O limite à propriedade cruzada na TV por assinatura

Tramita na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados o substitutivo do deputado Wellington Fagundes (PR-MT) que procura unificar a legislação de TV paga no Brasil. Uma vez aprovado, o substitutivo seguirá para a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), onde terá novo relator, provavelmente o deputado Jorge Bittar (PT-RJ).

O projeto é surpreendentemente interessante, levando-se em conta os interesses em jogo e a origem partidária do relator. Mas, ainda existem várias questões a serem melhoradas, como imprecisões no texto e a quase total inexistência de regras para conteúdo nacional, produção regional e de caráter independente.

Mas, a grande polêmica do substitutivo está mesmo no parágrafo primeiro do artigo 9°. De uma só vez, o relator conseguiu comprar briga com as operadoras de telecomunicações (Oi, Embratel, Brasil Telecom e Telefonica) e de TV paga (entre elas a Globo). Diz o parágrafo:

"As empresas de produção e programação de conteúdo audiovisual eletrônico não poderão deter o controle acionário de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, independentemente das plataformas das mesmas, assim como as empresas exploradoras de serviços de telecomunicações não poderão, direta ou indiretamente, adquirir direitos de exploração de imagens de eventos nacionais de qualquer natureza, ou participar de empresa de produção de conteúdo nacional e de programação, onde exerçam qualquer influência na administração, independentemente das plataformas a que se destinem os referidos conteúdos."

O texto poderia ser mais explícito na sua redação ("não poderão deter o controle acionário de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, inclusive de distribuição de comunicação audiovisual eletrônica por assinatura, independentemente das plataformas das mesmas"), mas, na prática, o que ele está propondo é uma inédita regra de limite a propriedade cruzada. Ainda que estejam sendo abrandadas pelos ventos do neo-liberalismo, tais regras existem em quase todos os países ditos desenvolvidos, inclusive nos Estados Unidos, e visam impedir que uma mesma empresa seja dona de jornais, revistas, rádios AM e FM, TVs abertas, TVs pagas, etc. No Brasil, até hoje, não existe nenhum tipo de limite para a concentração de propriedade (exceto o impedimento para que uma pessoa tenha mais de cinco canais de televisão aberta).

No caso específico da TV paga, o oligopólio exercido pela Globo tem ares dramáticos e ajuda a explicar o alto preço e a consequente baixa penetração do serviço (menos de 10% da população brasileira vive em casas onde há pelo menos um ponto de TV paga). A Globo é dona integral da maior "programadora" brasileira, a GloboSat, que tem em seu portfólio canais como GloboNews, GNT, MultiShow, SportTV1, SportTV2, USA, Telecines (5), Canal Brasil, Premiere Futebol Clube e Sexy Hot. A mesma Globo é igualmente dona integral da maior "empacotadora", a NET Brasil, que tem como clientes a NET Serviços (44 cidades, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Porto Alegre), a Sky Brasil e várias outras franqueadas, como a TV Cidade (presente em Niterói, São Gonçalo, Volta Redonda, Aracaju e Juiz de Fora, entre outras cidades).

Mas, a Globo também possui cerca de 28% da Sky Brasil ("distribuidora" de TV paga via satélite) e 10% diretos e 26% indiretos da NET Serviços (maior "distribuidora" de TV paga via cabo do país). Com isso, a Globo garante presença nas quatro atividades que integram a cadeia produtiva da TV paga: produção, programação, empacotamento e distribuição.

O substitutivo do deputado Wellington Fagundes obriga a Globo a vender suas ações na NET Serviços e na Sky Brasil, deixando de operar na distribuição da TV paga. Em contrapartida, as operadoras de telecomunicações não poderiam comprar direitos de transmissão de eventos (como shows e campeonatos esportivos), produzir conteúdo audiovisual e programar canais de TV paga. Na prática, contudo, a proposta afeta pouco as teles, que, até onde se sabe, estão interessadas apenas em comprar ou constituir empacotadoras e distribuidoras de TV paga (como os casos da Embratel-Net Serviços, Telefonica-TVA, Telefonica TV Digital e Oi-Way TV) e não pretendem produzir e programar conteúdo audiovisual.

A proposta do substitutivo também poderia ser mais abrangente. O ideal seria separar totalmente as atividades de produção e programação, de um lado, das atividades de empacotamento e distribuição, de outro lado. Assim, a Globo poderia continuar produzindo conteúdo audiovisual e programando os canais da GloboSat. Mas, não poderia ser acionista da empacotadora NET Brasil e das distribuidoras NET Serviços e Sky Brasil. Com isso, a Globo deixaria de poder usar a NET Brasil para obrigar a transmissão de todos os canais produzidos pela GloboSat e para impedir a transmissão de canais brasileiros que lhe façam concorrência. Teria que haver uma verdadeira negociação comercial entre a programadora GloboSat e a empacotadora NET Brasil.

É fato que a crise porque passou a Globo no início desta década a obrigou a abandonar sua posição majoritária na Sky Brasil (hoje propriedade do grupo DirecTV) e na NET Serviços (que, apesar das restriçoes legais, tem a maioria das ações nas mãos da Embratel-Telmex). Em ambos os casos, a Globo se tornou sócia minoritária, embora ainda participe do bloco de controle. Mesmo assim, uma proposta legislativa que obrigue a Globo a ter que sair de uma das atividades da TV paga (a distribuição) já está fadada a ser alvo de intensa polêmica e, principalmente, de pressão do poderoso lobby dos deputados que servem aos interesses da Vênus Prateada do Jardim Botânico.   

GLOSSÁRIO

* Programação é o ato de reunir o conteúdo audiovisual na forma de uma grade de horários, constituindo o que chamamos de canal de televisão;
* Empacotamento é a atividade de reunir vários canais de televisão paa serem ofertados aos assinantes;
* Distribuição é a operação da rede (cabo, microondas ou satélite) que transmite a TV paga.

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