Visita ao maior veículo de jornalismo colaborativo, na Coréia

Disseminação da web e conservadorismo dos jornais fazem brotar na Coréia o maior veículo cidadão do mundo.

Quando o Link chega ao OhMyNews, situado em uma área nobre de Seul, 65 jornalistas estão compenetrados diante de seus PCs. Parece uma redação como tantas outras, mas a sensação de ‘mais do mesmo’ muda assim que o cordial diretor de comunicação, Jean K. Min, começa a conversar com a reportagem. “Aqui publicamos as informações que as pessoas comuns nos passam”, explica.

O intrigante OhMyNews ganhou espaço em tudo quanto é veículo de comunicação do mundo, do The New York Times ao The Guardian, por um motivo: quem faz o jornal não são jornalistas, mas testemunhas oculares – ou repórteres cidadãos – espalhados mundo afora. Se na redação há pouco mais de meia centena de jornalistas, nas ruas há 60 mil “colaboradores” que enviam textos via web e, se o material for publicado, ainda levam uma graninha.

O OhMyNews é o precursor e maior expoente mundial do fenômeno do jornalismo cidadão, espalhado hoje por sites como Digg e WikiNews e em canais virtuais criados por jornais para estimular a participação do público.

Fundado em 2000, o endereço www.ohmynews.com é visitado por 700 mil coreanos diariamente. Não chega a bater a imprensa tradicional como o maior jornal local, The Chosun Ilbo, com 2,3 milhões de leitores, mas é um dos principais sites de notícias do país e se diferencia pela independência.

O slogan “cada cidadão é um repórter” resume a filosofia de que qualquer pessoa que estiver no lugar certo e na hora certa de um determinado acontecimento pode, com o auxílio da tecnologia, registrar o fato e divulgá-lo. Segundo Min, o OhMyNews com freqüência consegue ser um contraponto ao que é publicado pelas mídias de massa.

“Na sociedade moderna as corporações têm interesses próprios, que às vezes se refletem na forma como publicam as notícias. O controle está nas mãos de poucos, o que exclui a população do processo”, afirma. “O OhMyNews busca justamente dar a oportunidade para que a voz de todos seja ouvida.”

Para entender melhor as declarações de Min, vale fazer um retrospecto da história sul-coreana. Até 1987, e por mais de 25 anos, a Coréia do Sul viveu sob uma ditadura militar que instituiu a censura na imprensa. Após 1987, mesmo com o fim da censura oficial, diversos veículos locais mantiveram laços com o governo e seguiram praticando um jornalismo “chapa branca”, em que fatos de interesse público, mas que poderiam comprometer membros do poder, não são devidamente divulgados.

Desse cenário de conservadorismo surgiu o OhMyNews. “Junte a alta conectividade da população ao fato de ela, com poder crítico elevado, estar cansada de ver a mídia ignorar assuntos importantes e temos a receita do sucesso do OhMyNews”, explica a pesquisadora brasileira Ana Maria Brambilla, que é repórter cidadã e fez o seu projeto de mestrado sobre o site coreano.

Uma amostra dessa independência ocorreu nas eleições presidenciais de 2002. Enquanto a maioria dos jornais alinhou-se ao governo, defendendo o candidato da situação, o OhMyNews noticiava a ascendência de Roh Moo-hyun, tido como irrelevante pela grande imprensa. Moo-hyun acabou eleito e concedeu a sua primeira entrevista justamente ao OhMyNews, o que trouxe prestígio ao site.

E dá para confiar em notícias enviadas por “qualquer” pessoa? Ana Maria diz que sim: “Todas as notícias são checadas pelos jornalistas da redação. É para isso que eles estão lá.” Esses mesmos jornalistas escrevem cerca de 20% do que vai ao ar no site: são reportagens sobre assuntos importantes, mas que não foram tratados em textos enviados por colaboradores.

Nem todo o material é aproveitado. E, quando é, nem sempre o internauta é pago por isso. Mas, se a notícia vai parar na página principal do site, ele pode ganhar até US$ 55. O valor é baseado na reputação de quem envia, na qualidade do texto e em sua repercussão.

“A quantia é simbólica, mas descobrimos que pode ser muito dinheiro em alguns países”, diz Min. “Em Camarões um repórter cidadão abandonou seu emprego para se dedicar ao OhMyNews. Ele manda matérias muito boas. Em seis meses ganhou mais de US$ 400. É uma soma de dinheiro substancial por lá.”

Para bancar a remuneração dos colaboradores e os custos da estrutura da redação, o OhMyNews conta com uma fonte de recursos bem tradicional: publicidade. “O jornal é bancado por investidores e alguns anunciantes”, diz Min. “Atualmente o negócio é totalmente sustentável. As maiores empresas da Coréia do Sul anunciam conosco, pois enxergam o poder do nosso meio.”

O sucesso comercial e de público do OhMyNews rendeu frutos. Além do site, há uma versão impressa, distribuída semanalmente na Coréia, com tiragem de 150 mil exemplares. Também há versões do site em inglês e japonês – embora esse último não tenha feito sucesso – e planos de lançar um endereço só para a Europa. Foi montada ainda uma escola de jornalismo colaborativo, que ensina técnicas de mídia cidadã.

O êxito chamou a atenção de veículos de outros países. Sites como MyNews (www.mynews.in), da Índia, e Orato (www.orato.com), dos EUA, inspiraram-se no site coreano. Mesmo em veículos tradicionais espalham-se ferramentas de contribuição.

O Estadão tem o FotoRepórter, por meio do qual qualquer internauta pode enviar fotos com interesse jornalístico para a redação, com chance de ser publicada e remunerada.

Jornais como The Guardian, El País e O Globo aceitam contribuições em texto, assim como portais como os da CNN, BBC, Terra e IG, entre outros.

E pensar que tudo começou na Coréia do Sul.

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