Norma do Minc vai regulamentar Cineclubes

Espera-se para esta semana a publicação da Instrução Normativa da Agência Nacional do Cinema (Ancine) que institui a figura jurídica dos Cineclubes novamente na burocracia brasileira. Sim, apesar de praticamente qualquer um saber o que é um cineclube, ao menos por aproximação, há 18 anos não existe no Brasil a regulamentação da atividade, um registro das instituições que são cineclubes, ou sequer uma conceituação do que seriam cineclubes.

A Instrução Normativa (IN), que deve ser aprovada em reunião da Diretoria Colegiada neste dia 2 de outubro, tem como preceito básico delimitar os cineclubes como espaços de exibição não-comercial de obras audiovisuais nacionais e estrangeiras e de atividades correlatas. Por isso, os cineclubes são entidades constituídas sob a forma de sociedade civil, sem fins lucrativos, que têm como objetivos serem espaços para a multiplicação de público e formação de opinião para o setor audiovisual. A IN abre ainda a possibilidade do registro de entidades que se pretendem cineclubes junto à Ancine, facultativo e com duração de dois anos, com emissão de um certificado de registro.

Na “Exposição de Motivos”, documento com o objetivo de justificar o projeto da IN, foi destacado ainda o papel dos cineclubes na universalização do acesso às obras audiovisuais, em especial as nacionais, e a possibilidade de permitir à Agência o acompanhamento desse segmento de mercado – na prática, desconhecido -, e também de como discipliná-lo e distinguí-lo das salas de exibição comercial. A construção da Exposição e da IN envolveu, de acordo com seu proponente, o diretor Leopoldo Nunes, todas as instâncias técnicas da Agência e a participação popular, através do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros (CNC).

Para Nunes, este momento representa a retomada de um exercício de formalização da atividade, e até por isso é interessante que as entidades tenham a opção de não fazê-lo. “É um processo iniciado numa Proposta de Ação que vem sendo discutida desde minha entrada, com debate e problematização pensados para permitir seu amadurecimento. Na Consulta Pública, surgiram de 800 a 900 contribuições, a maioria apoios integrais ao texto, além de alterações gramaticais ou de ordens de artigos, todas já consolidadas pela nossa ouvidoria, após uma longa discussão que durou seis meses”, diz. A Consulta Pública esteve aberta até 15 dias atrás, por um período de aproximadamente um mês.

O gestor problematiza a questão: “Essa regulamentação é necessária para você definir o que é o espaço não-comercial. Se não é regulamentado, tudo começa a fazer parte da mesma regra: a regra comercial. O cineclube não é uma estrutura comercial, tem exploração diferente, associativa/cultural, e sem fins lucrativos. Outra coisa muito relevante, do ponto de vista cultural, é você pegar filmes que não fizeram carreira comercial – alguns consagradíssimos, dos melhores já foram produzidos no país – e que passaram a pertencer à cinematografia brasileira através do movimento cineclubista. O Cineclube existe e deve ser definido para não gerar um atrito violento com estruturas como a Ancine”, diz Nunes.

De um passado nebuloso à ação do movimento

Embora com um movimento cineclubista reconhecido, em especial entre os anos 70 e 80, do qual fizeram parte cineastas como o próprio Leopoldo Nunes, os cineclubes sofreram com o “desmonte” do cinema, ocorrido no final da década de 1980. Desregulamentada, a atividade foi também desarticulada, e sem entidades ou mesmo uma legislação específica ficou relegada às iniciativas particulares. No final da década de 90 o movimento retomou o fôlego, com a realização de diversas jornadas de Cineclubes, e a constituição, em 2004, do CNC, que tem organizado assembléias e apoiado projetos do atual governo, como o Programadora Brasil e o Programa Cultura Viva.

Antonio Claudino Jesus, presidente do CNC e vice-presidente da federação internacional do setor, conta que a proposta da IN saiu dos fóruns da entidade, em 2006, e foi proposta no começo deste ano à Ancine., junto da diretoria coordenada pelo Leopoldo Nunes. “Essa IN foi provocada pelo conselho, que se mobilizou para que ela existisse”, afirma.

Um novo audiovisual?

Apesar das conjecturas da Ancine e do CNC acerca da importância deste momento para a estruturação das salas de exibição não-comerciais, não se sabe ao certo quantas, quais e como são estas salas, nem o que são as redes que formam – se é que há redes já formadas. O projeto tem também este fator político, de auxiliar o cadastro destas entidades e consolidar o CNC como entidade articuladora dos cineclubes em nível nacional, realizando suas iniciativas e apoiando outras. Mas é fato que, entre Pontos de Cultura, escolas, clubes e entidades afins, pouco se sabe acerca de quem é ou não cineclube hoje.

“A idéia é justamente acabar com este vazio institucional, e formar uma identidade para os cineclubes para além da legislação que há hoje. Cineclube é uma entidade, sem fins lucrativos, formada em torno do cinema, com o objetivo de formar e organizar um público para debates sobre o cinema ou a partir do cinema, e com isso fomentar também a cidadania”, coloca Jesus. Ele também frisa a importância de entender que estes espaços podem existir dentro de outras instituições, como escolas, sindicatos ou igrejas, ou mesmo ser clubes de intelectuais debatendo técnicas cinematográficas.

Membro do cineclube da associação de moradores do seu bairro, Jesus aponta que, apesar de pouco organizados, os cineclubes são hoje plurais. Cerca de 100 cineclubes filiados formalmente ao CNC, mas já há mais de 300 mapeados país afora. Exibe-se, hoje, de salas estruturadas, com iluminação e isolamento acústico até velas de pescadores no nordeste ou paredes de conjuntos habitacionais nas periferias de São Paulo. Tal diversidade e capilaridade, por sua vez, aproximam os cineclubes de propostas como o Programa Cultura Viva, e muitos cineclubes têm se tornado Pontos de Cultura – uma forma de se organizarem melhor e crescerem, sem enfrentar tantas dificuldades burocráticas. E muitos deles têm começado a produzir suas próprias experiências em audiovisual.

Outro exemplo deste “momento de militância” foi o Primeiro Fórum de Experiências Populares em Audiovisual, de onde saiu a “Carta da Maré”, realizado em junho deste ano. Foram reunidos 42 grupos, que levaram suas propostas ao Ministério da Cultura. Entre elas, estender as políticas de financiamento, distribuição e exibição das produções para fomentar o audiovisual popular; criar editais públicos adequados aos “núcleos populares” de formação audiovisual e regionalizados; divulgar as produções periféricas através da TV pública e do Programadora Brasil; fomentar a co-produção com TVs públicas e comerciais; integrar as universidades públicas, instituições de comunicação comunitária e o poder público a estas políticas; e o desenvolvimento de políticas de educação audiovisual em conjunto com a sociedade civil.

Apesar da aprovação prevista para esta semana, a IN dos cineclubes terá ainda um lançamento simbólico, previsto para a Pré-jornada de Cineclubes, em Vitória, e que deve ocorrer até o começo de novembro. Para Nunes, “é um evento muito importante, e vamos procurar estar lá, firmando este canal com o movimento”.

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