Regulação da publicidade: direitos das crianças devem prevalecer

O título acima resume a principal conclusão a que chegaram os participantes da oficina "Regulação da publicidade de alimentos para crianças e adolescentes: uma questão de direitos humanos", realizada no dia 04/07, durante a III Conferência Nacional de SAN, em Fortaleza(CE).

Organizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo COMIDhA (Comitê Nacional de Implementação do Direito Humano à Alimentação Adequada), a oficina discutiu os princípios que norteiam a idéia da regulação sobre a publicidade de produtos que podem representar riscos à saúde, conforme estabelece a Constituição Federal (Art. 220).

A proposta de resolução da Anvisa para regulamentar alimentos não saudáveis – ricos em gordura, sal e outras substâncias nocivas, se consumidas em excesso – destinados ao público infantil também mereceu intenso debate na atividade, que durou cerca de duas horas.

Construída durante mais de um ano de trabalho, com a participação de diversos segmentos da sociedade civil, inclusive das indústrias de alimentos e do setor publicitário, a proposta de resolução ficou em consulta pública, no site da Anvisa, durante cem dias e foi objeto de audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, em junho passado.

A próxima etapa do processo será a realização de uma audiência pública, chamada pela própria Anvisa, na qual esta apresentará a sistematização das contribuições à consulta e a nova redação da proposta de resolução.

Reacionarismo e distorção da democracia – A postura das indústrias de alimentos e do setor publicitário, até o momento, não foge ao cânone universal do setor privado quando a sociedade busca regular a sua atuação. "Nossos alimentos são seguros e não oferecem qualquer risco", "regulação é o mesmo que censura", "o controle remoto é a melhor regulação", "a alimentação das crianças é responsabilidade dos pais", entre outros argumentos, são comumente empregados, com pequenas variações, na defesa dos interesses comerciais, ainda que estes não sejam assumidos explicitamente. O mesmo estilo, que desqualifica a priori as posições divergentes e não aceita a prerrogativa de controle social por parte da sociedade, é adotado em relação à norma de classificação indicativa para programas de televisão. Até comparações ao nazismo foram usadas para depreciar a norma, dispositivo também previsto na Constituição e existente em todos os países desenvolvidos.

Até a criação de neologismos, como sempre lembra o professor Edgard Rebouças (UFPE), especialista em estudos sobre regulação da publicidade no mundo, são utilizados pelos porta-vozes dos "piratas" – pois estão sempre em busca do nosso dinheiro – da alimentação e da publicidade. É o caso da "liberdade de expressão comercial", categoria literalmente inventada por marketeiros e que é defendida como prerrogativa absoluta, sem levar em conta sequer os direitos humanos consagrados na Constituição e nos tratados internacionais, com destaque para os direitos das crianças, prioridade absoluta em nossa legislação.

Além disso, apesar de possuírem assento no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), as indústrias de alimentos não participaram da III Conferência Nacional de SAN. Tal opção não surpreende. O setor privado não precisa se expor em espaços e instâncias de debate público e democrático sobre as questões de interesse público. Seu diálogo com o poder se realiza sem intermediários e diretamente com os mandatários centrais, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, em qualquer nível federativo. Privilégio – e artifício – de quem possui recursos econômicos para influenciar, segundo sua ótica particular, os destinos da democracia.

Em alguns países, como Suécia, Noruega, Canadá, Austrália, Estados Unidos, Itália e vários outros, a restrição à publicidade destinada ao público infantil é bem mais rigorosa – na Suécia é simplesmente vedada qualquer propaganda voltada a este público – do que a proposta de resolução da Anvisa. Tal contexto, confrontado com a posição refratária de empresas e publicitários, nos leva à seguinte indagação: em que mundo vivem os lobistas das grandes multinacionais de alimentos e os criativos publicitários das agências que trabalham para estas corporações? Será que eles não se sentem parte do problema – ou da solução – do aumento vertiginoso, em nosso país, da obesidade infantil e das tantas e tão sérias doenças relacionadas a esta problemática?

Independentemente da resistência de uns e outros, organizações de direitos humanos, de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, de defesa do consumidor, pesquisadores e entidades das áreas da saúde, comunicação e outras, bem como inúmeros agentes do poder público vão seguir em frente na implementação de políticas públicas que protejam os direitos da sociedade brasileira contra os potenciais males causados pela voracidade que caracteriza a lógica mercantilista (ainda) fortemente hegemônica em nossa sociedade.

* Rogério Tomaz Jr. é jornalista da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH), entidade integrante do COMIDhA e do FBSAN, e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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