Conselho Consultivo da Anatel não pode mais ficar incompleto

A Lei Geral de Telecomunicações, ao definir a estrutura da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, determinou que este órgão contaria com um Conselho Consultivo (CC), com o objetivo de garantir a “participação institucionalizada da sociedade” no processo de regulação do setor. Têm representação no Conselho o Senado, a Câmara dos Deputados, o Poder Executivo, as entidades representativas das prestadoras de serviços de telecomunicações, dos usuários e da sociedade, sendo duas vagas para cada segmento, num total de doze vagas.

No organograma da agência, o CC está ao lado do Conselho Diretor e da Ouvidoria, o que autoriza a conclusão de que o legislador pretendeu que os diversos segmentos da sociedade tivessem papel preponderante no processo de edição de normas pela agência. Vejamos algumas das competências do CC: “opinar, antes de seu encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização de serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações; aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público; apreciar os relatórios anuais do CD; requerer informação e fazer proposição a respeito de toda matéria atribuída ao poder decisório do Conselho Diretor”.

Ainda que as posições adotadas pelo CC não vinculem o CD, o peso político e técnico de suas recomendações deve ser levado em conta no momento de edição de normas pela agência, sendo este o mecanismo de viabilizar que os pleitos e expectativas dos diversos agentes do setor sejam devidamente sopesados e, portanto, trata-se do canal que propicia certa dose de democracia à atuação do órgão regulador, já que seus diretores são indicados diretamente pelo Presidente da República.

Descaso

Contrasta com a importância que a LGT atribuiu ao CC o descaso que as instituições responsáveis pela indicação e nomeação de seus membros – o Ministério das Comunicações e a Casa Civil – ao longo do tempo têm dispensado ao preenchimento das vagas.

Um exemplo histórico dessa afirmação é o fato de o primeiro presidente do CC ter sido indicado, em fevereiro de 1998, pelo então Presidente da Telefonica – Fernando Xavier Ferreira, também integrante do CC; tratava-se do Conselheiro Wilson Lazzarini, que preenchia a vaga de representante dos usuários, mas que não tinha qualquer relação com entidades de defesa dos consumidores, pois ligado aos interesses das empresas de telecomunicações, assim como quase a totalidade dos demais integrantes do Conselho àquela época, entre eles Sávio Pinheiro, que já exerceu dois mandatos – o primeiro de três anos em nome das operadoras e o segundo de um ano e meio em nome do Senado – e que atua como consultor na SP Communications para as principais empresas de telecomunicações do país – entre elas a superpoderosa Telefonica. 

Mas os fatos mais gritantes foram as nomeações, ainda em 2001 e 2002, de dois diretores de concessionárias de telecomunicações, para ocupar as duas vagas reservadas aos consumidores.Esta aberração levou o Ministério Público Federal de Pernambuco, recebendo denúncia apresentada pela Associação Brasileira dos Consumidores de Telecomunicações – ABCTEL, a mover Ação Civil Pública, julgada procedente, para obrigar os ilustres e resistentes conselheiros, representantes na verdade das empresas de telecomunicações, a “largarem o osso”.

Ou seja, houve tempos no CC em que as empresas ocupavam quatro vagas, em absoluta violação à finalidade da lei de garantir ampla participação da sociedade. São fatos como este que explicam a imagem de clube fechado, órgão capturado e antidemocrático que o CC sempre passou para a sociedade.

Fazendo uma retrospectiva em sua breve história, verificamos que nunca houve um período em que as duas vagas destinadas aos consumidores e à sociedade estivessem preenchidas todas ao mesmo tempo por membros que de fato representassem aqueles dois segmentos.

Sem indicação

É certo que, depois da atuação do Poder Judiciário, o processo de indicação e nomeação para preenchimento de vagas recebeu mais atenção. Porém, o problema passou a ser outro: a falta de indicação. Por exemplo, há mais de dois anos não há preenchimento completo de todas as vagas destinadas duas aos consumidores e duas à sociedade. Hoje, especificamente, apenas uma das vagas destinadas aos usuários está preenchida pela subscritora deste artigo, sendo que as duas vagas reservadas à sociedade estão vazias.

Pior, o Conselho Consultivo está, desde fevereiro deste ano, sem se reunir por falta de quorum, pois restaram com mandatos vigentes apenas cinco conselheiros. Dia 06 de setembro último, a Casa Civil fez publicar no Diário Oficial da União a nomeação de apenas dois membros para preencher duas das sete vagas até então desocupadas: Igor Vilas Boas de Freitas, como representante do Poder Executivo, e Amadeu de Paula Castro Neto, como representante do Senado Federal, valendo considerar que ambos têm forte histórico e competência técnica no campo das telecomunicações, mas, por suas atividades profissionais, estão ligados às empresas que atuam no setor.

Atual configuração:

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Parece bastante significativo o atual cenário do CC na conjuntura de redefinição do modelo das telecomunicações, que vem ocorrendo em função das conseqüências da convergência digital, que já começa a mostrar seus impactos em áreas de grande interesse como reestruturação societária das empresas que atuam no setor, alteração da estrutura e classificação das modalidades de serviços, alteração no plano de metas de universalização, licitação de freqüências, preocupações com a universalização de banda larga, entre outros temas determinantes para o futuro do país.

Diante das grandes questões que estão pendentes de definição, é razoável perguntarmos: qual a razão de o CC estar preenchido por seis representantes das esferas de governo – e alguns deles estreitamente ligados a concessionárias – e apenas, e por razões circunstanciais, um representante dos consumidores?

Interpretações subjetivas à parte a respeito da real representatividade dos atuais Conselheiros, é indiscutível que a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e os princípios democráticos estão sendo desrespeitados. Urge a nomeação das demais vagas no CC, pois matérias fundamentais estão para ser reguladas e os interesses dos diversos agentes do mercado devem estar representados no processo regulatório.

A reforma da LGT está em pleno debate. A partir do ano que vem se iniciará a consulta pública para a primeira revisão dos novos contratos de concessão firmados em 2005, que passará a viger a partir de 2010; a resolução que fixará o conceito de Poder Significativo de Mercado deve ser preparada ainda neste ano; fusões de grandes empresas estão sendo decididas, entre outros assuntos cruciais, como a volta da participação acionária do Estado nas empresas de telecomunicações.

Aguardamos, assim, dos ilustres governantes que indicam e nomeiam os membros do CC da Anatel, que ouçam o clamor das entidades que vêm buscando a indicação de seus representantes, especialmente em virtude da importância histórica do atual cenário, e assumam um compromisso verdadeiro com a democracia, abrindo oportunidade para que a sociedade possa lutar de forma legítima e equilibrada por seus interesses econômicos e sociais dentro do ambiente institucional.

*Flávia Lefèvre Guimarães é coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações – FCT e membro do Conselho Consultivo da ANATEL (representante das Entidades Representativas dos Usuários).

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