CCS e Conselho Consultivo da Anatel passam 2007 em branco

Em praticamente todas as áreas de governo, a sociedade brasileira, por meio de suas organizações e movimentos, participa de instâncias de controle social das políticas públicas respectivas a cada setor. Apesar de inúmeros problemas e contradições, conselhos, conferências e outros instrumentos articulam, em cada área, processos que buscam suprir as limitações da democracia representativa formal.

Na Comunicação, tais processos não existem, sendo a regulação e as políticas do setor historicamente pautadas pela ótica dos interesses empresariais. E dois dos espaços que poderiam contribuir para uma alteração deste quadro encontram-se hoje desativados.

O primeiro deles é o Conselho Consultivo (CC) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), instância formada por representantes dos poderes públicos, do mercado e da sociedade, que não se reúne desde fevereiro de 2007. O segundo é o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional, que passou o ano de 2007 sem realizar uma reunião sequer, mesmo com crescente interesse pelo tema tanto na Câmara quanto no Senado Federal.

Órgão alienígena?

Dentre as principais funções do Conselho Consultivo, segundo o portal da própria Anatel, está a de "opinar, antes do encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o Plano Geral de Outorgas, o Plano Geral de Metas de Universalização de serviços prestados em regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações". Criado em 1998, o CC, em tese, encontra-se no mesmo nível hierárquico do Conselho Diretor e da Ouvidoria da agência. A realidade, porém, é bem distinta do que sugere o organograma oficial.

Luiz Fernando Liñares, advogado, assessor especial da Câmara dos Deputados e representante desta no Conselho Consultivo, afirma que o órgão está inativo por ações deliberadas da direção da agência. "É como se o Conselho Consultivo fosse um órgão alienígena, como se seus membros não tivessem sido nomeados pelo Presidente da República", considera. Liñares vai além e responsabiliza o Conselho Diretor pela inanição da instância consultiva. "Ao que parece, o projeto da direção da agência, em médio ou longo prazo, é dissolver o Conselho Consultivo, que teve a sua autonomia seriamente ferida quando passou a produzir opiniões que contrariavam os interesses predominantes do mercado", diz.

Empossado na função de presidente do Conselho Consultivo em abril de 2006, com mandato de um ano, Liñares também enxerga na ausência de estrutura mínima para seu funcionamento – recursos humanos e materiais – uma violação à autonomia do órgão. A isso se soma a insuficiência de critérios técnicos e a falta de transparência no processo de nomeação dos seus integrantes, cuja decisão é competência única e exclusiva do Presidente da República.

A opinião acerca da ingerência do Conselho Diretor no trabalho do CC é corroborada pelos fatos. Após a última reunião do órgão, então presidido por Liñares, em fevereiro passado, o Conselho Diretor negou a liberação de verbas para a realização de novas reuniões. A justificativa, segundo Liñares, foi a falta de quorum mínimo que legitimasse os encontros. Entretanto, o advogado diz que a falta de quorum impediria atos deliberativos por parte do conselho, mas não a realização de reuniões.

A dificuldade de aproximação entre o CC e a Ouvidoria da agência também é alvo de cobrança de Liñares. "Funcionários da Ouvidoria participaram de todas as nossas reuniões na minha gestão enquanto presidente. No entanto, jamais tivemos retorno quanto às proposições feitas, quanto ao posicionamento e quanto à sua acolhida ou não por parte da Ouvidoria", expõe o representante da Câmara.

Atualmente, passados quase três meses da nomeação dos membros para as vagas que completam, na ótica da direção da agência, o quorum mínimo para reuniões, o CC não se reuniu, embora Liñares tenha feito a solicitação ao Conselho Diretor no mesmo dia em que foram nomeados Igor Vilas Boas de Freitas, para a vaga do Poder Executivo, e Amadeu de Paula Castro Neto, para a do Senado.

A assessoria parlamentar e a assessoria de imprensa da Anatel foram procuradas reiteradas vezes pela reportagem, por telefone e email. Até o fechamento da matéria, porém, ambas não responderam às questões formuladas.

CCS: um ano sem se reunir

No último dia 11 de dezembro completou-se um ano da última reunião do Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional para questões desta área. Enquanto isso, foram intensamente debatidas na Câmara e no Senado matérias que propõem mudanças no campo da comunicação: modificações no marco legal da TV paga, alterações nos procedimentos de renovação de concessões de rádio e televisão, criação da TV pública, entre outros temas.

Inscrito na Constituição de 1988 – de forma bastante limitada em relação aos anseios da sociedade civil naquele momento, – o CCS, cujos conselheiros têm mandatos de dois anos, foi criado em 1991 pelo então presidente Fernando Collor. A sua instalação, no entanto, ocorreu apenas onze anos depois, em 2002, no contexto da aprovação da emenda constitucional que possibilitou a entrada de capital estrangeiro nas empresas de radiodifusão e de imprensa.

A segunda gestão do órgão se encerrou em dezembro de 2006 e caberia à Mesa Diretora do Senado a nomeação de seus novos integrantes, o que até hoje não ocorreu. Na Secretaria-Geral da Mesa Diretora do Senado não há qualquer informação sobre perspectivas para as nomeações ou sobre as possíveis justificativas para a omissão. Tampouco há informações a respeito na Secretaria de Apoio a Conselhos e Órgãos do Parlamento, instância à qual é vinculado o CCS.

Elefante branco

Para a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), o CCS sofre com a sua natureza limitada. "O conselho, da forma como está hoje, não tem peso nenhum. Não tem autonomia, não consegue exercer o controle social, é um grande elefante branco", critica a parlamentar.

Berenice Mendes, integrante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e conselheira integrante das duas gestões do órgão representando a categoria profissional dos artistas, critica duramente a situação. "Chegar ao final do ano sem que os membros do seu conselho tenham sido nomeados nos deixa em estado de perplexidade. Não há qualquer justificativa para que o Senado deixe de cumprir a lei, principalmente num ano em que a comunicação social está em debate no Congresso", protesta.

Berenice também aponta distorções em relação ao CCS. “Na segunda gestão do conselho houve manipulação por parte da representação patronal, tanto que houve usurpação das cadeiras da sociedade civil, com empresários ocupando estas vagas. Além disso, pessoalmente acredito que as entidades da sociedade civil nunca souberam reconhecer a importância do CCS, nunca o utilizaram e o defenderam como deveriam ter feito", pondera a conselheira. A opinião é partilhada pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). "A sociedade ainda não se apropriou devidamente dessas conquistas, desses espaços de luta", lamenta a parlamentar.

Para o professor Fernando Paulino, da Universidade de Brasília (UnB), a questão se insere num cenário histórico de escassa atenção às políticas públicas de comunicação. "Deveriam ser criados mecanismos para que, efetivamente, os meios de comunicação social cumprissem com as suas responsabilidades constitucionais. Mas o primeiro destes mecanismos hoje definha e passa por um processo de inanição que o torna praticamente inexistente", avalia o pesquisador.

A deputada Erundina afirma que pretende realizar audiência pública em 2008 para tratar do aperfeiçoamento do CCS, assunto sobre o qual já há projetos de lei em tramitação no Congresso. Resta saber o que pensam os senadores, especialmente o novo presidente da casa, Garibaldi Alves (PMDB-RN), cuja família é proprietária do maior grupo de comunicação do Rio Grande do Norte. 

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