Organizações manifestam apoio às cotas para audiovisual nacional

A disputa pelas cotas para a produção nacional independente na programação da TV por assinatura terá mais um round, desta vez na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Na reunião desta quarta-feira, um grupo de representantes da sociedade civil entrega aos membros da comissão cópias de manifesto pró-cotas assinado por 36 organizações. As entidades defendem a manutenção das porcentagens fixas para produção nacional na programação e nos pacotes de canais oferecidos pela TV por assinatura incluídas no Projeto de Lei 29/2007 pelo relator, deputado Jorge Bittar (PT-RJ).

A divulgação do manifesto coincide com dois momentos importantes no debate sobre o PL-29: a sinalização de Bittar que a versão final do relatório será apresentada até o fim de março e o recrudescimento da ofensiva contra as cotas movida por associações empresariais do setor de TV paga.

No início de março, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) lançou novo filme publicitário da campanha "Liberdade na TV", em que afirma que a aprovação do PL-29 como está significa dizer que "os políticos" vão decidir o que assinante vai assistir. A ABTA diz ainda que as cotas resultarão em "restrição de informação, entretenimento e cultura". O filme, que complementa outro lançado em dezembro, é veiculado em diversos canais, inclusive os de interação com o assinante, próprios das operadoras.

Somando esforços à contra-ofensiva, o presidente do Congresso Brasileiro de Cinema, Paulo Rufino, diz que estuda formas jurídicas de contestar a campanha da ABTA. "É um abuso, não só de poder econômico, mas também porque não permite a resposta. A nossa indústria cinematográfica, que é parte interessada na questão, não tem um canal à disposição para falar com o público nas mesmas condições", comenta.

O CBC está entre as entidades signatárias do manifesto, ao lado da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM), Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão (Fitert), Associação Brasileira de ONGs (Abong) e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entre outras.

Para o presidente do conselho do ABPITV, Fernando Dias, a campanha da ABTA "é uma campanha contra a produção nacional". "Fala em liberdade de escolha quando não há esta liberdade na compra dos pacotes", lembra Dias, reproduzindo argumento presente no texto do manifesto.

Resposta direta à campanha do empresariado, o texto entregue aos deputados também reúne dados que mostram como a TV por assinatura estreita o gargalo da exibição da produção audiovisual brasileira. Citando dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), as entidades mostram que apenas 0,5% dos filmes exibidos por 10 dos principais canais pagos são brasileiros. "Além de garantir que a produção nacional complete seu ciclo de venda e chegue a quem mais interessa (o consumidor/espectador brasileiro), esses mecanismos garantem que os meios de comunicação brasileiros sejam utilizados para circulação e difusão da cultura nacional.", afirma o texto.

Estudo contestado

As organizações contrárias às cotas armaram-se, também, de dados para a disputa da opinião pública e dos votos dos deputados. Estudo encomendado pela Associação Brasileira de Programadoras de TV por Assinatura (ABPTA), que reúne os canais estrangeiros vendidos no Brasil, e a operadora Sky, circulou nas últimas semanas, colocando nas manchetes a cifra de R$ 3,3 bilhões. Este seria, segundo o estudo, o custo de implementação das cotas previstas no substitutivo do PL-29. Transferindo este valor diretamente aos assinantes, a ABPTA e a Sky afirmam que o preço das assinaturas aumentaria até 144%.

Para Tereza Trautman, cineasta e diretora da Conceito A Audiovisual, responsável pelo canal CineBrasil TV, o estudo é "um grande sofisma". "Parte de premissas verdadeiras para justificar falsidades", diz. Fernando Dias, da ABPITV, afirma que os "números foram totalmente superestimados".

Os resultados, segundo Tereza, devem ser encarados como tradução dos interesses dos estrangeiros que "não querem perder sua cômoda posição" no mercado brasileiro. Uma das premissas contestadas pela cineasta é a de que o público brasileiro não se interessa pelo conteúdo nacional. No estudo, esta afirmação está ligada à previsão de que o aumento do conteúdo brasileiro levaria ao desinteresse de parte dos assinantes pelo serviço da TV paga.

Tereza lembra que o cinema nacional ocupa posição privilegiada nas bilheterias. "Se consideramos a proporção entre renda de bilheteria e salas de exibição, veremos que três filmes brasileiros são os verdadeiros campeões de bilheteria de 2007", afirma. A questão, portanto, não seria de falta de interesse, mas a pequena participação dos filmes nacionais nos circuitos de exibição.

A cineasta vai além e diz que a previsão da ABPTA de redução do total de assinantes é contestável. Segundo ela, o PL-29 traz como possibilidade a entrada das empresas de telecomunicações ou, minimamente, a disponibilidade da rede das teles para o mercado de distribuição, o que significaria um aumento considerável da massa de assinantes. "Com isso, o perfil do assinante muda, inclusive no que diz respeito à língua em que o conteúdo vai ser apresentado. A TV paga tem de, minimamente, falar a mesma língua que o assinante", diz Tereza.

Mas o principal problema do estudo está no cálculo dos custos. A empresa contratada pela ABPTA e a Sky parte do valor de produção do conteúdo audiovisual. A conta simples multiplica o preço do minuto de produção (que não está descrito no estudo) pelo número de horas de programação nacional que resultaria da aplicação das cotas propostas no PL-29. O correto, segundo Tereza, seria considerar o custo de aquisição, que é o que as programadoras (os canais, em si) pagam aos produtores. "Para se ter uma idéia da diferença, um filme cuja produção custa R$ 1,2 milhão pode ter sua licença de exibição negociada por R$ 50 mil", exemplifica.

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Confira a íntegra da manifesto

Cotas: política legítima de valorização e estímulo ao conteúdo nacional

A Câmara dos Deputados deve retomar em breve a discussão sobre o Projeto de Lei 29/2007, que altera a regulamentação o setor de TV por assinatura no país. O projeto apresenta alguns mecanismos que visam ampliar a diversidade e a pluralidade do conteúdo veiculado através deste serviço. Um deles, as cotas para conteúdo audiovisual nacional, é alvo de uma agressiva campanha por parte da Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA), que representa as empresas do setor. A ABTA tem veiculado uma peça de propaganda na programação das suas associadas afirmando que a aprovação do substitutivo apresentado pelo deputado federal Jorge Bittar, relator do PL, vai acabar com a liberdade de escolha dos assinantes e aumentar o valor da assinatura.

Mas a que liberdade eles se referem? Hoje, os assinantes das TVs por assinatura não têm liberdade alguma em relação à programação a que assistem. Os pacotes já vêm prontos, montados conforme os interesses comerciais da empresa, o que obriga o espectador a adquirir vários canais que não deseja para que possa ter, por exemplo, um canal de filmes.

O argumento do valor também não se sustenta. Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que o Brasil já tem um dos serviços de TV por assinatura mais caros do mundo. O alto preço cobrado pelas programadoras pela venda dos canais às empacotadoras (que comercializam os “pacotes” de canais) e o modelo de negócio das operadoras, sustentado no alto valor da assinatura, fazem com que a base de assinantes não cresça de forma significativa. Ao mesmo tempo, dificultam a obtenção de uma escala maior de assinantes, criando um círculo vicioso que mantém o preço do serviço nas alturas e impede sua acesso pela maior parte da população. Dados divulgados pela Ancine mostram que a penetração da TV por assinatura no país é de 8,1%, a segunda menor de toda a América Latina.

Além disso, no Brasil, as principais operadoras (NET Serviços e Sky) são relacionadas à principal empacotadora (NET Brasil) e à principal programadora de canais nacionais (Globosat), que por sua vez representa os produtores do mesmo grupo. Essa verticalização gera o controle de boa parte do mercado por um só ator e cria um quadro de grande desequilíbrio, em que o Brasil produz mais de 50 longas-metragens por ano, centenas de curtas, documentários e outras produções para TV, mas não tem como exibi-las. Isto é, existe produção, mas o grande gargalo para o conteúdo chegar às telas segue sendo a distribuição e exibição. Dados da Ancine mostram que, no quarto trimestre de 2006, os 10 principais canais pagos de filmes exibiram 3.264 títulos de longas-metragens. Destes, apenas 17, ou cerca de 0,5%, eram brasileiros.

É por isso que a solução da cota de tela já é adotada nas salas de cinema, em que a regra geral prevê que cada sala exiba filmes nacionais em pelo menos 28 dias a cada ano. Além de garantir que a produção nacional complete seu ciclo de venda e chegue a quem mais interessa (o consumidor/espectador brasileiro), esses mecanismos garantem que os meios de comunicação brasileiros sejam utilizados para circulação e difusão da cultura nacional. A importância da comunicação na formação de valores e referências culturais e educativas faz com que este setor – e o do audiovisual, em particular –, em qualquer tipo de plataforma de transmissão, receba um tratamento legal diferenciado em todo o mundo, sendo objetivo de regulação que vai além do campo econômico. As TVs por assinatura são parte desse setor e, especialmente por se utilizarem de uma outorga do Estado para operar, têm direitos e deveres para com a sociedade.

No Brasil, no entanto, a indústria da comunicação é movida prioritariamente por interesses econômicos. Em 2006, o setor de TV por assinatura arrecadou R$ 5,13 bilhões com publicidade e assinaturas, e foi responsável pela remessa de R$ 500 milhões de reais ao exterior. São esses os interesses escondidos atrás da grita das empresas de TV por assinatura. Nesse contexto, sem medidas positivas, como as cotas para produção nacional e para produção independente, é muito difícil que outro conteúdo nacional seja incorporado às programações.

A proposta do PL 29 não difere da prática de vários países da Europa e América do Norte, como França, Alemanha, Espanha e Canadá. Não há aí nenhuma xenofobia: o que se busca é evitar que a presença das produções estrangeiras seja avassaladora e asfixie completamente a produção nacional. Vale notar que os canais a cabo mais assistidos são aqueles que traduzem filmes para o português. Portanto, medidas que aumentem o tempo de conteúdo nacional nas programações das TVs por assinatura, ao invés de encarecer o serviço, podem até barateá-lo, na medida em que mais programas brasileiros podem atrair novos assinantes.

Na verdade, o argumento de que as cotas não são democráticas, usado pela ABTA, esconde os interesses dos programadores estrangeiros e das operadoras – estes sim antidemocráticos – de definir todo o conteúdo que o espectador irá assistir. Também nada democrática é a campanha que defende apenas os próprios interesses e a tentativa de impedir o debate público sobre o tema, que permitiria a expressão de opiniões diversas e contraditórias.

Considerando o exposto, nós, abaixo-assinados, acreditamos que uma política de cotas – aliada a uma forte política de estímulo à produção nacional, como consta do projeto – seja a fórmula ideal para fortalecer a indústria audiovisual brasileira. A implementação dessas medidas será uma importante vitória para o público brasileiro e para a democracia no país.

Signatários (em ordem alfabética):

ABCA – Associação Brasileira do Cinema de Animação
ABCCOM – Associação Brasileira de Canais Comunitários
Abepec – Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais
Abong – Associação Brasileira de ONGs
ABPI-TV – Associação Brasileira dos Produtores Independentes em Televisão
Amarc – Associação Mundial de Rádios Comunitárias
Apaci – Associação Paulista de Cineastas
APTC/ABD-RS – Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS
Articulação Mulher e Mídia
Artigo 19
Associação das Entidades Usuárias do Canal Comunitário de Rio Claro – TV Cidade Livre
Associação de Difusão Cultural de Atibaia / Difusão Cineclube
Blog Mídia em Debate
Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania
CBC – Congresso Brasileiro de Cinema
CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire
Ciranda
Ciranda Afro
CNC – Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros
Comitê da Bahia do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
COMULHER – Comunicação e Mulher
CONRAD – Conselho Regional de Rádios Comunitárias do RS
CREC – Centro Rio-Clarense de Estudos Cinematográficos
Enecos – Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
Federação de Cineclubes do Estado de São Paulo
FIC – Fórum Intermunicipal de Cultura
Fitert – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão
Fittel – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações
Instituto Paulo Freire

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Observatório da Mulher
Rede de Mulheres em Comunicação
Revista/Projeto Viração
Sindcine – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal
TV Comunitária de Brasília

 

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