‘Detalhes’ podem reduzir impacto das cotas para produção nacional

Mantidas a definição de conteúdo qualificado e a possibilidade de ‘compensação’ das cotas entre canais da mesma programadora, o impacto das cotas para produção nacional e independente previstas no PL 29 será pequeno. Esta é a conclusão de um estudo realizado pelo Intervozes após a divulgação pelo deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ) da última versão do projeto que pretende abrir o mercado de televisão por assinatura às teles e estabelecer regras para produção, empacotamento e distribuição de conteúdo nacional. O levantamento realizado pela organização foi entregue a Bittar na noite desta terça-feira, 6/5, um dia antes da data prevista para a votação do substitutivo ao PL 29 na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática.

A pesquisa avaliou uma semana de programação do pacote digital básico da NET (advanced digital), a principal operadora de TV por assinatura do país, com participação de cerca de 75% no mercado de TV a cabo – tecnologia que representa cerca de 62% do mercado de TV por assinatura –, o que corresponde a cerca de 46% de participação no total do mercado. Os pacotes, em versões idênticas ou similares, também são veiculados por outras operadoras de TV a cabo e de outras tecnologias, como a Sky. O estudo analisou especificamente o impacto potencial da cotas dos canais BR (previstas no artigo 18 do PL), sem tratar das cotas internas aos canais internacionais (previstas no artigo 17).

Metodologia

Excluindo-se os canais abertos e aqueles transmitidos por obrigação da lei – que não contam para efeito de cotas –, são doze os canais com conteúdo predominantemente nacional veiculados no pacote: GNT, Multishow, SporTV1, SporTV2, GloboNews, SescTV, ESPN Brasil, Shoptime, Futura, SESC TV, Canal Rural e Record News. Destes doze, quatro, em tese, não se habilitam para serem contados para efeito das cotas. A ESPN Brasil, por ser de programadora estrangeira; o Shoptime, por ter conteúdo basicamente de televendas (o que não configura conteúdo qualificado); e os canais Futura e Record News, por serem geradoras de TV aberta em alguns municípios. Estes dois últimos podem fazer a opção de não permanecerem concessionários de TV aberta nas localidades em que detêm outorga, mas nesse momento não poderiam ser incorporados às cotas. Ainda assim, por conta dessa possibilidade, a pesquisa analisou as grades de ambos os canais.

Analisou-se, também, a grade do canal Rá-Tim-Bum, que já faz parte do pacote imediatamente superior ao básico e que poderia facilmente ser incorporado na conta das cotas caso passe a fazer parte do pacote básico (o canal também já faz parte da programação de outros pacotes de outras operadoras).

Para efeitos da avaliação, foi estabelecido como horário nobre aquele compreendido entre 18h e 23h, por ser aquele indicado em versão anterior do projeto. Nas últimas versões, essa definição ficaria a cargo da Ancine. A única exceção a essa regra foi o canal Rá-Tim-Bum, que por ser um canal infantil teve o horário nobre indicado como das 13h às 18h.

Impacto duvidoso

A pesquisa revela que, da maneira como estão organizadas as grades de programação hoje, o pacote advanced digital da NET já possui oito canais que poderiam contar para efeito de cotas para canais BR (a simples inclusão do canal Ra-Tim-Bum já subiria esse número para nove), desde que fossem feitas alterações pontuais em suas grades. O principal ajuste seria a veiculação de uma hora de programação independente no horário nobre, o que a maior parte dos canais não cumpre. Essa adaptação poderia se dar, em alguns dos canais, com uma reorganização da própria grade de programação. Em outros, a adaptação poderia ser feito com co-produções ou com a terceirização de programas já realizados. Nada impede, por exemplo, que um programa que tenha a marca da emissora e apresentadores da emissora seja produzido por encomenda em uma produtora externa, o que o caracterizaria como produção independente, ainda que descaracterize o espírito e o propósito da cota.

Na prática, feitos esses ajustes, os pacotes passam a ter nove canais cumprindo integralmente as cotas previstas no projeto. Como o projeto limita a obrigação à veiculação de dez canais BR e as cotas só passam a valer plenamente daqui a 4 anos, as operadoras teriam todo esse tempo para incluir mais um canal BR, e estariam plenamente adaptadas às obrigações. Caso o Canal Futura, por exemplo, abdique de suas outorgas na TV aberta, as cotas passariam a ser cumpridas imediatamente após a promulgação do projeto.

Detalhes?

Segundo João Brant, da coordenação do Intervozes, o  projeto possui algumas letras miúdas que na prática distorcem as intenções de incentivo à veiculação de conteúdo brasileiro e de conteúdo brasileiro independente. “Ao permitir que programas jornalísticos de debates e comentários sejam considerados conteúdo qualificado, o projeto abre uma brecha para que pelo menos três canais que antes estariam fora da conta – SporTV1, SporTV2 e GloboNews – se tornem cumpridores das cotas”, diz. Ausente das versões preliminares do PL 29, o ‘detalhe’ foi incluído nas últimas versões por pressão das Organizações Globo, controladora da Globosat.

A análise feita pelo Intervozes ainda desconsidera a possibilidade prevista no projeto de que haja a compensação parcial do cumprimento das cotas entre a parcela de canais de programação em que “pelo menos 50% dos capitais de seus programadores sejam, direta ou indiretamente, detidos por uma mesma empresa ou pessoa física”. Se considerada essa possibilidade de compensação, sequer serão necessários ajustes na grade dos canais Globosat, já que o Canal Brasil, por exemplo, cumpre com folga todas as cotas e poderia 'emprestar' horas de produção independente para os outros canais. “O fato de um canal poder compensar parcialmente suas cotas com outros da mesma programadora traz distorções imensas. Com esse instrumento, os canais Globosat podem até diminuir o que veiculam hoje de conteúdo brasileiro”, afirma Brant.

O projeto prevê também que pelo menos 1/3 dos dez canais nacionais exigidos pelas cotas sejam programadoras por empresas que não operam sua distribuição ou empacotamento. Canal Rural, SESC TV e Rá-Tim-Bum (além da Record News) já estão nessa situação, o que significa que esta cota está praticamente cumprida.

Sugestões

Para corrigir as distorções evidenciadas pela pesquisa, o Intervozes entregou a Bittar algumas sugestões para garantir que a adoção das cotas tenha algum impacto no desenvolvimento do setor audiovisual nacional. A primeira delas é excluir programas de debates e comentários da definição de conteúdo brasileiro qualificado, definição que só apareceu na última versão do PL. A segunda sugestão é especificar que leilões não podem ser considerados conteúdo qualificado.

Uma terceira indicação feita pela organização foi a de não permitir a compensação das cotas nos canais BR, para evitar que um ou dois canais cumpram as obrigações relativas a todo um pacote de determinada programadora. Segundo Brant, do Intervozes, “o diabo mora nos detalhes. Sem alterações nesses pontos, as cotas para canais com conteúdo predominantemente brasileiro vão apenas manter a situação hoje já existente”.

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