira etapa, é responsável pela transmissão do conteúdo e depende do meio a ser utilizado para essa transmissão, no qual os mais conhecidos são a radiodifusão (concessionárias de televisão ou serviços de satélite), fios de cobre ou de fibra ótica (operadoras fixas), cabos coaxiais ou satélites de órbita baixa (TV por assinatura), ou ainda, por meio da rede celular (operadoras de telefonia móvel).

Finalmente, chegamos na quarta e última parte desse processo, ou seja, a entrega do conteúdo na casa ou no estabelecimento comercial do assinante (aparelho de televisão, aparelho de telefonia fixa , set-top box, computador ou aparelho celular).

Atualmente, as emissoras de TV dominam os primeiros três estágios desta cadeia (produção, programação e distribuição). Já as empresas de TV por assinatura atuam nos três últimos estágios (programação, distribuição e entrega).

Todavia, com o advento das tecnologias de TV Móvel (nas redes 3G) e IPTV (nas redes óticas fim-a-fim), surgiu a conveniência de se integrar as operadores de serviços fixos e móveis nessa cadeia, ou seja, realizando ofertas de conteúdo de vídeo e dados para os usuários, podendo definir detalhes dessa venda por meio de modelos de uso ilimitado (“flat rate”), sob demanda (“video on demand”), ou via reprodução direta de vídeo (“streaming”).

Deixaríamos muito a desejar se nos furtássemos ao debate sobre incentivos à produção local de conteúdo, independente, ou por comunidades locais, que colaborassem para a consolidação de nossa identidade como nação, em um país multifacetado e com especificidades tão variadas. A conseqüência direta que se espera dessa discussão é a concepção de políticas específicas para o desenvolvimento de produção local, sem apelos xenófobos de reserva de mercado, mas por meio de políticas de fomento, apoio e incentivo que propiciem ao Brasil, e brasileiros, um importante passo na busca de ocuparmos posição de destaque no cenário de geração e exportação mundial de conteúdos.

As operadoras de telecomunicações não têm demonstrado interesse nem capacidade para produzir conteúdo local, uma vez que sua vocação maior se concentra na etapa de distribuição. Todavia, dada a necessidade de se buscar novas fontes de receita e novos modelos de negócio, faz-se mister participarem da fase de programação, momento em que se delineia a grade de serviços e se negociam as respectivas fontes de receita. Assim, estariam ajudando na formação da demanda de conteúdo nacional para abastecer o mercado local e, por que não, também exportá-lo.

É, portanto, preciso estar atento a essas movimentações e debater a questão nos níveis mais estratégicos de governo, nas esferas federal, estadual e municipal, por meio de reflexões profundas, pois esses assuntos terão um impacto importante na sociedade.

Essa questão também preocupa o mercado de TV por assinatura, que reconhece na escassez de conteúdo nacional um dos limitadores da universalização da TV paga no Brasil, ao lado da ainda incipiente penetração geográfica e da política de preço dos serviços.

Algumas entidades defendem a regulamentação do setor, outras crêem que a reserva de mercado para brasileiros na produção de conteúdo (tentação da qual devemos nos afastar) é a melhor alternativa para mudar este cenário. O que realmente conta para a criação de uma sociedade mais justa e evoluída é a transformação cultural no setor, quando, juntos, poderemos nos mobilizar para a criação de uma lei que incentive os produtores independentes.

Só assim, iremos além da simples discussão sobre distribuição de conteúdos e começaremos realmente a focar na essência deste processo: estimular a produção de conhecimento local para garantir empregos, gerar conteúdo e proteger a identidade nacional.