Rádio Digital Exclusivo

As tecnologias de digitalização apresentam um efeito muito interessante em relação à inclusão social e ao desenvolvimento das pessoas. Na telefonia móvel, por exemplo, a digitalização das redes gerou melhoria na qualidade e aumento da capacidade de serviço para a periferia; ainda, provocou a queda no custo do sistema e maior profusão de aparelhos. Cresceu muito o acesso ao serviço de telefonia móvel pelas pessoas mais humildes de nossa sociedade. Acontecimento bom, pois favoreceu à comunicação, número de empregos, serviços, comércio e tantas outras coisas positivas decorrentes que, ainda, proporcionaram melhoria na qualidade de vida destas populações atendidas.

Numa outra tecnologia, a TV digital brasileira vem com um apelo interessante: resolver os problemas de recepção para aqueles aparelhos de TV que estão mais distantes da área central das cidades. Por exemplo, nos testes experimentais de transmissão da TV Digital, que ora ocorrem na área central da capital paulista, é possível captar-se o sinal transmitido até mesmo no município de Jacareí, a cerca de 100 km de distância. Isso denota uma significativa melhoria na capacidade de cobertura do sinal de televisão – bom para as emissoras e bom para a população. Quem reside na periferia vai receber um sinal digital com boa qualidade, bastante robusto e, também por isso, valerá a pena investir na compra de um receptor da tecnologia digital.

Na digitalização da radiodifusão sonora, todavia, ocorre algo diferente do que é obtido na TV Digital e no telefone celular. O modelo proposto por alguns radiodifusores e defendido pela Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão baseia-se no sistema norte-americano Iboc, onde o “novo sinal” digital é transmitido junto ao “antigo sinal” analógico. Porém, a transmissão do sinal digital apresenta um alcance menor do que aquele da transmissão do sinal analógico e, consequentemente, a área de cobertura digital é cerca de 4 vezes menor do que a área do analógico. O serviço digital na radiodifusão sonora proposta não será disponibilizado para todos.

De fato, quem estiver na periferia, longe dos transmissores, continuará recebendo apenas o sinal analógico. Não adiantará possuir um receptor digital, pois, com a distância, não será possível receber o sinal digital e usufruir das grandes maravilhas que estão prometidas para o rádio digital.

As áreas periféricas apresentam infra-estrutura de suporte social menos elaborada, com pessoas mais carentes, para as quais os serviços e inovações do rádio digital poderiam ser benéficos em seu desenvolvimento social, naturalmente, além do histórico bom entretenimento oferecido no rádio. As pessoas da periferia, em seus lares, estarão excluídas da nova tecnologia digital no rádio.

Torna-se incompreensível, e inaceitável, a adoção de um sistema tecnológico para o suporte de um modelo de negócios da radiodifusão sonora onde a população distal – a periferia – estará excluída.

Não faz sentido trazer essa reflexão para aqueles que defendem tal sistema, pois já explicitaram não relevar o problema. Porém, torna-se cada vez mais importante trazer tal reflexão para aqueles que defendem o progresso da sociedade e, principalmente, para aqueles que estarão “de fora” da radiodifusão sonora digital. Essa reflexão também é pertinente para aqueles que se comprometeram em defender a sociedade brasileira e que, por algum motivo, ainda permanecem calados.

Ao adotar-se o sistema Iboc, como será que os órgãos de defesa do consumidor irão agir quando uma pessoa reclamar que comprou um rádio digital, mas que o aparelho “só pega o analógico”, estará com defeito, como saber, o quê fazer? A deficiência estará no sistema tecnológico proposto: é excludente; o reclamante reside na periferia onde não chega o sinal digital. Com tal desencadeamento de acontecimentos, o Ministério Público também deverá ser acionado, pois um grande número de pessoas estarão prejudicadas.

* Marcus Manhães é pesquisador em Telecomunicações.

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