Qual a melhor tática para enfrentar o monopólio “Global”?

Vamos voltar ao tema da concessão de funcionamento de emissoras de televisão pelo governo federal brasileiro. Para aqueles que, como eu, percebem que a Rede Globo de Televisão exerce no Brasil o papel de um meio de comunicação oficial, às avessas – isto é, detém um poder de arbítrio sobre a conduta do governo (e do povo que o elegeu), direcionando este governo no rumo da economia neoliberal, e, mais do que isto, legitimando ideologicamente as resoluções governamentais afinadas com o pensamento neoliberal – qual seria o melhor caminho para propor a quebra da concessão do canal televisivo pelo Estado? A cassação, pura e simples, ou a não-renovação da concessão?

Meu argumento central é de que não se pode contar com o aparelho de Estado para qualquer iniciativa neste sentido, pelo menos neste momento, no Brasil. Considero que o governo brasileiro, no nível do Poder Executivo, não tem o mínimo interesse no enfrentamento com a Rede Globo. Ao contrário, o governo Lula, a meu ver, jamais tomará qualquer medida que implique no questionamento da concessão para operação da Rede Globo de televisão. Lula deixa-se pautar pela Rede Globo, pois sabe muito bem que se seguir a cartilha neoliberal não tem com o que se preocupar. E Lula está disposto a avançar, neste segundo governo, no ideário da economia de mercado e do Estado privatizado. Só faltam as reformas da previdência, trabalhista e administrativa para selar o "pacto pelo alto" com o empresariado, enquanto estabelece um "pacto por baixo" com os trabalhadores, através de suas principais organizações.

Mas, e quanto aos trabalhadores independentes que percebem no monopólio, de fato, da Rede Globo uma interferência devastadora sobre a política no Brasil? Em primeiro lugar, não creio que se possa fugir de um certo legalismo no trato da questão. Quer dizer, o tema é constitucional e qualquer campanha que pretenda obter alguma repercussão deve levar em conta este fator.

Então, o que fazer? Ou melhor, como fazer? O mínimo de legalismo que se deve levar em conta é que não se pode caracterizar legalmente, de direito, a Rede Globo como um monopólio. Nós sabemos que ela exerce este papel de fato, mas isto não nos permite avançar juridicamente neste argumento. Afinal, há pelo menos mais meia dúzia de redes de televisão nacionais no país. O argumento do monopólio não serve como mote de campanha anti-concessão. Creio que o argumento capaz de mobilizar diversos setores da sociedade civil em prol do fim da concessão "Global" é aquele de base político-econômica, isto é, que a Rede globo comete irregularidades gravíssimas no âmbito econômico-financeiro e que não honra os seus compromissos frente ao Estado, a sociedade e, por paradoxal que seja, em relação ao próprio mercado capitalista.

Muito se especula que a Globo está envolvida, há bastante tempo, em escabrosas transações financeiras nacionais e internacionais. Para ficar apenas no que já foi publicado a respeito, basta dar uma olhada mais atenta em peças acusatórias do tipo do vídeo "Muito além do cidadão Kane" e do livro "Afundação Roberto Marinho" para se ter uma vaga noção do que ocorre nos bastidores da rede televisiva e, por extensão, das Organizações Globo.

Eu acho que a campanha pelo fim da concessão deveria iniciar-se com apurações e denúncias destas "irregularidades" (na verdade, se comprovadas as acusações, possíveis crimes do colarinho branco). Esta campanha precisa ser massiva, ganhando as ruas, como forma de pressionar o governo federal, o Poder Legislativo, no caso dos dois quintos de votos para a não-renovação e o Poder Judiciário, no caso da necessidade de decisão judicial em prol da cassação da concessão.

Trata-se de movimento tático que visa esclarecer à sociedade o que representa a Rede Globo em termos não só político-ideológicos, mas também econômico-financeiros e como o governo federal se omite diante desta situação e até mesmo compartilha dela, para beneficiar-se do monopólio de fato.

Neste sentido, o primeiro passo para a cassação ou não-renovação da concessão de funcionamento para a Rede Globo seria exigir que ela se enquadrasse nas supostas regras do próprio capitalismo e passasse a ter a conduta que deveria ser a de qualquer empresa privada. Paralelamente, caberia chamar a atenção para o fato de que uma concessão do Estado implica compromissos não só financeiros do concessionário, mas éticos e políticos. No caso da Globo, as "irregularidades" que poderiam levá-la à cassação da concessão também poderiam estar relacionadas a esses outros aspectos.

Enfim, a Rede Globo precisa ser enquadrada legalmente. As "irregularidades" devem ser constatadas por minuciosas investigações. A campanha pública pela cassação ou não-renovação da licença deveria então começar pela cobrança de que órgãos do Estado atuassem no levantamento das prováveis "irregularidades". Caberia à Polícia Federal (que tal uma operação Vênus Platinada?) e ao Ministério Público devassarem os negócios da Rede Globo. Mas para isto é imprescindível que instituições da sociedade civil façam denúncias que, uma vez divulgadas e investigadas, permitam acionar a legislação vigente fazendo com que a não-renovação (via Congresso Nacional) ou a cassação (via STF) possa se viabilizar.

Ainda no plano dos instrumentos legais, o que poderia abreviar a rescisão da concessão seria a revogação do atual dispositivo constitucional pelo qual o concessionário de canais de radiodifusão, diferentemente dos concessionários de outros serviços públicos, não pode ter seu contrato automaticamente rescindido pela simples verificação de irregularidade jurídica e fiscal. Mas, para que isto venha a ocorrer, é necessário que o Congresso Nacional modifique o texto constitucional vigente, o que também envolve uma mobilização dos parlamentares, que não pode ser obtida sem uma grande campanha, capaz de exercer pressão direta sobre o Congresso.

Creio que a pressão direta da opinião pública organizada poderia vir de uma campanha pela não-renovação da concessão, com ampla divulgação dos ilícitos a serem apurados e divulgados. Nessa possível campanha contra o papel monopolístico e para-estatal da Rede Globo, atestado pelos favorecimentos do Estado à concessionária, seria fundamental a participação dos veículos de comunicação alternativa, que defendem a democratização da informação no país. Rádios, jornais, sites, blogs comunitários e alternativos deveriam ocupar a vanguarda da campanha de moralização e democratização da mídia.

Considerando que a mídia grande, como um todo, tenderia a boicotar a referida campanha, a participação efetiva (e não apenas retórica, como ocorre hoje) da mídia alternativa no processo, ajudando a dar nome aos bois e exigindo do Estado um posicionamento à altura do poder concedente, desencadearia fatalmente um processo de mobilização social, por si só, amplamente democrático.

Enfim, não custa relembrar a Chicago dos anos 30, quando Al Capone posava infalível em suas ações. Nada parecia poder detê-lo. A solução veio através de uma medida legalista que a principio não seria capaz de atingi-lo. Como todos sabem, Al Capone foi pego por irregularidades junto ao fisco. Guardadas as devidas proporções, talvez estejamos mais próximos do que parece da obtenção de uma vitória sem precedentes no esforço pela real democratização dos veículos de mídia no país. É uma questão de se encontrar a melhor tática para o enfrentamento.

* Canrobert Costa Neto, Bacharel em Sociologia Política pela Universidade de Brasília, Mestrado em História do Brasil pela UnB, Doutorado em História da América Latina pela Universidade Federal Fluminense, Pós-doutorado em Sociologia Rural pela Universidad de Córdoba, Espanha. Membro do conselho editorial da revista Margem Esquerda. Co-autor do artigo "Das ocupações de terra à reforma agrária no Brasil", revista Margem Esquerda, número 2, Editora Boitempo, São Paulo. Professor, Pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Presidente da Associação de Docentes da UFRRJ (ADUR).


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