A TV pública e os esportes

Se havia dúvidas com relação ao risco de utilização política da Empresa Brasil de Comunicação, elas foram desfeitas com as recentes declarações do relator da Medida Provisória (MP) 398, que autoriza sua criação, deputado Wagner Pinheiro (PT-BA). Entre as medidas que ele pretende incluir em seu parecer, uma obriga as emissoras privadas de televisão a ceder – sem nenhum custo – à TV Brasil, que é vinculada à Secretaria de Comunicação Social e está no ar desde 2 de dezembro, os direitos de transmissão de eventos de que participem equipes esportivas representando o País cuja exclusividade tenham comprado, mas não queiram exibir.

Segundo Pinheiro, essa medida tem por objetivo impedir uma prática bastante comum nas principais emissoras brasileiras. Em grandes eventos internacionais, como a Copa do Mundo, a Taça Libertadores e os campeonatos mundiais de vôlei e basquete, as maiores redes do País compram os direitos de transmissão de todos os jogos apenas para impedir que as redes concorrentes o façam, prevenindo-se assim contra eventual perda de audiência. Pela proposta do relator, quando a emissora não quiser levar ao ar o jogo cujos direitos de transmissão comprou, ele será transmitido pela TV Brasil. E, se não quiser ceder os direitos, será obrigada a fazer a transmissão.

"Transmissão esportiva é um drama no Brasil. Os caras compram os campeonatos e não passam. Compram para boicote deles, mas têm de entregar para o público ver", diz Pinheiro. Além do "confisco" de eventos esportivos, o relator pretende obrigar as emissoras privadas a incluir a TV Brasil em seus pacotes de TV a cabo e estabelecer limites mais rígidos para os patrocínios culturais, sob a justificativa de evitar o que classifica como forma disfarçada de publicidade comercial. "Uma coisa é colocar 'apoio cultural da Caixa Econômica Federal'; outra coisa é dizer 'apoio da Caixa Econômica Federal, onde suas aplicações rendem mais'. Isso é anúncio", conclui.

Para aumentar os recursos da TV Brasil e assegurar autonomia financeira, o relator também quer incluir em seu parecer o repasse automático de parte do Fundo de Fiscalização das Telecomunicaçõ es (Fistel) para o caixa da Empresa Brasileira de Comunicação. E pretende ainda criar o cargo de "ouvidor" da TV pública, assegurando- lhe o direito de contar com alguns minutos diários na programação da TV Brasil.

A maioria dessas medidas configura uma ilegítima tentativa de interferência no âmbito da iniciativa privada em matéria de comunicação de massa, e deixa claro o enviesamento político e ideológico que está por trás da criação de uma televisão pública no País. O relator do projeto de criação da TV Brasil, por exemplo, age como se ignorasse que quase todos os grandes eventos esportivos internacionais resultam de investimentos cuidadosamente planejados por empresas das mais variadas áreas e setores. Ou seja, são empreendimentos cujo faturamento tem de cobrir custos de produção e remunerar acionistas. O mesmo acontece com as TVs a cabo. Também são empreendimentos privados, motivo pelo qual não faz sentido a pretensão de que "carreguem" a programação da TV pública.

Em boa hora a oposição começa a se mobilizar para rejeitar a MP 398. "Essa MP cria muita desconfiança. Já tentaram controlar os jornalistas, a produção de cinema e, agora, criam uma televisão pública por medida provisória. Qual é a urgência? Por que não um projeto de lei para ser debatido", diz o líder do PSDB na Câmara, deputado Antonio Carlos Pannunzio. "É o tipo de gasto supérfluo, ao lado da criação de milhares de novos cargos", afirma o líder do Democratas no Senado, José Agripino. Os dois partidos já entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalida de no Supremo Tribunal Federal, alegando que não há nem urgência nem relevância que justifique a criação da TV Brasil por medida provisória.

Em diversas ocasiões, o presidente Lula afirmou que a TV Brasil não seria "chapa branca" nem seria utilizada para proselitismo político e partidário. O enviesamento ideológico das propostas que o relator da MP 398 pretende nela incluir com apoio da base governista, contudo, não leva em consideração as palavras de Lula.

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