Incertezas marcam o futuro da TVE/RS e da FM Cultura

Porto Alegre – No dia 10 de novembro, o PL 399/2007 completou um mês de tramitação na Assembléia Legislativa gaúcha. A intenção do Projeto de Lei enviado pelo Executivo é firmar parcerias com empresas privadas, constituídas em Oscips, atingindo cerca de 33 fundações das áreas de assistência social, educação, saúde, cultura, patrimônio histórico, defesa do meio ambiente, desenvolvimento econômico, defesa da ética, paz, cidadania e direitos humanos e comunicação. Entre elas está a Fundação Cultural Piratini, gestora da TVE e da Rádio FM Cultura. Embora não seja possível obter uma confirmação pública, há registros em atas do próprio Conselho Deliberativo da Fundação que o Governo possui um grupo de trabalho analisando um projeto de Oscip para a fundação.

A proposta é alvo de debates e mobilizações contrárias à sua aprovação. O último protesto ocorreu no dia 7 de novembro, quando a CUT e seus sindicatos filiados realizaram um dia de greve geral no Rio Grande do Sul para protestar contra o pacote econômico da governadora Yeda Crusius (PSDB), que inclui o projeto das Oscips.

Proposta do governo FHC

As Oscips foram criadas pelo governo federal, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, para possibilitar que entidades, associações e fundações privadas sem fins lucrativos firmem acordos com a administração pública. Segundo a professora e pesquisadora nas áreas de Administração Pública e Estudos Organizacionais da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Maria Ceci Misoczky, a existência do marco regulatório dessas organizações, em nível federal, já autoriza tanto sua existência quanto a realização de parcerias com estas organizações, só que neste caso parcerias efetivamente pontuais e regidas pelas regras e controles da administração pública.

“O PL 399/2007 deve, portanto, ser tratado como um fato extremamente grave e com implicações de enorme risco. Até porque, se não fosse para transferir para organizações privadas sem fins lucrativos um grande conjunto de funções e atividades que cobrem todas as atividades e funções não exclusivas do Estado e que incluem todos, absolutamente todos, os setores e serviços sociais que não sejam fiscalizadores ou de segurança, não seria necessário criar um marco regulatório específico”, alerta a professora.

Maria Ceci destaca que o tema não pode ser tratado de modo pontual, como se fosse uma mera regulamentação do aparato governamental. “A discussão que está colocada para a sociedade gaúcha é eminentemente política. É preciso sair da pauta estabelecida pelo governo e de sua estratégia de tratar a questão como se fosse técnica”.

Trabalhadores resistem à privatização

Esse é o objetivo do Movimento “SOS TVE Rádio FM Cultura”. Após uma série de seminários, os funcionários da Fundação se posicionaram contra a proposta. Com o intuito de gerar o debate na sociedade, os trabalhadores, com o apoio dos Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas, organizaram um abaixo-assinado em que explicam a situação de sucateamento das emissoras e criticam a proposta de ceder a gestão a uma Oscip. Além da versão on-line disponível no site www.petitiononline.com/TVE_FM, as assinaturas estão sendo colhidas aos domingos no Brique da Redenção, local de grande movimento em Porto Alegre.

O representante dos funcionários no Conselho Deliberativo da Fundação, Alexandre Lebboute, avalia que o movimento já reuniu 12 mil assinaturas. Os abaixo-assinados serão entregues à Assembléia Legislativa alguns dias antes da votação, que ainda não tem data marcada. Lebboute acredita que a medida representa o primeiro passo de um processo de privatização. E alerta que a mudança pode significar a queda de qualidade do serviço e a perda de independência da programação.

Ele salientou ainda o perigo que representa as entidades serem contratadas sem licitação. “O escândalo do Detran/RS teve como pivô uma fundação contratada sem licitação. Este tipo de procedimento é temerário do ponto de vista da gestão dos recursos públicos. As possibilidades de controle público numa terceirização são precarizadas”, afirma. Lebboute lembrou um levantamento realizado pelo Tribunal de Contas e o Ministério Público Federal onde verificou-se que dos R$ 3 bilhões enviados para ONGs e Oscips, 1,5% são desviados.

Quem perde é a sociedade

A professora Maria Ceci também considera importante pensar quais seriam as conseqüências para a sociedade gaúcha da transferência da execução das funções e atividades hoje sob responsabilidade da Fundação Piratini para uma Oscip. “A TVE e a FM Cultura se constituem no único veículo para a valorização das manifestações culturais produzida pela nossa gente, sejam elas aquelas marcadas pela tradição, sejam as criações contemporâneas, que pode fazê-lo livre das pressões do mercado”. Ela diz que a perda desse espaço e sua subordinação à lógica do mercado se constituiriam em uma perda inestimável para todos, mas, também e especialmente, para as gerações futuras. “É incrível como alguns se atrevem a pensar o desenvolvimento desconectado da cultura.”

Além disso, a professora considera que os trabalhadores da Fundação Piratini se constituem em um coletivo de profissionais portadores de uma qualificação não apenas formal, já que desenvolveram competências e habilidades em sua trajetória de trabalho nesta organização. “O movimento SOS TVE Rádio FM Cultura não pode ser tomado como mera defesa corporativa de seus postos de trabalho, o que, aliás, seria muito legítimo. Trata-se de uma demonstração pública de seu comprometimento com os valores e os propósitos que até hoje têm orientado a existência dessa organização. A indefinição e despreocupação com o destino deste conjunto de profissionais, bem como dos profissionais de todas as organizações que podem ser alvo desta Lei, caso ela seja aprovada, é uma reedição da postura de desprezo pelos servidores públicos que já dominou outras administrações no Governo do Rio Grande do Sul”, conclui Maria Ceci.

TV Brasil pode ser uma alternativa

Hoje, a Fundação Piratini está atuando com um presidente interino e sem uma diretoria efetiva. O jornalista Luiz Fernando Moraes deixou a presidência em outubro para assumir a Secretaria de Turismo de Porto Alegre, após seis meses de gestão. Um dos principais problemas é justamente a falta de continuidade. No Governo de Germano Rigotto, foram quatro presidentes em quatro anos.

Na avaliação do presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS, José Nunes, o sucateamento das emissoras vem a longos anos, mas hoje está cada vez mais claro. “Desde que a governadora Yeda Crusius assumiu não houve nenhum investimento. Acreditamos que o governo está em compasso de espera para aprovar o PL das Oscips e se desresponsabilizar da Fundação”, afirma Nunes.

Segundo ele, na audiência pública que debateu a TV pública com o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, realizada no dia 27 de outubro em Porto Alegre, as entidades criticaram a proposta da governadora e solicitaram que o Governo do Estado faça um acordo com o Governo Federal para aderir à TV Brasil. Quem optar pela participação plena receberá recursos do governo federal para fazer a migração para o sistema digital e para o modelo público. Com isso, a TVE teria o aporte financeiro que necessita e não precisaria ser entregue ao setor privado. 

O secretário da Comunicação Social do Estado do RS, Paulo Fona, que compôs a mesa de debates, disse que considera a TV Brasil um avanço para o processo de democratização da comunicação no País e que a governadora Yeda Crusius está disposta a conversar. Mas também afirmou que o projeto das Oscips pode ser uma opção de gestão para a TVE. “Mas isso ainda não é definitivo, já que a Assembléia Legislativa está analisando a proposta”.

A TV Brasil se propõe a ter quatro horas de programação feitas por produtoras independentes e quatro horas de programação local. A definição da grade nacional se dará através de conversas com as emissoras dos estados. Lebboute acredita que integrar a rede pode ser uma saída. “Ainda estamos debatendo essa possibilidade com os funcionários. Está claro que o processo de digitalização é muito caro e quem não se adequar estará fora. O Governo Federal abriu a possibilidade de passar recursos para a digitalização e a qualificação dos servidores. Mas não vejo um movimento do Governo do Estado para buscar essa solução, prefere entregar para as Oscips”, afirma.

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