Recomendação dos EUA apressa fim da neutralidade de rede

A decisão do Departamento de Justiça norte-americano, no dia 6 de setembro, foi uma ducha de água fria nos movimentos de direitos civis nos Estados Unidos que vêm pressionando o governo por medidas que garantam a neutralidade de acesso à Internet. Ou seja, que os pacotes de todos os usuários sejam tratados da mesma forma, como tem sido desde a criação da rede. Na contramão dessas reivindicações, o documento encaminhado à Federal Communication Comission (FCC), a qual caberá a palavra final, sugere que não se adote medidas regulatórias para garantir a neutralidade da rede, sob argumento de que essas medidas podem reduzir investimentos no desenvolvimento da própria rede, inibir a inovação, reduzir o poder de escolha do consumidor e até provocar o aumento de preços.

Resumindo, a posição do Departamento de Justiça, encarregado de impedir as práticas anticompetitivas, é no sentido de que as operadoras de telecomunicações e cabo podem, sim, cobrar tarifas diferenciadas para diferentes tráfegos na rede. A tese tem como líderes a AT&T e a Verizon, responsáveis pela proposta de cobrança diferenciada para provedores de conteúdo, pois estes, segundo elas, sobrecarregariam a rede demandando mais investimentos por parte das operadoras. Ou seja, os usuários que pagarem essas tarifas especiais terão um tratamento diferenciado para seus pacotes.

A decisão do Departamento de Justiça já provocou protestos por parte de várias entidades, mas também recebeu muitos apoios. A questão da neutralidade de rede é tema de grande polêmica na sociedade norte-americana. E tem repercussões no mundo todo, pelo fato de grande parte do roteamento do tráfego internet ser feito nos EUA.

Efeito em cascata

Se a posição defendida pelo Departamento de Justiça for referendada pelo FCC ao final dessa consulta pública, os princípios que orientaram a criação da internet – entre a quais a liberdade de acesso e o compartilhamento – serão duramente afetados. “Trata-se de uma decisão com repercussões muito sérias”, opina Sérgio Amadeu da Silveira, professor de Cidadania Digital no curso de pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero. Em sua avaliação, dependendo de como essas regras discriminatórias forem implementadas, elas não só afetarão os usuários que acessam sites que não fizerem acordos para tratamentos especial de tráfego com as operadoras, como poderão ter impacto sobre aplicações peer to peer (entre dois usuários) que usam protocolos tipo bit torrent, que permitem o compartilhamento, em alta velocidade, de arquivos pesados. Aplicações essas que hoje não pagam nada para transitar na rede, e que, numa situação de tráfego privilegiado por taxas especiais, podem ser seriamente comprometidas.

Na avaliação de Demi Getschko, integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, essa discussão tem que ser acompanhada atentamente. Mas ele recomenda cautela: “É evidente que, se existe qualidade de serviço diferente e largura de banda diferente, pode ter custo diferente”. Mas, se ele admite o que chama de corte vertical em relação à cobrança de tráfego na internet, é totalmente contra o que chama de corte horizontal. Ou seja, pacotes em iguais condições têm que ser tratados da mesma forma. “Não se pode privilegiar pacotes de um determinado site, porque pertencem a um determinado grupo econômico, da mesma forma que não se pode impedir o tráfego de streaming de áudio, que na verdade é voz sobre IP, porque a VoIP prejudica os interesses do operador”, exemplifica.

Getschko reconhece, no entanto, que a questão é muito delicada pois há freqüentes denúncias, inclusive no Brasil, de tratamento discriminatório de determinados dados. A própria Anatel já foi acionada, segundo relato de dirigente do órgão regulador. A palavra-de-ordem entre os ativistas pela democracia na rede é estado de alerta. “Temos que ficar vigilantes sobre como esse movimento pode influenciar a legislação brasileira”, diz Gustavo Gindre, do Coletivo Intervozes e também integrante do CGI.br.

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